~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXII
Na mesa, o detetive Ruan Gaspar e o Sr. Arantes prosseguiam com a conversa...
- E a Sra. Beatriz, recuperou-se? - perguntou Ruan, voltando o rosto para o Sr. Arantes ao seu lado.
- Sim. Demorou um pouco para conseguir voltar a dormir - ele contava, terminando o seu café - Mas em compensação, dorme até agora.
- Que bom - mostrou um curto sorriso só para bem receber aquela informação - Eu te disse, era só retirar as câmeras e tudo passaria a acontecer.
- Não entendo - franziu a testa e fixou a vista em Ruan - a que se refere?
- Ao fantasma - fez gestos com as mãos para ser mais claro - Para mim, sua mulher não viu exatamente um fantasma...
- É, eu também acho! - movimentou a cabeça para deixar explícita sua indignação - A minha mulher é uma maluca, fica inventando essas coisas e ainda coloca minha mãe no...
- Não, não quis dizer que sua mulher inventou tudo aquilo - disse Ruan, cortando apressadamente a fala do Sr. Arantes - Acredito no que ela disse, mas só penso que o que ela viu não se trata realmente de um fantasma. Em verdade, me pareceu bem real para apenas um fantasma.
- Agora estou num todo confuso - coçou a nuca e pausou a voz, enquanto a cozinheira Maria reaparecia no salão e servia o detetive. Esperou ela sair para continuar - Acha que alguém armou aquilo? Mas, quem teria tal ousadia de assustar assim minha esposa? É certo que ela seja uma chata, porém... Bem, isso já não me importa, pois tenho pressa é em saber quem sumiu com as coisas de minha mãe.
- Mas sabe que começo a pensar que tudo está relacionado a tudo? - falou Ruan, deixando o olhar apreciar as deliciosas iguarias à sua frente e elevando a xicara até a altura do nariz, para respirar o aroma da bebida e ficou satisfeito por ser chá de camomila.
- Tudo está relacionado a tudo? - repetiu o Sr. Arantes, com um olhar de confusão para o detetive - Pode ser mais claro? Não suporto esses inígmas.
Ruan pausou a xícara diante dos lábios franzidos, somente para virar o rosto e olhar para a expressão turva daquele homem. Estava cada vez mais convencido de que o Sr. Arantes aparentava a princípio ser um homem de muito conhecimento e raciocínio, no entanto não o era, senão um homem atormentado por seus pensamentos e sem ideias, nem imaginação! Era como se não se desse ao trabalho de compreender uma questão incomum, um tipo de pessoa que amava os caminhos mais fáceis, que preferia colorir livremente desenhos a montar quebra-cabeças.
- Não se preocupe com nada - disse por fim Ruan, depois de beber um pouco do chá e repousar a xícara sobre o pires de porcelana na mesa - Estou aqui para desvendar o mistério, não?
- Sim, mas...
- Algo mais tem desaparecido?
- Para minha felicidade não - respondeu o Sr. Arantes com um ar de paz ao subir o peito - Mas almejo recuperar tudo o que desapareceu!
- Então seja paciente, pois acredito que logo logo tudo será resolvido e recuperado.
- Tomara - o tom da voz soou abafado, no que chamou a atenção do detetive, a pensar que teria sido uma advertência.
- E sua filha Thalia, já se levantou? - Ruan perguntou, depois de experimentar um pedaço do bolo de cenoura e aprovar com uma expressão de prazer.
- Sim e já bem cedo. Foi à casa de sua tia Madalena.
- Outra vez? - falou como se não tivesse lhe agradado a informação e franziu o cenho.
- Eu te disse, ela se apegou à tia.
- E o xofer?
- Não não, só à tia.
- Pergunto se ele está por aqui - explicou Ruan, com mostras de graça.
- A-ah! - o Sr. Arantes riu, embora não tivesse lhe divertido o engano, ele nunca gostava de ser motivo de piadas, ainda que não fosse a intenção do detetive divertir-se com aquilo - Sim, ele está lá fora. Por quê?
- Preciso falar com ele - Ruan fez um movimento com o braço para ajustar a manga da camisa que caía até o pulso e repartiu mais um pedaço da fatia de bolo em seu prato.
- Só sairei daqui a uma hora - afirmou o Sr. Arantes, verificando a hora no relógio de pulso - Então terá tempo para tratar com ele.
Ruan apenas consentiu, porquanto estava de boca cheia.
~*~
O xofer da família Arantes estava a conversar descontraidamente com o jardineiro Jacó perto dos portões de entrada da mansão. Enquanto o jardineiro aparava os arbustos o xofer o assistia de braços cruzados e trocavam risadas. Avistando-os da porta da mansão, o detetive Ruan caminhou até eles, em passos despreocupados e mãos nos bolsos da calça.
- Bom dia, senhores - saudou-os Ruan, gentilmente.
- Bom dia, detetive Gaspar - disse o xofer, baixando o quepe preto em gesto de cumprimento.
- Bom dia - falou muito sorridente o jardineiro, ao virar-se para o detetive, abandonando o trabalho.
- O Sr. Arantes me disse que sairiam daqui a uma hora - Ruan fixou a vista no xofer.
- Sim, é verdade - o xofer confirmou.
- Então acho que podemos ter uma conversa em particular enquanto isso.
- Uma conversa?
- Se importa?
- Não, claro que não. Será menos de uma hora? - dobrou as sobrancelhas, recebendo um sorriso do detetive.
- Vamos - disse Ruan, dando de ombros para refazer o caminho.
Os dois entraram na mansão e chegaram até o escritório de Ruan, foi quando o xofer começou a desconfiar de que não se tratava de uma simples conversa. Contudo, se sentou de frente a Ruan, quando só a escrivaninha os apartava.
- É uma entrevista - revelou Ruan, puxando o caderno e a caneta ao lado.
- Foi o que pensei - disse o xofer, soprando com dissimulação um ar de desapontamento, mas que Ruan pôde perceber.
~*Continua...