~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXXVIII
Quando Thalia correu para a mansão, Ruan foi atrás dela, mas não conseguiu impedí-la de se trancar no quarto.
- Thalia! - Ruan chamou, quando alcançou a porta.
- Me desculpe - dizia Thalia de dentro do quarto e sua voz soou abalada, pois chorava -, por favor, me desculpe...
- Não tem por que se desculpar! - ele tocou as mãos na porta e aproximou o rosto a ela - Não foi nada demais!
- Não, eu não deveria ter agido de tal maneira... Como pude?
- Lia, por favor, abre a porta! Me deixe falar com você...
De repente surgiu no corredor o Sr. Arantes e viu Ruan de frente ao quarto de sua filha, indo então em direção a ele.
- Algum problema, detetive Gaspar? - ele perguntou, se aproximando de Ruan e o pegando de surpresa.
- Não - disse Ruan, se afastando ligeiramente da porta e passando a mão na nuca, com um giro do corpo.
- E como está indo a investigação? - o Sr. Arantes passou o braço pelo ombro de Ruan e foi caminhando com ele até a escada.
- Bem - virou o rosto para trás olhando pela última vez a porta do quarto de Thalia e seguindo pela escada.
- Sempre bem resumido - disse o Sr. Arantes, rindo e dando alguns tapinhas no ombro do detetive - Você está indo para o escritório?
- Por quê? - perguntou Ruan, olhando para o homem com estranheza.
- É que... Daqui a pouco meu amigo Henrique vai chegar aqui, então... Bem, eu queria ficar à vontade com ele - disse com os ombros encolhidos; Ruan parou para fitá-lo com atenção, impressionado com seu pensamento nada generoso, e depois disso continuou descendo a escada, ao passo que o Sr. Arantes acompanhava-o depressa - Está indo para seu escritório? Vai para o escritório, não é?
~*~
O mordomo abriu a porta e quando o Sr. Henrique Sanches pôs o pé no salão, seu amigo Carlos Arantes já o aguardava de braços abertos; esteve contando ansiosamente cada minuto para sua chegada.
- Henri, meu grande amigo! - disse Carlos, recebendo-o com excessiva reverência - Como estás?
- Muito bem, obrigado - respondeu Henrique, depois de se abraçarem - E você, meu amigo, como está?
- Muito melhor com sua visita! - ajudou o amigo a retirar a casaca e a colocar no cabideiro - Vamos nos sentar.
Eles foram para o sofá e uma vez tendo se sentado, Carlos fez um sinal com a mão para o mordomo no pé da escada e esse se aproximou para atendê-lo.
- Robison, nos traga um café - ordenou, todavia sem mirar na face do mordomo.
- É para já, meu senhor - disse o mordomo, que girou os ombros e foi direto para a cozinha.
- Então, Henri, tudo tem realmente se passado bem com você? - perguntou Carlos para o amigo ao seu lado.
- Sim - respondeu Henrique, meneando agilmente a cabeça de cima para baixo e nesse justo momento, o detetive saiu do corredor para ir à cozinha, mas vendo Henrique ali, lhe foi gentil em acenar, contudo Henrique tão somente mostrou-o um sorriso vazio.
- E seus pais? Como estão? - Carlos teve a vontade de perguntá-lo de repente, porquanto ao reparar também no detetive lembrou-se do que ele lhe perguntara a respeito dos pais de seu amigo.
- Meus pais? - Henrique franziu a testa e pareceu um pouco tenso com a pergunta.
- Sim. É que faz um tempo que não pergunto por eles. Estão bem nos negócios?
- Ah, sim-sim - consentiu, notando que o detetive estava parado próximo à escada e mexia no relógio em seu pulso -, estão bem, graças a Deus! Os hotéis sempre são os mais disputados.
- Viu, detetive Gaspar? - disse Carlos, virando o rosto para trás e mirando no detetive - Eu te disse, Henrique é muito reservado.
- E mentiroso também - falou claramente Ruan, sem perceber o impacto que causaram suas palavras nos senhores, em razão de que estava concentrado em consertar a hora do relógio.
- O quê? - Henrique lançou um olhar carregado de intriga ao detetive e colocou-se imediatamente de pé, movimento que Ruan percebeu ao erguer o rosto.
- Não foi nada, Henri - Carlos segurou no punho do amigo para fazê-lo sentar-se, porém vacilou.
- Deixe, Carlos, eu quero ouvir ele repetir isso - soltou a mão dele de seu pulso, enquanto mantinha a vista fixa em Ruan - O que você disse?
- Nada - falou Ruan, pensando que seria melhor se despachar para a cozinha, antes que o clima começasse a pesar; mas quando fez menção de que ia se retirar, a palavra de Henrique obstruiu seus passos.
- Me chamou de mentiroso? Foi isso?
Nessa hora, o mordomo apareceu com a bandeja com os cafés e ao cruzar a porta do outro salão e perceber que os senhores se estranhavam, hesitou em passar por eles, diminuindo a velocidade dos passos.
- Não se sente envergonhado em ofender as pessoas de modo tão patente e desumano? - continuou Henrique, se acercando mais de Ruan, com demasiada cólera.
- Com toda certeza não sou eu quem sente vergonha de algo aqui - disse Ruan, num tom provocante.
- Não vê que o que faz te ridiculariza?
- O que eu faço? Não, não deve ser tão ridículo quanto as suas encenações.
- Escute aqui - Henrique apontou o dedo ao rosto do detetive, enquanto lhe cuspia aquelas palavras de revolta -, eu não sei o que te fiz de mau para desde que me comheceu tratar-me com total desrespeito, quando só o que tenho feito é elogiar seu trabalho. Mas não vou aceitar que se refira de tal maneira a mim! Sou muito respeitado por todos os que me conhecem e ao meu trabalho!
- Que trabalho? - questionou Ruan, esfregando o queixo e dobrando as sobrancelhas - O de se passar por alguém que não é, ou o de suportar carregar o peso na consciência por ter trocado os próprios pais por dinheiro e caixas de remédio?
Ao ouvir aquilo, Henrique não pensou duas vezes, fechou o punho e atingiu o rosto de Ruan; um golpe tão brutal que fez o detetive cair sobre os degraus da escada e deixou Carlos estarrecido! Sem contar com o mordomo que levou um susto quando colocava a bandeja na mesinha de centro. Ruan virou o rosto para Henrique e tocou os lábios, trazendo nos dedos um pouco do sangue.
- Isso é para você aprender a nunca mais referir-se assim a mim! Entendeu? - Henrique ralhou e voltou a apontar o dedo para Ruan, ao passo que Carlos o contemplava emudecido, com demasiado assombro, porquanto nunca o imaginou reagindo de forma tão alterada.
- Não entendo por que está tão nervoso, se ainda nem revelei tudo o que sei sobre você - disse calmamente Ruan, conseguindo retomar sua postura.
- E o que sei sobre você, detetive Ruan Gaspar - disse com desdém -, é que não passa de um doente mental fantasiado e que seu trabalho não vale nem mais do que aquilo que o gato enterra na areia!
-É? Pois saiba de uma coisa, senhor Sanches - revidou Ruan, impulsionando o corpo para frente -, eu sei de seu segredo!
~*Continua...