~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XIII
Henrique fitava o detetive com repugnância e esse tal olhar em momento algum importunou Ruan, era espantoso como levava tão a sério seu trabalho e não se deixava abater sob ameaças e maus olhares. Entretanto, Carlos conseguiu a atenção do amigo ao aumentar o tom da voz de modo acirrante.
- Mas me diga, Henri - Carlos fez movimentos com as mãos para ter uma maior atenção de seu amigo - e a venda da fazenda?
- O senhor Casmurro a comprou - falou Henrique, deixando de lado aquele semblante repulsivo e movimentando o rosto na direção de Carlos.
- Eu disse que ele ia gostar da fazenda - Carlos se encostou no sofá e mostrou um sorriso pretensioso a Henrique, que respondeu com um outro sorriso, que já era mais vazio.
Ruan acompanhava toda a conversa e milhares de questões criava no pensamento. Então pegou nas mãos a caneta e o caderno e nenhum dos senhores perceberam essa atitude. Mas Ruan ainda não escreveu nada.
- Vocês sempre compartilham tudo o que acontece assim, um com o outro? - questionou Ruan e os dois senhores o observaram intrigados.
- Detetive Gaspar, eu e Henrique somos grandes amigos - foi Carlos quem respondeu, movimentando as mãos para apresentar-se e ao amigo a quem se referia -, não há motivos para escondermos nada um do outro.
- Hhm - ouvindo isso, Ruan anotou algo no caderno, ao passo que Carlos o fitava com os pensamentos inquietos e Henrique também estranhou. O que era aquilo? Uma entrevista? Depois disso, Ruan ergueu o rosto e olhou na direção de Henrique - Você sempre faz visitas à mansão?
Henrique ia responder algo, mas Carlos se impôs e o cortou, afobado com os questionamentos do detetive. Tinha raiva quando alguém incomodava seu amigo amado e mania de defendê-lo com bravura.
- Detetive Gaspar - dizia Carlos e sua voz soou fria e repreensiva -, eu não creio que Henrique tenha algo a ver com o que está acontecendo misteriosamente aqui na mansão.
- Espere - Henrique olhou para o amigo e pressionou a mão contra o peito, seu cenho estava franzido e seu tom de voz abalado -, ele está desconfiando de mim?
- Eu não deveria? - indagou Ruan, muito estável.
- Eu não tenho nada a ver com isso! Carlos é um grande amigo meu, eu seria incapaz de tal coisa! - exclamou exaltado, e seu rosto começou a se transformar de maneira que Carlos nunca havia visto. Quem era aquele homem tão frenético e onde estava aquele outro tão sereno?
- É o que todos dizem - Ruan mostrou um curto sorriso, o que provocou mais ainda a ira de Henrique - Já vi muitos se dizerem "grandes amigos" de tal e tocarem fogo na casa de seu companheiro. Já estou acostumado a saber dessas coisas.
Para Carlos aquela tinha sido a gota d'água e desejou enfrentar o detetive! Mas foi Henrique quem se levantou primeiro e seu peito subia e descia num rítmo rápido e constante, era a respiração que estava muito arquejante e os dentes rangiam de furor. Lançou um último olhar de confronto para Ruan e se virou para Carlos.
- Eu estou me indo - disse, num tom descortês.
- Mas, Henri, ainda é cedo - Carlos lutava para convencer o amigo a ficar -, fique um pouco mais!
- Tenho coisas muito importantes a tratar - estava recuperando a calma e se acercou da porta, onde o mordomo já o esperava -, outro dia, quem sabe, continuamos essa conversa. Tenha um bom dia.
Henrique cruzou a porta e Carlos disse as palavras de adeus antes do mordomo fechá-la. Em seguida, virou-se com rapidez e mirando Ruan ainda sentado a escrever em seu caderno, chegou até ele e ficou de pé em sua frente.
- Detetive Gaspar - o tom de sua voz foi amargo e exigiu atenção, no que Ruan repousou a caneta sobre o caderno e levantou o rosto -, ponha-se de pé.
Ruan não hesitou, sem demora ergueu o corpo, ficando frente a frente com Carlos.
- Sim? - disse Ruan.
- Nunca mais se dirija daquela forma a meu amigo Henrique - citou cada uma das palavras como se as soletrasse e apontou o dedo para Ruan, em sinal de advertência.
- De que forma, você quer dizer?
- Você o ofendeu, insinuando que ele poderia estar envolvido com o sumiço das coisas de minha mãe - aproximou mais o rosto ao do detetive e espremeu os olhos; seus punhos estavam fechados na medida das coxas e as veias parecia que iam estourar - e eu não acredito que isso possar ser verdade.
- Não é você quem dirá isso - franziu a testa e meneou com calma a cabeça -, mas sim as provas, as evidências.
- Que provas? Que evidências? Porventura já descobriu algo?
- Ainda é cedo para dizer - Ruan deu de ombros e foi andando para o corredor esquerdo, que o levaria até seu escritório, e deixou Carlos a mercê de sua raiva, porque não almejava mais discutir.
~*~
Thiago reapareceu no corredor sem a mala que levava e apenas com uns livros nas mãos e fez uma curva para subir a escada do salão principal, mas o mordomo se acercou dele para abordá-lo.
- Desculpe, jovem cavalheiro Thiago - disse o mordomo com exagerada reverência, parando diante do primeiro degrau da escada e levantando o rosto para Thiago que já estava no terceiro -, o senhor Ruan Gaspar deseja falar com a vossa pessoa.
- Jovem cavalheiro, vossa pessoa - repetiu Thiago, olhando para o mordomo e dando uma curta risada -, onde você aprende essas coisas?
- Bom...
- Pode dizer ao detetive que já o procuro - deu as costas e foi subindo os degraus antes mesmo de terminar a frase -, só vou levar esses livros lá para cima.
- Como quiser, senhor.
O mordomo deu de ombros e entrou no corredor esquerdo, em direção ao escritório do detetive. Não foi preciso bater na porta, uma vez que ela já estava aberta, mas hesitou em entrar e parou ali mesmo. Ruan estava encurvado fechando a gaveta da escrivaninha, quando percebeu a presença de alguém na porta.
- Com licença, senhor Gaspar - disse o mordomo educadamente, ao passo que o detetive levantava a cabeça -, vim avisar que o senhor Thiago já saiu do porão e comparecerá aqui assim que guardar alguns livros.
- Ah, sim - Ruan disse, lembrando-se do rapaz -, obrigado.
- Por nada, senhor - fez menção de que ia retornar ao salão, mas esperou a permissão do detetive, este por sua vez consentiu -, com sua licença.
- À vontade.
~*Continua...