~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XIV

Poucos minutos depois do mordomo sair do escritório de Ruan, surgiu a empregada Tayná, com seu jeito atrevido de andar e enrolar os cabelos negros e compridos nos dedos. Ora Ruan estava tão concentrado nas anotações que fez no caderno sobre a escrivaninha que não notou quando ela entrou, mas só quando se aproximou.

- Olá, detetive Ruan Gaspar - ela disse, com um tom de voz meigo e um sorriso brincalhão nos lábios, à medida que Ruan levantava o cenho para fitá-la -, só vim saber se não está precisando de alguma coisa...

- Anh... Não, obrigado - falou Ruan, deitando a caneta na escrivaninha e dobrando os braços encima do caderno aberto.

- Não deseja um lanche? - ela tocou com as mãos o móvel e inclinou os ombros para frente - Quem sabe um café, uns biscoitos... Um chá!

- Não, não, muito agradecido - Ruan meneou negativamente a cabeça e mostrou um delicado sorriso no lado dos lábios.

- Nada?

Tayná insistia em oferecê-lo muitas coisas, foi no momento em que apareceu Thiago e, entrando na sala e chegando perto da moça, abraçou-a por trás e colou o rosto em seu pescoço, assustando-a.

- Ele já disse que não quer nada - Thiago sussurrou no ouvido de Tayná, ao passo que o detetive ergueu as sobrancelhas, impressionado com aquele comportamento.

- Thiago! - disse Tayná, girando o corpo para Thiago, à medida que ele soltava os braços e sorria para ela. Ficou surpresa e ao mesmo tempo encabulada, no que decidiu se retirar - Com licença.

Ela olhou para cada um deles antes de ir e Thiago deu um pouco de espaço para que ela passasse. Depois de Tayná deixar a sala, o rapaz voltou o rosto para o detetive e esse outro parecia ainda admirado com a atitude de Thiago para com a moça, no que o rapaz percebeu e soltou uma pequena risada, não foi bem uma risada, um sorriso desconcertado, e Ruan também sorriu, não por ter achado graça, mas tão somente para que Thiago acreditasse que ele não viu nada de estranho naquilo.

- O mordomo disse que queria falar comigo - disse Thiago.

- Sim - Ruan consentiu e mostrou a cadeira em sua frente para que o rapaz a ocupasse. Thiago puxou a cadeira e sentou, esperando a palavra do detetive -, eu gostaria de entrevistá-lo.

- Agora? - não demonstrou nenhum sinal de desgosto, nem nas linhas de expressões, nem no tom da voz, pelo menos foi o que Ruan notou.

- Tem problema para você?

- Não, de maneira alguma.

- Então podemos começar?

- Bom, eu não sei o que vai querer saber de mim, mas - disse, melhorando a posição na cadeira e apresentando um semblante pacífico. Isso impressionou um tanto o detetive, porquanto maioria dos entrevistados, pelo menos dos quais lembrava, hesitava na hora da entrevista e se sentia desconfortável, o que não era o caso do rapaz -, podemos sim.

Ruan deslizou um pouco mais para frente o caderno debaixo de seu rosto e apanhou a caneta. Observou por poucos segundos uma série de questões criadas na folha e ergueu a mira ao rapaz.

- Nome completo e idade - disse Ruan.

- José Thiago Arantes - respondeu o rapaz -, tenho 23 anos.

Ruan fez a anotação na folha e pulou para uma segunda pergunta, a qual leu com cuidado antes de fazer.

- Está estudando medicina, certo?

- Sim - entronchou um pouco os lábios ao responder e dessa vez o tom da voz soou repulsivo.

- Pelo seu tom de voz, posso arriscar em dizer que não gosta muito da profissão. Estou certo?

- Eu... Eu gosto, mas - demorou a responder, não conseguia achar as palavras de que precisava.

- Não era bem o que queria fazer - disse Ruan, o ajudando.

- Talvez.

Ruan refletiu no semblante de Thiago, antes de fazer a próxima pergunta.

- Mas, por que vai até o porão para estudar?

Thiago demorou a responder, no que o detetive lhe mostrou um pequeno sorriso e um olhar de graça.

- Não esperava que eu o perguntasse isso, não é? - Ruan disse.

- Talvez - falou num tom menosprezível, sacudindo os ombros - Eu só precisava de um lugar tranquilo, em que minha irmã menor não fosse me estorvar e eu não ouvisse as reclamações incessantes de minha mãe. E o porão foi o lugar ideal.

- Entendo - baixou o cenho e olhou novamente o caderno - E aquela mala que você levou? O que tinha dentro?

- Ah, são só os livros de Anatomia Humana. Você sabe, não é? Aqueles livros de mais de mil páginas - fazia gestos com as mãos para demonstrações.

- Sim, claro - manteve os olhos fixados em Thiago por alguns segundos, não estava muito confiante de sua resposta - E mais alguém frequenta o porão além de você?

- Somente a faxineira Tayná, aquela que estava aqui - fez um gesto com a mão para explicar melhor -, para limpar. Ninguém gosta daquele buraco negro.

- Certo - disse, anotando as informações. Então puxou de debaixo do caderno a fotografia da Sra. Eloise junta ao músico e estendeu-a para Thiago - Me fale um pouco deles.

Ao deitar a vista na foto, Thiago esbojou um sorriso vasto, seus olhos brilhavam como uma noite com muitos vagalumes. Pediu licença ao detetive para pegar a foto e a observou mais de perto.

- Minha avó Eloise - dizia Thiago -, como era maravilhosa...

- Estranho - disse Ruan, pondo a mão no queixo e mirando na fotografia nas mãos do rapaz -, porque sua mãe disse que ela era insuportável.

- Minha mãe que é! - exclamou indignado sobre a personalidade da mãe, mas recuperou a expressão de felicidade ao tornar a falar da avó - Minha avó foi a mulher mais doce e divertida que já existiu.

Ruan ignorou a afirmação supérflua de Thiago e manteve a vista fixa na fotografia.

- E o músico? - perguntou, jogando o olhar para seu entrevistado - chegou a conhecê-lo?

- O vô Wagner? - mostrou-se demasiado agradado com a referência e não esperou confirmação do detetive para já responder, como se as palavras quisessem saltar depressa de sua boca. Contudo não fôra a empolgação dele que surpreendeu o detetive e sim a maneira carinhosa como se referiu ao músico - Eu amava ele! Já esteve algumas vezes aqui e até me levou para assistir suas participações em concertos e musicais, sem nem meu pai saber.

Depois dessa última afirmação, Thiago deu uma pequena risada e calou para contemplar o homem na fotografia. Ruan também se manteve em sigilo, porém lhe importava observar ao rapaz que parecia muito estimulado.

- Eu amava os concertos - contou Thiago, de repente.

- Você gosta de música? - indagou Ruan, sem nem mais saber se estavam ainda dentro da entrevista.

- Sim - o sorriso foi maior dessa vez. Ora, percebendo que o detetive o fitava com avaliação, sacudiu rapidamente a cabeça tal e como tentava despertar de um sonho e dissimulou seu contentamento - mas, quem não gosta, não é? Quem não gosta...

Ao repetir Thiago a frase com um tom indiferente e muito pensativo, Ruan entrecerrou os olhos, cheio de intriga, e achou que já podia dispensá-lo.

- Bom, a entrevista está concluída - disse Ruan, se colocando de pé e um pouco depois o rapaz também assim fez, deixando a foto na escrivaninha, e ambos apertaram as mãos - obrigado.

Thiago se retirou do escritório e Ruan voltou a se sentar. Analisou as anotações feitas por ele e, ao lado do nome do rapaz, escreveu: "Obs."

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 01/09/2016
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