~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXXII

Durante todo o trajeto ninguém dentro do automóvel trocou uma única palavra e quando Thalia previa uma possível intenção do detetive de abordar algum assunto ou perguntar-lhe algo, então sim ela se referia ao xofer para apressar um pouco mais, embora a casa da tia de Thalia ficasse àpenas algumas quadras da mansão.

Quando chegaram, o xofer estacionou o carro ali em frente e saiu primeiro para abrir a porta para Ruan e Thalia descerem. Madalena morava numa casa mui bela, de pintura branca, de dois andares e no térreo ficava seu ateliê. Thalia tomou a frente para tocar a campainha e Ruan alcançou-a para aguardar ao seu lado serem recebidos. Não demorou muito e uma mulher de cabelos loiros, poucas sardas nas bochechas e usando roupas de muito bom gosto, abriu a porta e vendo Thalia, expandiu os lábios e abraçou-a carinhosamente.

- Thalia! Minha querida - disse ela, depois do abraço e recuando um pouco a cabeça para observar melhor o rosto da sobrinha.

- Olá, tia - Thalia saudou-a com uma desinteressante reverência.

- Quanto tempo não a via! Estava com saudades!

Thalia apressou-se em obstruir a fala da tia, no que tocou em seus braços e deu uma risada abafada.

- Nossa, não exagere, tia! Ela é muito humorista - disse Thalia ao virar para o lado o rosto e fitar Ruan, isso porque notara como ele achara esquisito ambos os comportamentos. Thalia fez um movimento com a mão para apresentá-lo à tia - Tia, esse é o detetive, do qual te falei, que está passando uns dias lá na mansão.

- Detetive? Você me falou sobre isso? - Madalena indagou, confusa.

- Sim, tia, te falei há algum tempo...

- Ah...

Nisso, Ruan deu um passo à frente e estendeu a mão para poder cumprimentar Madalena, enquanto manteve a outra guardada no bolso da calça.

- Prazer, Ruan Gaspar - ele disse, a mostrar um agradável sorriso.

- O prazer é todo meu - falou Madalena, cumprimentando-o com o toque das mãos - Maria Madalena, ou Mada, como preferir. Passem!

Ela deu espaço para entrarem na casa e alguns passos a mais e já estavam no ateliê. À medida que tia e sobrinha diziam algo a respeito de roupas e tecidos, Ruan passeava a vista por toda a sala, a começar pelas variadas peças de roupa penduradas nas araras, tecidos espalhados em mesinhas, carretéis de linhas e máquinas de costura. Tudo estava tão bem dividido e ao mesmo tempo tão amontoado que parecia difícil para o detetive encontrar uma agulha por ali! Madalena que o viu parado com o olhar perdido, desprezou por um instante a conversa com Thalia para chamar a atenção dele.

- Deseja que eu lhe traga um café com alguns biscoitos, detetive? - perguntou Madalena em alta voz.

- Ele prefere chá - disse em boa hora Thalia e nem percebeu quanto surpreendentes soaram suas palavras; Ruan que separava os lábios para ainda responder, porém sendo que Thalia já adiantara em fazê-lo por ele, girou o corpo e olhou-a de uma maneira distinta, pode-se dizer que ficou encantado pela moça ter reparado e guardado seus gostos, mesmo que disesse respeito àpenas um chá.

- Realmente - disse Ruan, mirando Thalia -, se não for muita exigência de minha parte, eu gostaria de um chá. Mas se não tiver, tudo bem, não tem problema...!

- Sim, sim, eu também prefiro chá! - contou Madalena - E sempre faço uma boa quantia. Hortelã ou camomila?

- Camomila - ele respondeu num tom tão manhoso que pareceu um menino que dizia à mãe qual torta queria dessa vez.

- Está bem. Se quiser se sentar enquanto busco o chá na cozinha, sinta-se à vontade para o fazer - ela disse quando já tinha girado os ombros para ir ao outro cômodo. Thalia a seguiu.

- Obrigado! - falou Ruan, ficando sozinho no ateliê.

Havia uma ou mais poltronas ali, mas Ruan não quis se sentar, no lugar disso permaneceu de pé a analisar o ambiente; ora quando seus olhos bateram na outra poltrona, ele viu que Thalia havia deixado sobre ela sua bolsa e, discretamente, andou até ela, olhou uma vez para frente para saber se alguém o via e, vendo que não, abriu o zíper da bolsa e começou a mexer nos pertences de Thalia, até conseguir o que queria, a fotografia que ela tinha pedido para a irmã Celina pegar escondida em seu escritório. Ruan guardou-a em seu bolso, fechou o zíper da bolsa e recolocou-a na poltrona; andou dissimuladamente até a arara e começou a admirar as peças de roupa, até que Madalena e Thalia voltaram ao atelié.

- Aqui está seu chá de camomila, detetive - disse Madalena, oferecendo a xícara de chá a Ruan.

- Muito obrigado - ele agradeceu com muita satisfação e experimentou o chá.

E o resto do tempo que passaram ali foi de conversas e Madalena também mostrou algumas roupas que costurou e que tinha para Thalia.

~*~

Dentro do xofer, na volta para a mansão, antes do horário de almoço, Ruan resistiu ficar em silêncio por um curto período de tempo que esteve com o olhar fixo no semblante perturbardo de Thalia, em como fitava a janela com ar de aborrecimento e desprezava Ruan ao seu lado no banco.

- Sua tia me pareceu bastante surpresa com sua visita - dizia Ruan, sem desviar a atenção dela - Parecia até que ela não te via a algum tempo.

- Eu já disse que ela é bem humorista - ressaltou Thalia, girando o rosto para Ruan e em seu olhar havia uma mistura de sentimentos, insegurança e chateação.

- Sim, disse - ele confirmou, ao passo que colocava o cotovelo sobre o suporte da janela aberta do seu lado e tocava os dedos da mão no lado da testa, descansando nessa posição.

Ao chegarem de volta na mansão e descerem do carro, Thalia alongou a perna para dar um passo apressado, porém Ruan envolveu a mão em seu antebraço e a conteu, fazendo-a ligeiramente girar a cabeça e mirá-lo desintendidamente.

- Obrigado por deixar-me acompanhá-la - disse Ruan, cuidadoso em não parecer agressivo com aquela atitude e mostrando um sorriso amigável.

Todavia, Thalia nada disse, só livrou o braço, com calma, da mão de Ruan e deu-lhe as costas para adentrar na mansão. Ruan com certeza não almejava aquele ato tão gélido como uma resposta às suas palavras de gratidão, queria ter ouvido alguma coisa, uma única palavra, ou até mesmo um gesto! Ao menos ele confirmou sua impressão: sua companhia não agradara em nada Thalia.

No período da tarde, enquanto o detetive estava só, a meditar no sofá do grande salão, Thiago desceu a escada com alguns livros na mão na medida da coxa e por Ruan estar o mirando naquele instante, teve que fazer um movimento com a cabeça para cumprimentá-lo de longe e assim entrar no corredor direito ao lado da escada e ir direto ao porão. Entretanto, percebeu Ruan que o rapaz tinha deixado um papel cair de dentro de algum livro, então se apressou em caminhar até a escada para apanhar o papel e levar a Thiago, contudo, quando observou o que havia escrito estranhou e decidiu não chamar Thiago.

- La Ronde des Lutins, de Antonio Bazzini - ele leu e, levando os olhos mais abaixo, viu escritas notas musicais e nisso franziu a testa - Ótima música, mas... Por que Thiago precisaria disso em seus estudos?

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 29/09/2016
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