~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXXI

No finalzinho da tarde daquela terça-feira, quando o céu mudava de cor, uma mescla de rosa com laranja no horizonte, e um sol que se despedia lentamente, o detetive Ruan Gaspar desfrutou daquele harmônico momento para apreciar pelo grande janelão aberto do salão principal essa transformação, o que lhe transmitia uma sensação muito prazerosa e espiritualista. Até que seu celular vibrou no bolso da calça, então pôs a mão e o pegou; ao ver o nome na tela de quem efetuava a ligação, um sorriso surgiu nos lábios e sem demora atendeu.

Enquanto Ruan se encontrava de frente para o janelão, demasiado entretedido ao celular, uma vez trocando conversas e rindo como um garoto bobo, alguém descia a escada com total cautela e entrava no corredor esquerdo, indo diretamente ao escritório de Ruan. Obviamente a porta estava fechada, mas isso não foi problema para quem conseguiu uma cópia da chave. Então abriu a porta e agilisou-se em revirar as gavetas e papéis da escrivaninha e os livros da estante, como se procurasse por algo e o achou! Entre as páginas do caderno do detetive pôsto encima da escrivaninha. Todavia, quando dava a volta para sair rapidamente dali, viu Ruan parado na frente da porta a lhe fitar com intriga.

- Celina? - Ruan olhou para a menina com a testa franzida e notou como ela havia empalidecido com a surpresa de sua presença ali, embora ele estivesse bem mais surpreso - Princesa, o que faz aqui?

- Eu? - Celina mantinha as mãos para trás e mordia os lábios de tanto nervosismo - Nada.

- Hhm... E o que está escondendo aí atrás?

- Atrás? Atrás de onde?

- Vamos, princesa, mostre para mim - pediu Ruan num tom mais autoritário, fazendo um gesto com a mão para que a menina lhe passasse o que estava escondedo.

- Está bem - disse ela, soprando um ar de rendição, e entregou na mão de Ruan a fotografia da Sra. Eloíse com o músico.

- Celina, por que pegou isso? - ele indagou, após olhar a foto na palma de sua mão.

- Me pediram para pegá-la! - ela disse apressadamente, no intuito de se defender.

- Quem?

- Eu não posso dizer...

Ruan observou por poucos segundos a menina baixar o rosto e, deitando a frente do corpo sobre a escrivaninha, ele alcançou a segunda gaveta, de onde retirou uma caixa de papelão com alguns bombons e se voltou para Celina.

- Nem por um chocolate? - perguntou Ruan, oferecendo o doce a ela e obtendo um rápido consentimento.

- Foi a Lia - contou Celina, com os olhos cheios de brilho ao pegar o doce.

- Lia? Sua irmã Thalia? - ele mostrou-se estupefato, contudo a criança não soube especificar qual era o sentimento que estava carregado na face dele, pois era só uma criança que amava doces.

- Sim - ela meneou positivamente a cabeça e guardou o bombom no bolso de seu vestido.

- E para que ela queria a foto?

- Eu não sei bem - dizia Celina, coçando a cabeça - Acho que é porque ela não quer que você fique com a foto.

- Ah - Ruan não estava convencido da resposta, porém não culpou Celina, pois que entenderia uma menina tão pequena e ingênua acerca dos mistérios de sua irmã? Se para ele já era tão difícil!

- Então vai me dar a foto? - perguntou ela.

- Sim, leve para sua irmã - entregou inusitadamente a fotografia à menina e flexionou os joelhos de modo que conseguiu se aproximar da estatura dela - Mas não diga à ela que eu te vi aqui e nem que te entreguei a foto.

- E por que direi isso? - ela cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha ao perguntar.

- Porque eu vou te dar mais um chocolate - disse Ruan, tirando outro doce da caixa e dando à menia que prontamente reanimou-se. Ruan segurou o rosto da pequena para lhe tomar a atenção - Promete que não vai contar?

- Prometo! - exclamou Celina e saiu saltitando do escritório com o doce na mão.

Por precaução, Ruan seguiu-a até o andar de cima, onde estava Thalia a esperá-la, mas Ruan não se revelou, uma vez que ficou nos primeiros degraus de cima da escada a espionar as duas.

- Muito bem, Celina! - dizia Thalia, mostrando um caristmático sorriso para a irmã e pegando a fotografia da mão dela - Ele não te viu, viu?

Celinou meneou negativamente a cabeça e Ruan respirou aliviado pela menina preservar o segredo entre eles.

- Aqui está sua recompensa - disse ainda Thalia a entregar à irmã pequena um chocolate e deu de ombros, caminhando até seu quarto enquanto olhava para a fotografia em suas mãos com muita satisfação.

- Legal! Três bombons! - disse Celina, unindo os doces nas palmas das mãos e indo para o quarto.

~*~

Passou-se a terça-feira num piscar de olhos e o dia que sucedeu começou cedo para Ruan, que procurou por Thalia por toda a mansão e teve a sorte de encontrá-la ainda perto dos portões, a ponto de sair com o xofer. Ruan correu até ela.

- Senhorita Thalia, espere! - ele gritou, e alcançou-a.

- Desculpe, detetive, mas estou indo ver minha tia Madalena nesse momento - Thalia disse, ao passo que virava o rosto para fitá-lo e o xofer segurava a porta do carro para ela.

- Ótimo! Pois desejo acompanhá-la.

- Me acompanhar? - ela mostrou-se incomodada com a ideia, à medida que dobrava as sobrancelhas ao indagar.

- Por que as pessoas sempre têm que ressaltar o que digo com tanto assombro? - ao falar, Ruan levantou o rosto e olhou de um lado a outro o céu; soprou um ar de insatisfação e fez movimentos com as mãos para melhor se expressar - Por que não podem simplismente concordar?

- E por que tem interesse em me acompanhar? - questionou Thalia, fazendo como não tivesse ouvido nenhuma daquelas últimas palavras do detetive, ou não lhe fossem necessariamente dígnas de um terço de sua atenção.

- Só gostaria de conhecer essa tia que você parece tanto gostar e que tanto visita.

- Não está desconfiando dela agora, está? - ela cruzou os braços e o olhou com intriga.

- Não, de maneira alguma! Só quero conhecê-la - ele afirmou, retraindo os ombros - Será que é tão difícil confiar em minha palavra?

- Você desconfia de todo mundo, por que deve ser dígno de minha confiança?

- Só estou almejando te acompanhar - ressaltou Ruan, espremendo o olhar e com um suave, quase inotável meneio da cabeça de um lado para o outro -, o que há de tão grave nisso?

- Bom... - Thalia deixou o olhar bater no chão por um curto momento em que refletia, para retroceder a mira em Ruan e dizer-lhe - É que não creio que lá haja alguma coisa que te acomode, somente coisas de mulheres... E mulheres!

- Não me parece um problema e em nada me é incômodo - ele sacudiu os ombros - Então? Posso acompanhá-la? Prometo que me comportarei como um bom menino.

Thalia puxou um tanto de ar ao separar os lábios pensando em uma vez mais revidar, todavia aquele olhar marcante que estava sobre ela naquele momento calou todas as suas palavras e não teve outra escolha, senão concordar e aceitar a companhia do detetive. Assim, os dois entraram no carro e o xofer fechou a porta para eles, dando a volta no automóvel e sentando-se ao volante.

- Hudson, nos leve para a casa de minha tia Madalena - disse Thalia, ao inclinar-se no banco de trás para aproximar o rosto ao xofer; ao mencionar a tia, Thalia fez com tanta expressividade e clareza que Ruan estranhou. Era como se ela precisasse deixar o xofer bem sabido de que tia ela falava - Entendeu? Minha tia Madalena.

- Sim, senhorita Thalia - disse o xofer, respondendo ao olhar enigmático da moça e olhando para o detetive antes de atentar o rosto ao vidro da frente do carro.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 27/09/2016
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