~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XI

Na manhã do dia que sucedeu, enquanto Beatriz estava no quarto terminando de se arrumar, bateram na porta.

- Quem é? - ela perguntou, ao passo que molhava as pontas dos dedos com perfume e passava atrás das orelhas.

- Sou eu, senhora Beatriz, o mordomo - a voz respondeu do lado de fora do quarto.

Beatriz olhou para a porta e deixou o vidro de perfume sobre a penteadeira. Foi abrir.

- Sim? - ela falou com o mordomo num tom bem mais dócil do que quando falava com o marido, e segurava a porta.

- O senhor Gaspar deseja falar com a senhora e pede para que o procure em seu escritório - ele disse, tentado por aquele perfume delicado de mulher que sua senhora exalava e que dançava em suas narinas.

- E o que aquele maluco quer agora? - ela revirou os olhos e soprou um ar de chateação - tudo bem, obrigada. Estarei descendo daqui a pouco.

- Por nada - as palavras soaram atrativas e ele se retirou depois de Beatriz fechar a porta.

Alguns minutos passados e Beatriz saiu do quarto, desceu a escada e foi até o escritório do detetive. A porta estava apenas encostada, então Beatriz a empurrou com indelicadeza e conseguiu chamar a atenção de Ruan, que antes estava sentado à escrivaninha e lia as anotações em seu caderno.

- O que você quer? - perguntou Beatriz com estupidez, cruzando os braços, mas sem se distanciar da porta.

- Bom dia, senhora Beatriz - Ruan saudou-a sem muita reverência e se colocou de pé. Ele mostrou a cadeira para que Beatriz se sentasse, contudo adiantou-se em agir com cavalheirismo e rodeou a escrivaninha para puxar a cadeira para ela.

- Não é preciso - ela fez um sinal com a mão para contê-lo e este outro parou -, eu mesma posso fazer isso. Sei que deve ser realmente difícil para você encenar como se fosse um cavalheiro.

Então ela mesma puxou a cadeira e se sentou. Esperava que aquelas palavras atingissem ofensivamente o detetive, no entanto tudo o que ele fez foi mostrar um curto riso no lado dos lábios e sentar-se também.

- Espero que tenha um bom motivo para ter me chamado aqui - disse Beatriz, voltando a cruzar os braços.

- Sim, o tenho - confirmou Ruan, colocando os cotovelos encima da escrivaninha e entrelaçando os dedos das mãos na altura do queixo - Gostaria de começar a entrevista com a senhora, se não se importar, é claro. Não, claro que não se importará.

- Ah - ela jogou o rosto para o lado e deu uma pequena risada que Ruan identificou de imediato, estava debochando -, já sei, foi meu marido quem te sugeriu isso, não foi?

- Sim, foi ele - mostrou um sorriso audacioso para ela -, mas acho que isso não será um problema para você... A não ser que tenha a ver com o sumiço das coisas da senhora Eloise.

- Não, claro que não tenho - soltou os braços e melhorou a posição na cadeira - e é só por isso que aceito fazer essa entrevista chata.

- Bom - Ruan pegou um novo caderno e o abriu numa página que continha escrito à punho uma série de questões, deitou-o sobre a escrivaninha e na mão segurou uma caneta. Fixou o olhar em Beatriz para falar-lhe com clareza -, te farei algumas perguntas e quero que me responda com absoluta verdade.

- O que quer saber? - indagou ela, sem muito interesse, e relaxou as costas na cadeira.

- Nome completo e idade.

- Beatriz da Silva Arantes. Quarenta e cinco anos.

- Como era sua relação com a senhora Eloise? - ele perguntou, após uma rápida lida no caderno.

- Nossa... terrível - disse num tom hostil -, ela, além de ser insuportável, nunca aprovou meu relacionamento com Carlos.

- E por qual razão? - ele encostou a caneta no queixo, enquanto muito atento às palavras de Beatriz.

- Porque sempre morreu de ciúmes do filho, por isso! - essa afirmação soou um pouco mais ignorante que esclarecedora. Não convenceu Ruan - e cismou que eu era uma mulher muito imperfeita para ele.

- E você acredita que ela podia estar certa?

- É claro que não! - ela exclamou, lançando um olhar amargo para o detetive - ela que sempre foi uma chata. Eu não a suportava.

- Fala com tanta liberdade - Ruan fez silêncio durante um curto espaço de tempo para analisá-la -, sempre fingiu ser tão sincera assim?

- Eu não estou fingindo ser sincera - ela revidou, com o mesmo olhar que o condenava -, estou sendo verdadeira! Até porque detesto gente que mente.

- E sobre o que aconteceu no dia daquele passeio de bote no exterior - dizia Ruan, se encostando na cadeira e, deitando o braço direito sobre a escrivaninha, começou a batê-la com a ponta da caneta -, o que pode me contar?

- Foi a desgraça de um passeio que nunca devia ter acontecido - contou Beatriz, pondo o cotovelo encima do móvel e apoiando a cabeça sobre a mão. Falava de maneira vaga, sem preocupar-sem em formar boas afirmações, sem se importar com nada daquilo, como se passasse daquele mundo para outro distinto e distante -, o bote virou e foi sorte termos conseguido nos salvar.

- Mas a senhora Eloise não conseguiu, se afogou.

- Poderia ter sido qualquer um de nós outros.

- Você a viu se afogar?

- Vi - consentiu rapidamente -, eu tentava segurar sua mão, mas as águas estavam muito rebeldes e eu engolia muita água!

- E por que tentou salvá-la? - perguntou Ruan sem hesitar, provocando um instante de sigilo a Beatriz.

- Como assim? - ela indagou após alguns segundos, com o cenho franzido.

- Ora - ele fazia gestos com as mãos para se expressar melhor -, você disse que não suportava Eloise... Então por que quis salvá-la?

- Era a mãe de meu marido! Como me negaria a socorrê-la num afogamento?

Foi uma boa pergunta para Ruan, tão boa que ele reservou seus pensamentos só para pensar sobre, ao mesmo tempo em que fixava a vista no cenho da entrevistada.

- Acabou? - Beatriz perguntou, incomodada com a observação rigorosa do detetive e almejando logo abandonar aquele pequeno espaço que não lhe aprazerava em nada! Talvez era a decoração muito simples, ou o fato de estar tão apartado de tudo, ou pela pouca luz.

- Só mais uma coisa - ele baixou o rosto e, abrindo uma gaveta da escrivaninha, tomou na mão a fotografia que conseguiu na noite anterior quando esteve no quarto do Sr. Arantes e mostrou-a para Beatriz - O que me diz dessa foto?

Ela observou a foto na mão de Ruan, aquelas duas pessoas que reconheceu sem demora e que lhe causaram uma mistura de sentimentos e expressões, seguidos de uma risada debochada.

- Olha só... O casal mais cafona do mundo - não fez muito caso da fotografia, no que desviou o olhar que se perdeu na estante de livros por trás do detetive -, sabe, ele até era divertido... Merecia uma esposa melhor.

- A senhora o conheceu? - perguntou, mais surpreso com a tamanha rispidez nas palavras da mulher quando dizia respeito à falecida mãe de seu marido.

- Sim, Wagner já esteve algumas vezes aqui - disse ela, volvendo o olhar ao homem na foto -, era músico, você já sabe, não é?

- Sim - meneou positivamente a cabeça, esperando ouvir uma grande revelação que o surpreendesse.

- Esse interrogatório todo já não te basta? - Beatriz soprou um ar de exaustão - estou cansada.

- Bom, acho que já é o suficiente - ele disse ficando de pé, à medida que Beatriz também levantou -, a entrevista está encerrada. Obrigado por sua disposição em responder-me.

- Que seja - ela deu de ombros, menosprezando o detetive, e cruzou a porta.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 28/08/2016
Código do texto: T5742866
Classificação de conteúdo: seguro