~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXIV
Um passeio pelos jardins da mansão e alguns minutos contemplando as simples coisas que faziam parte de todo o cenário, antes de começar a garoar, foi o necessário para o detetive Ruan Gaspar retomar o ar e voltar a seu solitário escritório. Esteve avaliando as informações obtidas nas entrevistas executadas desde o dia em que chegou na mansão e virava e revirava páginas como um menino fascinado pelas ilustrações de um livro infantil. Não se distraía um só minuto e por essa razão não percebeu quando uma pequena menina de uniforme escolar entrou na sala e ocupou a cadeira à sua frente, ficando com os pés fora do alcance do chão. Ruan levantou o rosto para fitar a criança e não podia negar que sua presença ali lhe havia surpreendido.
- Oi - disse a menina, esbojando um vasto sorriso e balançando as pernas num rítmo combinado.
- Olá, senhorita... - Ruan buscou na página do caderno as primeiras anotações acerca dos que viviam na mansão para relembrar o nome da menina e saudá-la em correto; o fez logo que tirou a vista da folha e com um sorriso amoroso que cabia somente a uma criança tão ingênua - Celina.
- Você pode me entrevistar?
- Te... Entrevistar?
- Vai, por favor! Por favor! Por favor! - ela pulava na cadeira sem parar enquanto segurava firme nos braços do objeto.
- Está bem, está bem! - Ruan fez gestos com as mãos implorando para que a menina se aquietasse no assento.
- Legal! - Celina conteu mais pulos e só manteve o sorriso nos lábios.
- Mas antes, preciso preparar as perguntas - ele fez movimentos para engraçar a menina e buscou uma página em seu caderno para fingir que realmente tinha as perguntas para fazê-la - Aqui está. Onde a senhorita estava na noite do dia cinco de agosto no ano de dois mil e cinco, quando o assalto ao Banco Central do Brasil, da cidade de Fortaleza, começou a ser executado?
A menina mostrou uma expressão de intriga na qual o detetive achou graça, embora já esperasse essa reação da parte de Celina. Mas antes que ela pudesse implicar, ouviram passos de salto batendo no piso ora com mais pressa, ora com menos pressa e uma voz familiar que soava doce.
- Celina? - a voz disse na primeira vez que parecia se aproximar do escritório.
Ruan estava com a vista voltada para a porta, quando Thalia passou pelo escritório e recuou lentamente ao ter a impressão de ter visto a pequena silhueta da irmã dentro da sala.
- Celina? - Thalia franziu a testa ao encontrar a irmã ali e não pôde evitar de lançar um breve olhar a Ruan para adentrar na sala e se acercar de sua irmã - O que faz aqui?
- Oi, Lia! O detetive estava me entrevistando - a menina explicou com o rosto levantado para fitar a irmã ao seu lado.
Thalia jogou o olhar para Ruan na escrivaninha e este encolheu os ombros ao receber aquela avaliável atenção.
- Ela insistiu! - ele disse, com sinais de um sorriso no lado dos lábios que Thalia desprezou.
- Celina, as entrevistas só são para os adultos e você é só uma criança - falou Thalia, dobrando os joelhos para se manter em uma altura igual a de sua irmã e falar-lhe na frente do rosto com uma voz adorável.
- Por que as crianças nunca podem fazer nada, Lia? - a menina bateu o pé no chão com furor, ao passo que também cruzava os braços na altura do peito e olhava aborrecidamente para sua irmã maior.
Ruan deu uma curta risada do comportamento da menina, à medida que se ponhava de pé e rodeava a escrivaninha para se aproximar delas. Thalia dobrou o pescoço para fitá-lo atrás e retomou a postura ereta, girando o corpo para ele.
- Me desculpe - disse ela, com a sombra de um sorriso tímido.
- Está tudo bem - falou Ruan, a menos de dois palmos de distância de Thalia - Eu até estava gostando de entrevistar sua irmã. Seria bom se todos se disponibilizassem à serem entrevistados assim como ela.
Ruan gostou do impacto que essas palavras causaram a Thalia, em razão de querer deveras desconsertá-la e quiça convencê-la a de uma vez por todas deixá-lo a entrevistar. No entanto Thalia recusou-se a ceder e pegou na mão da irmã para assim fugir do olhar de Ruan e daquela sala.
- Tenho uns vestidos lindos que desenhei para te mostrar - dizia ela, com o rosto baixo para fitar Celina, enquanto a menina tinha a cabeça elevada e os olhos cheios de brilho ao receber a novidade. Celina amava vestir o que Thalia desenhava para ela, porquanto admirava o talento da irmã em criar um modelo mais explendoroso que o outro e quando almejava algo de seu próprio gosto era só pedir que Thalia fazia exatamente do mesmo jeito.
- Falando em entrevista - Ruan segurou no braço de Thalia e notou o pequeno sobressalto que esse contato resultou na moça; ela girou o rosto para ele e esperou para ouvir o que lhe almeja dizer -, eu poderia entrevistá-la agora...
- Agora? Não... - com a delicadeza de seus dedos ela retirou a mão de Ruan de seu braço e buscou a de sua irmã, mas era óbvio que ela já havia corrido para algum lugar - O almoço logo será servido e também tenho que mostrar uns vestidos para...
- Quem sabe mais tarde - Ruan tomou a vez, a interrompê-la de terminar a dizer o que ele já sabia e não lhe interessava ouvir outra vez.
Thalia não respondeu nem com um "sim" nem com um "não", apenas soprou um ar de expiração e pediu licença ao detetive, uma vez que deu de ombros e refez o caminho do corredor. Por mais enfastiado que Ruan estivesse, ele já esperava que Thalia fosse reagir de tal forma e por essa razão deixou-a ir; entretanto, sabia que mais cedo ou mais tarde ela teria que comparecer à entrevista.
~*~
Na tarde daquele mesmo Domingo chuvoso, Thalia chamou a irmã para seu quarto com o propósito de lhe mostrar os vestidos que havia desenhado para ela e se sentaram sobre a cama. Num instante de distração, Celina deixou os desenhos um pouco de lado para mudar subitamente de tema.
- Lia, o detetive já te entrevistou? - perguntou a menina, com os olhos fitos no rosto da irmã, que nesse momento soltou as folhas desenhadas para observá-la.
- Não - respondeu Thalia, tentando parecer o mais neutro que pudesse o tom da voz - e também não o anseio nem um pouco.
- Por quê? Você não gosta do detetive?
- Não é isso...
Thalia se pôs de pé e caminhou até a janela, mas Celina continuou sentada na cama a acompanhar a irmã com a vista.
- Mas aquela mania que ele tem de desconfiar de tudo... - Thalia foi explicando, ao passo que se mantinha de costas para Celina e fazia movimentos com as mãos - Sabe? "por que você faz isso?" "por que faz aquilo?" "o que tem ali?" "o que tem aqui?"
A menina Celina começou a dar gargalhadas das interpretações da irmã, o que a estimulou a fazê-la rir muito mais. Todavia não sabiam elas, mas Ruan estava por trás da porta a espioná-las.
- Você sempre mistura leite ao café? - Thalia continuou imitando o detetive e até mudara o tom da voz para melhor parecer com ele, enquanto Celina caía na cama de tanto rir -podemos começar a entrevista? Espere! Antes, preciso passar creme nas minhas mãozinhas de moça...
Nesse instante Ruan olhou para suas mãos e franziu o cenho. Sim, ele usava creme para as mãos, porquanto passava muitas horas escrevendo e fazendo anotações e isso resultava num certo desconforto! Mas em questão de ter mãos de moça...
- Porque você sabe, não é? - Thalia não parou com a brincadeira - Eu sou muuuito vaido...
De repente, ao virar-se, ela viu Ruan de frente à porta a fitá-la com seriedade e um frio correu por todo o seu corpo como se recebesse uma descarga elétrica, no que rapidamente se calou.
- Hanhan - Ruan entrecerrou os olhos e inclinou um pouco para o lado o rosto ao dar a pequena risada - Que engraçadinha...
~*Continua...