~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XV

Quando já estava sozinho no escritório, o detetive aproveitou para alongar-se à vontade. Começou esticando os braços para frente e entrelaçando os dedos das mãos; depois deixou as costas bem erestas e por último mexeu o pescoço de um lado a outro, para inibir o desconforto. Alcançou a segunda gaveta da escrivaninha e abriu-a, pegou um potinho que ele mesmo tinha guardado ali e pôs encima do móvel. Tirou a tampa e com as pontas dos dedos retirou do pote um tanto de creme e passou na palma da mão, depois deslizou uma mão sobre a outra e começou a espalhar o creme. Ele precisava daquilo em razão de passar muito tempo escrevendo. Guardando o potinho de volta na gaveta, folheou o caderno de anotações e parou numa página em que anotara os nomes de cada morador da mansão e com a ponta da caneta foi passando as linhas, até chegar ao nome da próxima pessoa a entrevistar.

- Thalia, a filha do meio - disse ele, fazendo um círculo no nome e largando a caneta de lado.

Ruan se levantou da cadeira e saiu do escritório, atravessou o corredor e chegou até o primeiro salão, que por sinal não havia mais ninguém lá se não o mordomo ao lado do sofá, que aproveitava que estava sozinho e curiova algumas revistas no centro de decoração. Entretanto, vendo o detetive se aproximar, retomou sua postura.

- Posso ajudá-lo, senhor Gaspar? - o mordomo perguntou.

- Sabe se a senhorita Thalia se encontra por aqui? - perguntou o detetive Ruan.

- Acredito que esteja no andar de cima, senhor - disse, ao passo que o detetive mirava o alto da escada.

- Poderia procurá-la e dizer-lhe que desejo entrevistá-la agora?

- Sim, senhor.

- Estarei em meu escritório - deu de ombros quando ainda terminava a frase.

- Sim, senhor, pedirei que a senhorita Thalia o procure - disse e, com o consentimento do detetive, deu meia volta e foi subindo a escada.

~*~

Thalia estava em seu quarto e sentada à uma mesinha redonda ela rabiscava um desenho de uma silhueta de mulher numa folha em branco. Encima da mesa haviam outras dezenas de folhas com modelos de roupas desenhadas e também tecidos de várias cores espalhados e tesouras e réguas. Thalia havia aprendido com uma tia a produzir roupas, mas o que ela gostava mesmo era de desenhar as peças e sonhava em um dia ser estilista de moda.

A porta do quarto estava entreaberta e chegando até lá o mordomo, chamou Thalia na porta.

- Senhorita Thalia - ele disse, sem entrar.

- Robison! - Thalia a princípio se assustou, porquanto o mordomo aparecera silenciosamente, mas parou o lápis que usava para desenhar para prestar-lhe a atenção - O que tem a me dizer?

- O senhor Gaspar deseja entrevistá-la nesse momento.

Thalia ficou em sigilo por um curto tempo, a refletir sobre aquilo. Sabia que em uma hora ou em outra o detetive a chamaria, mas não estava com disposição alguma para aceitar.

- Diga a ele que estou ocupada e não posso descer - ela disse finalmente, retomando o lápis e voltando a desenhar.

- Como quiser, senhorita.

O mordomo deu de ombros e desceu as escadas, foi até o escritório do detetive para informar-lhe do que disse Thalia.

- Ocupada? - indagou Ruan com a testa franzida, após ouvir o mordomo - E o que ela está fazendo?

- Acho que está desenhando vestidos - olhou de lado, pensativo.

- Desenhando vestidos? - Ruan encostou-se na cadeira e cruzou os braços.

- Isso mesmo, senhor. A senhorita Thalia já desenhou muitos vestidos para ela e para sua irmã e também para Beatriz, digo - sacudiu negativamente a cabeça para se corrigir - senhora Beatriz. Parece que sonha em ser estilista.

- Interessante... Bom, nesse caso - ergueu o corpo e deu a volta na escrivaninha, passando direto pelo lado do mordomo -, terei de ir eu mesmo chamá-la.

Ruan subiu a escada do primeiro salão e com a orientação do mordomo foi até a porta do quarto de Thalia.

- Obrigado, Robison - disse ele, deixando que o mordomo retornasse ao salão.

O mordomo saiu e Ruan se acercou da porta entreaberta e logo conseguiu ver Thalia de pé a analisar um tecido branco e comprido nas mãos.

- Com licença - ele disse e só nesse momento Thalia o notou e jogou rapidamente o tecido que segurava debaixo de outros na mesinha. Ruan cruzou a porta.

- Nunca te disseram que um cavalheiro nunca deve entrar no quarto de uma moça? - falou Thalia, um pouco apreensiva.

- Desculpe - ele fez um gesto com a mão e deu alguns passos para trás, chegando mais perto da porta e seu olhar foi atraído pelos belos desenhos sobre um balcão ao lado -, só vim saber se já está pronta para a entrevista.

- Estou ocupada no momento - ela disse num tom rígido, e percebeu o olhar de Ruan fixo em seus desenhos -, mas avisarei quando estiver pronta.

- Oh! Como desejar, senhorita - mirou em Thalia e deu uma minúscula risada.

- E também creio eu que ainda faltam outros muitos a serem entrevistados. Então não se incomodará em entrevistá-los primeiro - dizia ela à medida que se sentava à mesinha e organizava os papéis, menosprezando a presença do detetive -, agora preciso me concentrar nos meus desenhos.

- Entendo - falou, permanecendo no quarto, porém afastado de Thalia, e pôs as mãos nas costas, começando a balançar o corpo para frente e para trás.

- Ouviu o que eu disse? - questionou Thalia ao virar a cabeça e reparar que o detetive continuava ali.

- Sim.

- Então por que persiste em ficar?

- Bem - deu dois passos à frente e com a mão direita passou a esfregar o queixo enquanto apoiava a outra mão nas juntas do braço direito -, pelo que sei, para concentrar-se a senhorita precisa de silêncio e para eu fazer silêncio não é necessário me retirar da sala, mas somente fazer silêncio. Concorda comigo?

Thalia abriu a boca para dizer alguma coisa, contudo não soube que resposta seria tão perfeita para contrariá-lo e por essa razão optou por ficar em silêncio e a se dedicar a seus desenhos, unicamente. Ruan arriscou em se aproximar um pouco mais da mesinha, para observar o que a moça fazia, no entanto ela quebrou o sigilo ao perceber essa aproximação.

- Meu pai não há de gostar nenhum pouco de te encontrar aqui, em meu quarto - ela disse, mas sem tirar a atenção do papel.

- Tem razão - concordou Ruan, mirando na porta do quarto e voltando o rosto para Thalia -, está bem, a deixarei com sua "ocupação".

Vendo que Thalia não diria mais nada, ele deu meia volta e vacilou antes de cruzar a porta.

- Mas a aguardarei para a entrevista assim que estiver "desocupada" - disse, pondo as aspas com os dedos na palavra e saindo do quarto.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 02/09/2016
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