~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXIII

- Qual é mesmo o seu nome? - o detetive perguntou.

- Hudson - respondeu o xofer - Hudson Manoel Custódio dos Santos.

- E sua idade? - perguntava ao passo que ainda anotava o nome.

- 47 anos.

Após as anotações, Ruan deitou a caneta encima do caderno aberto e pôs os cotovelos sobre a escrivaninha, tocando as pontas dos dedos de uma mão com as pontas dos dedos da outra.

- Para adiantarmos a entrevista, vou ser bem direto - dizia Ruan, encarando o xofer - O que você quis dizer com: "nunca devíamos ter concordado com isso!"?

Nesse instante, o cenho do xofer paralisou, seus olhos não se moviam, nem suas sobrancelhas dobravam, somente a voz reagiu pouco depois.

- Não sei do que está falando - ele disse, num tom abafado e inseguro.

- Ah, não sabe? - Ruan moveu a cabeça para o lado, deixou o olhar cair sobre o ombro e deu uma risada debochada antes de reencarar o xofer com os olhos espremidos - Então eu inventei tudo isso?

- Pode ser.

- Está dizendo que sou mentiroso? - se inclinou para frente e ergueu uma das sobrancelhas ao indagar.

- Não foi o que eu disse - falou o xofer, ajeitando a luva branca na mão direita, sem olhar para o detetive.

- Hudson, eu ouvi você conversar com a senhorita Thalia na sala de janta e tenho bem gravadas cada uma das palavras que saíram de sua boca. Pelo menos as que consegui ouvir - jogou o olhar para o lado ao sentir que não foi a maneira mais inteligente de se defender.

- Exatamente, o que você conseguiu ouvir! Se tivesse ouvido toda a conversa saberia que a senhorita Thalia e eu tratávamos da ideia de você ter retirado as câmeras.

- E por que isso agora?

- Porque se as câmeras estivessem ainda instaladas, quiçá pudessem flagrar o que a senhora Beatriz Arantes disse ser um fantasma.

- Insinua que ela mentiu? - a frase soou mais como uma afirmação que uma interrogação.

- Não... Somente que faltou com a verdade - disse com um tom de bizarria.

- Não sei... Não me parece muito convincente sua justificação.

- Acredite se quiser, eu não trabalho para você mesmo.

Sob essas palavras, Ruan sentiu uma sensação esquisita de gozo e irritação e para conter esses sentimentos e evitar quaisquer consequências, adiantou-se em puxar a gaveta da escrivaninha e retirar a fotografia da Sra. Eloise e de seu companheiro Wagner.

- Os conhece? - deitou a fotografia no móvel de madeira e com as pontas dos dedos deslizou-a até a frente de Hudson.

Ao baixar os olhos e se deparar com a imagem de uma daquelas pessoas, Hudson quase deixou um sorriso escapar de seus lábios, todavia o conteu, mas seus olhos não se apartaram da fotografia, ou de metade dela.

- Senhora Eloise - ele disse num tom tão baixo que o detetive precisou se inclinar mais para frente para compreender.

- A conhecia? - Ruan interrogou-o, ao passo que estudava os traços no cenho de Hudson.

- Sim - a pronúncia foi prolongada, como se quisesse mostrar que de fato conhecia a falecida; porém ao se dar conta do efeito que isso provocou no detetive, sacudiu de um lado a outro a cabeça e se corrigiu - Digo, não! Não a conheci.

- Tem certeza? Pois não é bem o que dizem seus olhos de homem... Apaixonado - fez uma rápida análise dos olhos do xofer antes de terminar essa afirmação.

- Que-que ridículo - deu um pequeno salto da cadeira para mostrar a sua surpresa e uma risada tão incabível que se perdeu no ar - A senhora Eloise já deve ter seus sessenta e tantos anos! E eu...

- Deve ter? - ressaltou Ruan, totalmente escasso de graça e incompreendido. Suas sobrancelhas estavam tão impulsionadas que quase se encontravam.

- É - afirmou Hudson sem perder o sorriso que esbojava. Foi preciso que ele notasse o modo como o detetive o fitava e retroceder em memória das palavras que disse para entender onde havia errado, embora já fosse um pouco tarde - Deve? Eu disse deve? Não, devia ter! Devia ter uns sessenta... Acho que ela ainda não estava com sessenta...

Ruan estava tão intrigado com as desconsertadas explicações que Hudson dava e do modo atrapalhado como atropelava as palavras, que fez alguns minutos de silêncio somente para observá-lo. Hudson também tinha se calado e agradeceu em pensamento quando Ruan retomou a conversa e desviou a vista para fixá-la na foto sobre a escrivaninha.

- Conheceu ele? - indagou Ruan, pondo o dedo indicativo sobre o homem na foto.

- Não - respondeu Hudson e dessa vez não se achou graça em nada em sua face. Mas seus olhos não estiveram mais de cinco míseros segundos naquela silhueta masculina vestida com aquele impecável terno de risca de gíz.

- E mesmo assim o contempla com tanta repulsa? - levantou uma sobrancelha ao falar.

- Repulsa? Não - disse em controvérsia, embora não aparentasse estar sendo sincero, nem para com o detetive, nem para consigo - Formavam um belo casal.

- Sem sombra de dúvida.

- Já posso ir? Não quero deixar meu senhor me esperando - olhou no relógio de pulso a hora que era, menosprezando a última frase do detetive.

- Está bem, pode ir - Ruan recolheu a foto e fechou seu caderno de notas.

Hudson se levantou e saiu da sala, mas sem perceber que Ruan logo depois também saiu. Passando pela porta de entrada da mansão, Hudson viu o jardineiro parado no meio do jardim, a coçar a cabeça e olhar de um lado a outro.

- Algum problema, Jacó? - perguntou Hudson, dando três passos em frente.

- Nada de grave, só estou procurando a escada - dizia o jardineiro com a testa franzida - Lembro de tê-la deixado no lugar de sempre, na sala de materiais de limpeza, mas já não estava lá quando verifiquei agora há pouco...

Hudson não disse nada mais acerca disso, só fez apertar os lábios e encolher os ombros, como se alguma coisa lhe pesasse. Jacó fez um rodeio na mansão e apareceu com a escada de volta até onde estava Hudson, este outro pareceu demasiado desconfortável.

- Encontrei - disse Jacó, satisfeito - Estranho, ela estava deitada entre os arbustos atrás da mansão. Como será que foi parar lá?

- Talvez alguém tenha a usado para alguma coisa, que não seja eu quem arrisque a dizer, e por desplicência esqueceu de guardá-la de volta em seu lugar - falou Ruan, que a todo esse tempo estava por trás da porta e surgiu com toda indiscrição. Já esperava o impacto que essas palavras causariam em Hudson, esteve certo ao reparar em sua expressão desconsertada, certo e favorecido.

Ruan havia pensado acerca da possibilidade da aparição na janela do quarto dos senhores Arantes ter sido uma armação e como teriam conseguido. O quarto ficava no andar de cima, então precisariam de algo para alcançar a janela. Quem sabe... Uma escada.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 17/09/2016
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