~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXXVII

Apesar das extraordinárias confissões de Thalia, o detetive não aparentava estar tão estarrecido, mas acolhia cada palavra com atenção e concordâcia; para ele, tudo o que Thalia revelava-o com demasiado rubor não era nada mais do que ele já desconfiava e esperava brevemente confirmar, e confirmou.

- E você acha que sua avó lhe contou toda a verdade? - perguntou Ruan, deitando os braços sobre a escrivaninha e entrelaçando os dedos das mãos, ao passo que tinha a vista fixa no rosto de Thalia.

- Como assim? - Thalia retrucou, dobrando um pouco a testa - Acha que ela me escondeu algo?

- É que, sei lá... Essa história de ter perdido a memória e querer assustar sua mãe só porque soube pelo diário que não se davam bem - dizia ao passo que recostava-se na cadeira -, não me parece muito convincente. Não estou duvidando de você, mas não creio que sua avó tenha sido totalmente sincera com a senhorita. Para mim, ainda existem mais coisas ocultas nesse caso.

- Se existem, não sei dizer, mas tudo o que soube lhe contei aqui.

- Acredito nisso - ele mostrou um adorável sorriso e acercou o peito ao móvel, apartando as costas da cadeira, para falar mais perto - Bom, agora quero lhe pedir um favor...

- Qual?

- Gostaria que me levasse à casa em que sua avó está vivendo, para eu conhecê-la...

- O quê? Não! Não posso fazer isso! - disse Thalia num tom mais alto, ao passo que se inclinava com rapidez para frente; seus olhos estavam arregalados e as sobrancelhas impulsionadas - Eu prometi à minha avó que não contaria sobre ela para ninguém! Ela me implorou para não contar! Eu nem devia ter te revelado...

- Não se preocupe - Ruan fez um gesto com a mão, pedindo que Thalia se acalmasse -, só peço que me leve até ela e deixe, que eu me explico. Está bem?

- Está bem - Thalia deixou os ombros caírem e respirou fundo.

- Eu gostaria que fôssemos amanhã.

- Amanhã?

Thalia mostrou-se muito insegura ao indagar e deu como resposta seu forçado consentimento, à medida que Ruan se levantava e chegava até ao lado dela; ao vê-lo parar ali, Thalia ergueu o rosto para fitá-lo e contemplou um semblante convidativo que lhe amenizou a agonia da alma, como um lenço para enxugar suas lágrimas de dor.

- Acho que depois dessas revelações, tanto eu quanto a senhorita precisamos tomar um tanto de ar - Ruan disse com uma risada e estendeu a mão para Thalia - Que acha de um passeio no jardim?

Thalia hesitou por um instante, mas ao retroceder o olhar ao rosto do detetive e vê-lo fitá-la de maneira como suplicava para ela aceitar seu convite, cedeu e tomou-lhe a mão, erguendo-se da cadeira e acompanhando-o para os jardins da mansão.

Os dois fizeram todos os caminhos do jardim, maior parte do tempo em silêncio, porquanto Ruan reconhecia quão difícil havia sido para Thalia lhe contar todas aquelas coisas e por essa razão precisava deixá-la tranquilizar os pensamentos; e se uma hora ou outra era impossível conter as palavras, optava por não mencionar nada a respeito daquela conversa, em lugar disso citava algo sobre o ambiente, os pássaros, as lembranças de outras ocasiões e lugares que ele acreditava que poderia fazê-la sentir-se bem e quiçá também compartilhar com ele algumas de suas boas lembranças e opiniões. Até que num certo momento, quando estavam encostados às árvores do jardim, um de frente para o outro, Ruan com o olhar perdido no céu e Thalia o fitando sem ser percebida, aquele silêncio que já fazia mais de alguns prolongados minutos, se quebrou com uma voz tão doce e serena que parecia vir das àguas de um rio.

- Me sinto até mais aliviada depois de te revelar a verdade - disse Thalia, ao passo que Ruan baixava o rosto para mirá-la e sorria ao ouvir aquilo - É como se eu tirasse um fardo de minhas costas... Ou dividisse-o com você.

- Obrigado por me dar metade de seu fardo - falou Ruan, após dar uma gargalhada, e Thalia acabou rindo com ele, todavia com timidez - Viu? Até que não foi tão ruim. E sabe, acho que de todas as pessoas que conheci até agora, você foi a mais corajosa delas.

- Como pode dizê-lo? Eu sempre inventava uma desculpa para fugir das entrevistas e te escondi esses segredos até hoje!

- Sim, mas... Mesmo sabendo do risco que correria, você ainda concordou em não contar à sua familia que sua avó estava viva e teve a coragem de pegar escondida os pertences dela e levá-los até a casa onde está. Acho que isso é ser uma pessoa corajosa - ele tinha o olhar preso no rosto de Thalia enquanto falava e terminou cruzando os braços - A propósito, como a senhorita conseguiu pegar os objetos sem ser descoberta?

- Bem, eu aproveitava quando meus pais saíam do quarto para ir de mansinho até lá e ia colocando tudo dentro de minha bolsa. Depois corria depressa para o quarto! - ela contou, dessa vez rindo com mais liberdade.

- Hhm... A sua sorte foi que eu ainda não estava por aqui, senão teria te pegado no flagra e te faria despejar todos os objetos de dentro de sua bolsa, na frente de todos - ele riu de maneira maliciosa, mas uma malícia que não chegava a ser verdadeira.

- Faria mesmo isso? - perguntou Thalia, apreensiva e ao mesmo tempo risonha.

- Melhor não duvidar - disse Ruan, rindo junto com ela; num momento, Thalia conteu o riso e o fitou atentamente, mas ele continuou rindo - Eu te deixaria tão desconsertada que você desejaria correr para o lugar mais longe desse mundo.

Thalia sorriu suavemente das palavras do detetive, contudo permaneceu em sigilo; levou as mãos até a frente dele e tocou sua gravata sob o colete, melhorando-a, no que Ruan presenteou-a com um delicado sorriso nos lábios e deixou ela se manifestar.

- Gosto das suas gravatas - disse Thalia, sem olhar no rosto do detetive.

- É? - Ruan baixou o rosto para olhar rapidamente a gravata sendo ajeitada pelas mãos da moça e voltou a vista para ela - Por quê?

- Não sei, só gosto. Acho que todas caem bem em você.

Ruan não pensou em agradecer, apesar de ter achado muita gentileza no que Thalia lhe disse. Ela por sua vez, avançou um passo, no que Ruan sentiu-se impulsionado para colar as costas na árvore e continuava sem nada dizer, não muito diferente de Thalia; as mãos de Thalia já não estavam na gravata, mas faziam um percurso pelo colete de Ruan, onde acharam repouso; ela sentia o hálito de Ruan de tão próximo que estava seu rosto ao dele e ele também podia notar a respiração dela cada vez mais ofegante. Ruan soube o que Thalia pretendia, ela estava mirando em seus lábios e aproximando os dela; iria beijá-lo! E ele estava perdendo a noção de tudo, estava se entregando àquela ânsia que lhe subia a garganta e secava sua boca; não demorou e seu coração se desviou do rítmo normal e acelerou as batidas. Por quê? Por que ele estava querendo tanto aquilo? Por que estava imóvel enquanto faltava tão, mas tão pouco, pouquíssimo para Thalia lhe tocar os lábios secos e banhá-los como as ondas do mar que molham a areia da praia? Estava tão perto... Até que ele teve que virar o rosto e chegou a sentir os lábios de Thalia deslizarem no lado de sua boca, mas nada mais que isso.

- Me desculpe, Thalia, por favor me perdoe - dizia sufocadamente Ruan, que vendo Thalia recuar o rosto e fitá-lo nos olhos, sentiu-se seguro para lhe falar -, mas é que... Lia, eu já tenho namorada.

Thalia retrocedeu um passo a olhar Ruan com demasiado constrangimento e espanto, no que ia se afastando mais e mais dele.

- Oh meu Deus - ela disse envergonhada e pôs a mão contra a boca.

- Não, tudo bem, só...

- Oh meu Deus! - repetiu mais uma vez e saiu correndo dali direto para dentro da mansão.

- Lia! Thalia!

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 07/10/2016
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