~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXI

Depois que o Sr. Arantes conseguiu tranquilizar a esposa e levá-la de volta para o quarto, depois de todos voltarem a dormir e a quietude tomar conta de toda a mansão, só o detetive Ruan permaneceu de pé. Foi buscar em seu quarto o saco com os vidros quebrados da janela e desceu para o escritório. Entrando na pequena salinha, ele acendeu a lâmpada e passou a chave na porta; andou até a escrivaninha, começou a retirar tudo que havia encima dela e pôr sobre a cadeira, exceto a luminária, essa permaneceu sobre o móvel. Pôs também sobre ele o saco e com muito cuidado inclinou-o para despejar os vidros ali encima. Separou cada pedaço de modo que toda a escrivaninha foi ocupada e melhorou a posição da luminária para poder clarear melhor os vidros, em razão de que a luz do cômodo era fosca. E enquanto ele analisava as pistas de batom, em seu pensamento criava as interrogações sob o ocorrido algumas horas atrás: "por que justo o fantasma da Sra. Eloise?" "e por que apareceu para a Sra. Arantes e para mais ninguém da mansão?" arregaçou as mangas de sua cotidiana camisa branca e começou a mover as peças de vidro. Pôs uma aqui, outra ali, uniu uma à outra, trocou a primeira pela segunda e a terceira pela primeira e mais uma série de combinações, tentando reconstruir aquelas embaraçadas palavras que se dividiam confudindo-o por várias vezes.

- Calma, Ruan - ele dizia consigo, descansando as peças sobre a escrivaninha e estudando-as calculadamente, enquanto mordia a mão de nervosismo -Você já conseguiu abrir muitos cofres, por que não poderia decifrar essa combinação?

Então moveu os pedaços de vidro mais uma e duas e três vezes, se aproximando cada vez mais da frase perfeita. E foi juntando cada palavra que conseguiu: "do que", "vou", "nunca", "você me", "esquecer", "fez".

- Vou esquecer... Do que... Vou esquecer você... Nunca você me fez...? Não! - ele sacudiu a cabeça com negação e remexeu mais algumas palavras - Nunca você me fez esquecer...

E olhando com mais atenção e raciocínio cada palavra escrita a batom daquele quebra-cabeça, finalmente acreditou ter encontrado a combinação certa e voltou a mexer as peças de vidro.

- É isso! "Nunca vou esquecer do que você me fez" - disse, seguro de que tinha a frase formulada na escrivaninha - Nunca vou esquecer do que você me fez...

Ruan refletiu encima daquela intrigante frase, agora que já a tinha resolvida, bastava apenas entender o por que dessa frase ter sido escrita na janela e a que se referia. E não era só isso, ainda tinha o pedaço de tecido que ele encontrou enganchado nas grades da varanda e que segundo cria ele, era idêntico ao que viu com Thalia.

- Vamos lá, Ruan, raciocine - disse, passando a andar de um lado para o outro com o rosto caído ao piso, uma mão no queixo e a outra nas costas - Que tipo de fantasma seria esse que bate na janela e ainda escreve no vidro com batom? Batom... Coisa de mulher. Obviamente! Pois a senhora Arantes garantiu que o fantasma era da senhora Eloise. E também disse que usava um vestido branco e comprido.

Ruan parou repentinamente e voltou-se para a escrivaninha onde deixara o tecido que encontrou na varanda e o tomou nas mãos para analisar.

- Coincidentemente é branco... E o que vi com Thalia era coincidemente branco e bem comprido - lembrou-se de quando viu por trás da porta Thalia analisar o tecido. Então voltou a observar aquele na palma de sua mão - E coincidentemente o encontrei na varanda onde a senhora Arantes disse ter visto o fantasma. Fantasma, tecidos, Thalia... E a frase. O que quer dizer a frase? Quantas perguntas sem respostas! Por enquanto.

Ruan rodeou a escrivaninha e puxou a cadeira para se sentar. Diante da frase formulada ele continuou refletindo e chegando a novas conclusões...

- Pelo que vejo a frase fala de algum fato passado, algum fato que marcou muito alguém, por ter sido um agrado? Não, um desagrado, claro, porquanto ninguém assustaria maldosamente alguém para agradecê-la por algo. Mas se era um fantasma e da senhora Eloise e tendo aparecido para a senhora Arantes ... Então suponho que foi algo que a senhora Arantes fez à senhora Eloíse que supostamente a marcou de forma desagradável.

O detetive olhou uma vez mais o pedaço de tecido, deixando os pensamentos fluírem, relembrando as descrições da Sra. Arantes em relação ao fantasma visto na janela, em relação ao que vestia e seu semblante mudou tal e como um céu iluminado que de súbito desvanece por trás de nuvens carregadas.

- Thalia gosta de desenhar vestidos - foi só o que saiu de seus lábios de repente e vagamente.

~*~

O Domingo chegou com uma chuva tênue e um sol que brincava de desaparecer e reaparecer entre as nuvens. Na cozinha o cheiro de um delicioso café e bolo de cenoura que a cozinheira Maria fazia com muita dedicação, mas que o detetive Ruan Gaspar não tardava a desconfiar de que era algum segredo na receita para resultar em sabores tão singulares e irresistíveis! E sentado sozinho à vasta mesa do salão de refeições estava a se deliciar com o bolo de Maria o Sr. Arantes, vestido com um terno cinza muito sofisticado e gravata vermelha, evidências de que se preparava para sair ou já voltava de algum evento importante.

De repente as portas do salão de refeição se abriram e por elas passou o detetive Ruan, primeiro soltando um longo bocejo, mas no momento em que reparou que o Sr. Arantes estava na mesa e o fitava, ainda que sem nenhuma indiferença no olhar, Ruan encolheu os ombros, em razão de se sentir desconsertado por só ter se levantado àquela hora, pois já passavam das nove horas da manhã. A verdade é que ele mal dormira, passou toda a noite naquele jogo de desvendar mistérios e quando se deu conta já estava adormecido sobre a escrivaninha do escritório. Isso também explicava a dor que estava sentindo no pescoço.

- Bom dia, detetive Gaspar - disse o Sr. Arantes a saudá-lo com um sorriso convidativo, pegando o guardanapo ao lado do prato e limpando suavemente a boca - Acabo de voltar de uma reunião na Câmara, mas daqui a pouco saio novamente. Sente-se e me faça companhia. Pedirei para Maria o servir o café da... Manhã.

- Obrigado - agradeceu Ruan, apertando os lábios quando o Sr. Arantes olhou para a hora no relógio no pulso. Nisso puxou uma cadeira e se sentou.

O Sr. Arantes estava na cadeira da cabeça da mesa e Ruan ficou na primeira ao lado direito. O Sr. Arantes chamou por Maria e ela saiu da cozinha e foi até ele.

- Maria, o café da manhã para o detetive Gaspar - ele deu a ordem sem fitá-la e tomou um gole do café na xícara.

- Sim, senhor - disse Maria, jogando um rápido olhar para o detetive, que correspondeu com um simples sorriso, e fazendo um gesto para mostrar a seu senhor que havia entendido. Deu meia volta para regressar à cozinha.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 09/09/2016
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