~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XVIII
Aquela manhã de sábado estava deliciosa, fazia um pouco de sol e essa era a previsão para todo o decorrer do dia. Na mansão dos Arantes, o Sr. Carlos Arantes se sentou numa poltrona do primeiro salão e alcançou o telefone numa mesinha ao lado e tendo sentindo a poeira lhe ressecar os dedos, puxou profundamente o fôlego demonstrando sua aversão.
- Achei que pagássemos os empregados para cuidarem da casa, e não os ácaros! - disse alto enquanto mirava na porta da sala de janta, intencionado a chamar a atenção dos empregados que poderiam estar por ali. E começou a discar um número no telefone, número que já sabia de có; pôs o telefone no ouvido e aguardou ser atendido - Alô, Henri? Meu grande amigo, por onde andas?
Nesse instante enquanto Carlos falava com o amigo pelo telefone, apareceu Ruan saindo de seu pequeno escritório e se acercou do sofá, ao passo que Carlos o acompanhava com uma sobrancelha levantada e um olhar não muito convidativo, como se torcesse para que o detetive não se sentasse ali, no entanto ele se sentou e ambos trocaram um curto sorriso.
- Apareça por aqui, Henri! Anh? - após ouvir algo do amigo no outro lado da linha, Carlos fez uma pausa para olhar para o detetive no sofá e lançando-lhe um olhar antipático, voltou a falar ao telefone num tom repulsivo - Sim, ele está aqui.
Ouvindo isso, Ruan mostrou a Carlos um semblante desconcertado, certo de que era dele que falavam. Ora ainda achou graça no que havia provocado no Sr. Henrique Sanches, todavia acreditou que não era o melhor momento para o demonstrar.
- Mas, Henri, precisamos conversar urgentemente! - dizia Carlos, movimentando as mãos de modo enfezado para melhor expressar sua desolação - Sabes que me candidatei a prefeito, não sabes? Visto que preciso de suas orientações para o caso de eu vencer a votação, e você sempre tem ideias brilhantes!... Não, Henri, ele não vai participar... Está bem, amigo, não vou obrigá-lo a vir. Só espero que lembre que seu amigo é o dono da mansão. Até mais, Henri.
Carlos bateu o telefone e depois de um sopro de ira, moveu o rosto para o detetive e esse outro dobrou um pouco a cabeça para o lado, como se assim pudesse safar-se de uma prevista reprovação do Sr. Carlos Arantes, e franziu o cenho.
- Satisfeito, detetive Gaspar? - dizia Carlos, com a sombra de um sorriso balelo nos lábios - Agora, em razão de suas críticas durante aquela conversa para com meu amigo Henrique, ele já não deseja visitar-me.
- Me desculpe, mas não lembro de o ter criticado - disse o detetive, em controvérsia.
- Então... Devido às suas ofensas - corrigiu-se, deixando em vista sua dificuldade em raciocionar e usar corretamente cada termo, o que já era uma característica sua.
- Sinto muito - disse num tom frio -, mas talvez ele tenha se sentido desconfortável por outros motivos, os quais me esconde.
Carlos deduziu bem o que o detetive quis dizer com aquilo e teve vontade de revidar, sim! Mas não sabia como o fazer da melhor maneira. A sua sorte foi a filha Thalia ter descido a escada rapidamente e parado no meio do salão. Ela usava um de seus formosos vestidos rendados e levava uma bolsa na mão.
- Estou indo visitar a tia Madalena - disse Thalia para o pai, entretanto com um olhar remoto fixo no rosto do detetive - o senhor pode avisar à mamãe?
- Sim, querida - Carlos consentiu, mostrando um sorriso amável para a filha - Vá com Deus e mande um abraço meu para sua tia.
- Mandarei - ela lançou um olhar oscilante para o pai, tanto quanto o tom de sua voz, ambos os quais o detetive não entendeu, e esperou o mordomo abrir-lhe a porta.
- E nossa entrevista? - ressaltou Ruan, dando um pulo do sofá e se firmando de pé.
- Eu estou saindo agora - falou Thalia e passou da porta para fora.
Ruan moveu um pouco o rosto e entrecerrou os olhos, soprando um ar de indignação, por mais uma vez Thalia escapar da entrevista. Então retomou o assento e cruzou os braços.
- Quem é essa tia Madalena? - questionou ele, voltando o cenho para Carlos.
- É irmã de minha esposa - contou, relaxando na poltrona e feliz pelo detetive não mais mencionar algo à respeito de seu amigo Henrique - Ela tem um ateliê num bairro aqui perto e está ensinando minha filha a costurar roupas. Thalia gosta dessas coisas de moda e por isso se apegou tanto à tia.
Ruan poderia ter dito algo encima daquela informação, todavia só balançou a cabeça num gesto positivo e ficou em sigilo. Momentos depois desceu a escada Thiago, carregando apenas dois livros nas mãos, mas nenhuma mala. Saudou o pai e o detetive com um bom dia e entrou no corredor à direita, onde desapareceu entre a obscuridade que se arrastava até os fundos. Em todo esse momento Ruan penetrou a vista no rapaz, ao contrário de Carlos que já se entretia com o jornal impresso. Ruan continuou observando de longe a porta lá no fundo, bem no fundo do corredor e imaginando que segredo ela escondia por trás, o que Thiago escondia ali? Ainda que dissessem: "são apenas livros", lhe custava crer que deveras era só isso.
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Na cozinha da mansão, a cozinheira Maria preparava um bolo, enquanto a faxineira Tayná relaxava no banquinho de frente ao balcão.
- Menina, vai fazer os seus serviços! - disse Maria, lançando um olhar de advertência a Tayná e batendo a massa do bolo - Não sei como ainda te pagam para trabalhar aqui.
- Mas que coisa irritante - ralhou Tayná, melhorando a posição no banquinho e fitando Maria aborrecidamente -, não posso parar um minuto para descansar e todo mundo já começa a pegar no meu pé!
- Vai logo, menina!
- Já vou! Já vou!
Tayná pulou do banquinho e caminhou até a porta, no exato momento em que Ruan ia entrando na cozinha. A faxineira parou imediatamente e deu meia volta até o balcão.
- Pensando bem, Maria, não quer que eu te ajude com o bolo? - perguntou ela, ao passo que fixava a vista em Ruan que se aproximava do balcão.
- Senhor Gaspar! - dizia a cozinheira, limpando as mãos com um pano, sem jeito - O que o traz até esse ambiente tão indigno de sua presença?
- Bem - Ruan tentou respondê-la.
- Eu posso ajudá-lo em algo? - perguntou Tayná, interrompendo-o, e mostrando um sorrisso atrevido.
- Na verdade, pode - olhou-a de modo convidativo, ao passo que ela mordia os lábios e enrolava a meixa solta de seu cabelo - Quero entrevistá-la.
- Me... Entrevistar? - repetiu Tayná com vacilo, olhando rapidamente para a cozinheira - Agora?
- Sim - ele assentiu.
- Aqui?
- Anh... Não, aqui não... Penso que esse cheiro bom poderá me atrair e dificultar minha concentração - avaliou o ambiente ao responder e sorriu para Maria antes de voltar-se para Tayná - Vamos para o meu escritório.
- Ah... Claro! - disse Tayná num tom de satisfação e olhou sorridente para Maria, enquanto essa meneava negativamente a cabeça.
E saíram os dois da cozinha.
~*Continua...