~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XII
Depois de terminada a entrevista com a Sra. Beatriz, Ruan abandonou o escritório para tomar um pouco de ar, em verdade a pequena sala era um pouco abafada por não conter janelas. Caminhou até o primeiro salão da mansão, na expectativa de sentir a luz do dia emergida dos janelões alumbrar sua face, libertando-se da escuridão daquele vago e triste corredor. Entretanto, não foi o que aconteceu, não houve luz que pudesse atravessar as cortinas amarelas que escondiam as janelas trancadas. Intrigado, Ruan acercou-se da janela, puxou um pouco a cortina e viu que os cadeados permaneciam. Vendo essa atitude de Ruan, o mordomo que até então estava na porta do salão de janta, aproximou-se do detetive, com passos cautelosos e postura exemplar.
- Algum problema, senhor Gaspar? - perguntou o mordomo, concentrado no cenho franzido do detetive enquanto analisava a janela.
- Por que continua trancada? - Ruan indagou, voltando o rosto para o mordomo ao seu lado.
- Foram ordens de meu senhor que as janelas permanecessem trancadas até descobrir quem está sumindo com os pertences da falecida senhora Eloise.
- Mas agora que estou aqui, não será mais necessário - ele se voltou para a janela e balançou o cadeado, virando em seguida o rosto para o mordomo com um olhar de entusiasmo -, vamos tirar isso aqui.
O mordomo de início hesitou e pensou em contradizê-lo, mas lembrou das ordens que deu o Sr. Arantes a respeito da obediência dos empregados sob os pedidos do detetive e assentiu, retirando as chaves dos cadeados de seu bolso, dentro do palitó. Nesse momento, descia da escada Thiago, carregando uma mala grande e entrando num corredor que ficava logo à direita do salão, sem nem ao menos notar Ruan e o mordomo ali.
- Aonde ele está indo? - perguntou Ruan, virando a cabeça ao escutar os passos de Thiago, que ia desaparecendo naquele corredor comprido e misterioso.
- Ao porão, para estudar - respondeu o mordomo, estimulado a olhar para o rapaz.
- E o que ele leva naquela mala tão grande? - franziu a testa ao questionar e sem tirar a mira do corredor, embora Thiago já tivesse desaparecido por trás de uma porta lá no fundo.
- Tenho quase certeza de que são os livros de Anatomia.
O mordomo desprezou a imagem do corredor e mexeu nas chaves para escolher aquela que abriria o cadeado do janelão e foi testá-la. Todavia o detetive continuou imóvel em seu olhar distante, como uma estátua de pedra que havia na fonte de água logo nos caminhos de entrada da mansão. Por que o rapaz precisava ir até o porão para estudar? E por que uma mala tão grande só para livros? Era o que Ruan se perguntava.
- Não são só livros - ele murmurou num certo instante, sem ser ouvido. Girou o corpo na direção do mordomo, que nesse momento já estava abrindo as janelas, e a claridade que surgia de fora alumiou seu rosto e ressaltou a cor meio dourada de seus cabelos a gel - Assim que Thiago sair do porão, você pode avisá-lo que quero falar com ele?
- Sim - respondeu o mordomo, surpreso por Thiago ter conseguido maior atenção do detetive do que a bela paisagem que se revelou de detrás das janelas -, avisarei, senhor.
Ruan deu de ombros com o intuito de explorar os outros salões em que ainda não havia estado, como a cozinha, quando de repente a campainha tocou e isso obstruiu seus passos, porquanto quis saber quem estava na porta. O mordomo tratou de ir abrí-la e entrou o Sr. Carlos Arantes e mais um senhor que Ruan ainda não conhecera e com aquela aparência tão única, tão distinta, foi até difícil lembrar de alguém que fosse ao menos um pouco parecido. Os dois homens entraram em risos e conversas, mas que cessaram repentinamente.
- Robison, por que as janelas estão abertas? - Carlos perguntou sem olhar para o mordomo, ora sua vista fixou-se nos janelões.
- Eu pedi para que ele abrisse - disse com precisão Ruan, antes que o mordomo pudesse explicar -, já que estou aqui para investigar o caso das coisas desaparecidas de sua mãe, não creio que ainda precise de tudo isso.
- Bom, se você está dizendo - ia dizer algo mais, só que o companheiro esboçou um enorme sorriso ao reconhecer o detetive.
- Minha nossa! É o detetive Ruan Gaspar! - dizia o amigo de Carlos, apontando para o detetive e ao mesmo tempo olhando para Carlos, que sacudia a cabeça de cima a baixo para confirmar e se emocionava com a empolgação do amigo. Ele estendeu a mão para o detetive e cumprimentou-o com demasiada reverência - respeitável e admirável eis! Prazer, Henrique Sanches.
- Prazer - disse apenas Ruan, apertando a mão de Henrique e mostrando um sorriso moderado.
- Sempre admirei seu trabalho e te considero um dos homens mais inteligentes e calculistas desses tempos! - após dizer isso, mordeu os lábios e voltou o rosto para Carlos, que o contemplava com muita pacificação e nem chegou a se incomodar com qualquer elogio exagerado de Henrique para com o detetive - Mas é claro que eu também te considero um homem inteligente e calculista, meu grande amigo. Sabes disso.
Carlos não disse nada, somente consentiu, enquanto mantinha os braços nos bolsos, como sempre gostava de fazer, e sorria. Porém, o detetive não pôde ficar em sigilo e nem manter só no pensamento o que teve vontade de dizer depois de reparar com muita atenção as atitudes de Henrique.
- Você sempre gosta de "puxar o saco" das pessoas assim? - perguntou Ruan a Henrique, e isso foi naturalmente, causando no homem uma reação de espanto.
- Como? - Henrique dobrou as sobrancelhas, foi pego de surpresa com o que lhe disse o detetive. E ele que não estava acostumado a ouvir comentários daquele tipo a respeito de sua pessoa, mas sim elogios e muita reverência.
- Anh... Nos sentemos! - disse Carlos com um sorriso forçado, se apressando em evitar que as críticas do detetive continuassem e oferecendo assento ao amigo no sofá.
Ao mesmo tempo em que Henrique tomou lugar num sofá e Carlos no outro, Ruan também se sentou no mesmo sofá que Carlos, mas um pouco afastado, e isso intrigou os senhores, que o olhavam desentendidos.
- Ele vai ficar aqui? - murmurou Henrique para o amigo, dando uma discreta olhada no detetive.
- Bem... - Carlos não soube responder e olhou sem cerimônia para o detetive.
- Isso te incomoda? - perguntou Ruan, que havia escutado perfeitamente as palavras sopradas para Carlos - Quer dizer, a não ser que você tenha algo a esconder de mim, talvez algo que tenha a ver com certas coisas que acontecem nessa mansão.
- Com certeza não há nada que eu queira esconder - disse Henrique, lançando um olhar de controvérsia para Ruan, sem contar a maneira como Carlos encarava o detetive, estava começando a ficar chateado com aquelas palavras que poderiam ferir seu grande amigo.
- Então minha presença não incomodará.
~*Continua...