~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXVI

A verdadeira ânsia de Thalia era tentar qualquer coisa para não ter que tolerar aquela entrevista, no entanto acabou encerradas as brincadeiras e foi obrigada a acompanhar o clima mais sério que tomou conta tanto da sala quanto do cenho do detetive. Não era mais uma boa zona para montar um circo. Nisso, Ruan pregou a vista em Thalia para iniciar as perguntas obrigatórias em suas entrevistas.

- Me diga seu nome completo e sua idade - disse ele, se adiantando em abrir o caderno e puxar a caneta.

- Thalia da Silva Arantes. 21 anos - ela respondeu.

Ruan balançou a cabeça como um gesto de consentimento e anotou as informações. Volta e meia já estava encarando Thalia outra vez; elevou as duas mãos para deixá-las embaixo do queixo e manteve os cotovelos encima do móvel.

- Vamos ver... O que eu te pergunto primeiro? - dizia ele, franzindo os lábios e Thalia esteve atenta à essa expressão, não só como ele parecia tentar amedrontá-la, também como mergulhava em seus olhos tal e como um pirata na caça de um tesouro no fundo do mar - O por que das suas visitas constantes à sua tia, ou sobre o que você e o xofer falavam no salão de janta, quando ele disse: "nunca devíamos ter concordado com isso!"?

Do mesmo modo que Ruan previu foi a reação de Thalia e não muita distinta da de Hudson, quando essa mesma questão foi posta. A única diferença era que Thalia não sabia no mínimo dissimular sua inquietude. Ruan notou como sua respiração acelerava, como seus membros ficaram imóveis e que os olhos estavam espantados.

- Quer que eu refaça a pergunta? - Ruan sugeriu em razão do longo silêncio da parte de Thalia.

- Me desculpe, mas não sei do que você está falando - a voz de Thalia pareceu sair de um afogamento, de tão sufocada que soou - Não lembro de ter tido essa conversa com quem quer que seja.

- Não? Pois bem - ele deitou os braços na escrivaninha e começou a brincar com a caneta -, deixe-me refrescar sua memória... Ontem, um sábado, mais ou menos às dez da noite, depois de sua mãe dizer ter visto um fantasma na janela, eu vi a senhorita entrar com o xofer no salão de janta e ao espionar pela brecha da porta, ouvi ele dizer que vocês nunca deviam ter concordado com aquilo. Então, lembra agora?

- Ah... Sim, lembro - respondeu com um curto intervalo entre as palavras.

- E a que ele se referia?

- Ao fato de meu pai resolver trazer para cá as coisas de minha avó. Pensamos que talvez fosse isso que tivesse aborrecido seu espírito e que por isso ela veio nos assombrar.

- Olha... - Ruan olhou para seu relógio de pulso e voltou o rosto para Thalia - Você até que foi rápida para quem precisou elaborar uma justificativa de última hora.

- Estou falando a verdade! - exclamou Thalia, com uma expressão de despero.

- Já disseram que você mente muito mal? - ele questionou, mostrando um sorriso ultrajante e fazendo Thalia se encostar na cadeira como quem fôra vencido - Vamos lá, senhorita Thalia, sei que pode fazer melhor que isso...

Ruan se colocou de pé, rodeou o móvel e caminhou para trás de Thalia, pondo as mãos nos ombros da cadeira em que ela estava sentada e dobrando a coluna para assim lhe falar mais perto.

- Me diga, Thalia - ele mirava a estante de livros enquanto falava -, qual é o seu segredo, anh? Eu sei que esconde algo, não pode negá-lo. Por que quem foge teme.

Thalia ficou emudecida, mas suas mãos deitadas nas pernas se contorciam e suavam; só o que a felicitou naquele instante foi Ruan não está em sua frente para notar o medo em seus olhos, todavia a voz que saía dos lábios do detetive lhe arrepiava a nuca como um vento frio varrendo o campo.

- Então, o que tem a me dizer? - persistia Ruan, que retirou as mãos da cadeira e as pôs para trás.

- Nada - finalmente ela se manifestou; virou um pouco o rosto para o lado para dizê-lo - Não tenho nada a te dizer.

Com essa resposta, Ruan consertou a postura e tirou do bolso a fotografia que esteve mostrando a seus entrevistados, se encostou na escrivaninha de modo que ficou bem ao lado de Thalia e pôde olhá-la de frente.

- Me fale sobre eles - pediu Ruan, estendendo a fotografia para ela.

- Onde você conseguiu essa foto? - indagou Thalia, com demasiada surpresa, e com certeza aquela pergunta não era o que Ruan esperava ouvir, pôsto que quando ela tentou pegar a foto ele hesitou em entregá-la.

- Isso não vem ao caso - disse Ruan, com os olhos fitos na aparência espantada de Thalia, porém, deixou-a segurar a foto - Me fale de sua avó.

- É, digo, era maravilhosa - ela olhou rapidamente para Ruan quando fez a correção e claro, não passara despercebido por ele. Voltou a contemplar a foto com tanta vontade e empolgação que levou Ruan a desconfiar - É uma fotografia rara...

Sob essa afirmação, o detetive franziu a testa e junto com Thalia observou a fotografia, mais atento ao que pudesse revelar a raridade a qual Thalia mencionava.

- E... Por que você guarda essa foto? - perguntou Thalia, com os ombros retraídos; Ruan que já estava intrigado com as atitudes dela, esteve mais ainda com essa nova pergunta.

- É impressão minha ou você se interessou mais pela fotografia que pela imagem nela? - indagou Ruan após um curto instante de silêncio que precisou para meditar acerca do que ouviu da moça.

- Não, é só que... Eles formam um casal tão lindo, não acha? - disse ela mudando subitamente de tema.

Sem mais, nem menos, Ruan recolheu educadamente a fotografia das mãos de Thalia e colocou-a encima da escrivaninha; novamente ele se posicionou atrás da cadeira da entrevistada e inclinou a coluna, chegando com o rosto bem próximo ao ouvido direito de Thalia.

- Vou te dar mais uma chance de me contar o que esconde aí dentro, senhorita Thalia - murmurou Ruan - Sinto que há um segredo em seu coração, ou mais que um, talvez. Vamos, se abra comigo, sem medo! Quanto mais cedo revelar, melhor será para você.

Ele deu um certo tempo em sigilo para ouvir uma resposta, contudo os minutos se prolongaram e não a obteve; isso deixou-o desapontado, sem dúvida, e nada mais pôde fazer se não encerrar a entrevista.

- A entrevista está terminada - ele enunciou, enquanto de pé pelas costas de Thalia;

Nisso, Thalia se levantou da cadeira e girou o corpo para se retirar, mas quando passava por Ruan ele segurou-a pelo pulso e obstruiu sua saída.

- Deve pensar que estou satisfeito, mas saiba, senhorita Thalia, que o fato de você me negar suas respostas e se manter em absurdo sigilo só me faz acreditar cada vez mais que devo suspeitar de você - dizia Ruan, à medida que Thalia o fitava de lado, imóvel e apreensiva com a maneira que as palavras dele inflamavam em seu peito e o toque de sua mão presa em seu pulso que lhe causava uma sensação desconhecida. Mas nada disso foi tão intimidador quanto o fato de Ruan aproximar seu corpo ao dela, apenas pouquíssimos centímetros de distância havendo entre eles, no que ela pôde até sentir seu hálito; ele encostou o rosto em seu ouvido para sussurrar-lhe - E outra coisa, senhorita Thalia... Seu silêncio não dificulta em nada.

Ruan se afastou dela e andou até a porta, abrindo-a e fazendo um gesto com a mão para que Thalia passasse.

- Obrigado por ter me dedicado seu tempo - ele disse quando ela cruzava a porta e em troca disso ela, só consentiu e se foi.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 20/09/2016
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