~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. X

Na hora do almoço, na mansão dos Arantes, todos se sentaram à mesa e esperaram serem servidos pelos empregados. Todavia o detetive puxou uma das cadeiras da mesa e arrastou-a para o canto da parede, ali sentando-se, ao passo que os Arantes o fitavam intrigados e se entreolhavam com esquisitice.

- Por que ele não vai ficar na mesa? - perguntou Thiago ao pai que estava na cabeça da mesa, bem ao seu lado.

- Não faço ideia - disse o Sr. Arantes, a sacudir os ombros e mirando no detetive.

Ruan tomou nas mãos seu caderno de anotações e caneta e dobrou a perna direita sobre a esquerda e ao levantar o olhar para a mesa, os que o encaravam com confusão disfarçaram rapidamente. Até que apareceu Tayná e Maria para servirem os pratos, nem essas passaram despercebidas pelo olhar atencioso do detetive, até saírem do salão. Ora, foi até Ruan o mordomo e lhe murmurou algumas palavras, queria saber se ele almejava ser servido ali mesmo, mas Ruan meneou negativamente a cabeça e fazendo gestos com as mãos para melhor explicar, respondeu que não pretendia almoçar naquele momento, mas talvez depois, quando restasse só ele no salão de janta. Assim sendo, o mordomo consentiu e pediu licença para se retirar.

Durante todo o almoço, Ruan observava sem nada disfarçar, o comportamento de cada um dos que ocupavam os assentos, a maneira como movimentavam-se, os olhares que transmitiam, as expressões e até como saboreavam a comida. E num certo momento, Thalia percebeu que agora era alvo do olhar fixo do detetive e o talher que ela erguia com o alimento voltou ao prato; ela estava incomodada e sem graça com aquele homem que nem se importava de fitá-la daquele modo. Acaso ele não sentia rubor ao encarar demasiado uma pessoa e ser notado? Mas ao contrário, mostrava uma tranquilidade absurda e nada lhe parecia vergonhoso. Thalia pensou em desviar o olhar, mas viu que o detetive moveu a caneta e anotou algo no caderno. Seria uma observação a respeito dela? E franziu a testa, tentando adivinhar o que o detetive escrevia com tanta cautela. Notando pois que o pai a fitava, Thalia baixou o rosto e movimentou o talher, sem muito gosto. Mas seu pai pôde reconhecer o incômodo da filha e virou a cabeça para o lado, lançando um olhar ponderado ao detetive, que já voltara a observá-los.

- Vai ser sempre isso? - indagou a Sra. Arantes ao marido, que voltou o olhar para ela num movimento brusco.

- O quê? - ele perguntou, sem compreensão.

- Vamos ser observados até enquanto comemos?

- O que quer que eu faça? - jogou os ombros para frente enquanto murmurava e olhava discretamente para o detetive - que eu expulse ele daqui? Está fazendo seu trabalho.

- Seu trabalho - repetiu, com um ar de aborrecimento e baixou o tom da voz -Ele não para de nos vigilar!

- E você nunca para de reclamar.

~*~

Já à noite, quando a mansão ficava mais calma e a janta já havia acontecido, Ruan resolveu subir para seu quarto. Tendo subido a escada, olhou para o corredor esquerdo que não era o de seu quarto e a curiosidade falou mais alto, quis saber o que havia lá, embora já imaginasse que eram os outros quartos e possivelmente entre eles o do Sr. e da Sra. Arantes. Virou a esquerda e caminhou em passos silenciosos; por trás de uma porta entreaberta ouviu pequenos barulhos e murmúrios, então se aproximou da porta e devagarinho a empurrou. Era o Sr. Arantes que estava a remexer numa caixinha de madeira.

- Está tudo bem, Sr. Arantes? - perguntou-o, prestando mais atenção na caixinha que ele segurava.

- Sim - afirmou, percebendo a presença do detetive e o recebendo com desprezo. A afirmação foi como uma frase não terminada, o que fez Ruan duvidar.

- O que é? - Ruan perguntou se referindo à caixinha que virava instrumento de rígida exploração nas mãos do homem, como se ele tivesse perdido dentro dela sua reputação. E se aproximou Ruan cuidadosamente dele.

- É a caixinha de jóias de minha mãe - explicou, largando a caixinha do lado e soprando um ar de desapontamento, que intrigou o detetive.

Ruan pegou a caixinha para espioná-la detalhadamente, enquanto o Sr. Arantes estava de costas remexendo em alguns papéis espalhados encima de uma mesinha. Ruan remexeu nas jóias dentro da caixa e apanhou um colar de pérolas para observá-lo, mas logo o largou, sem muito interesse na jóia, e sim na caixa; havia algo naquela caixa que o fazia desconfiar. Seus dedos que tocavam o fundo o fez perceber coisa diferente, então ao levantar a caixa e olhar embaixo dela, notou um fundo falso e conseguiu arrancá-lo; por trás havia uma fotografia posta ao avesso. Ruan retirou a fotografia e a guardou ligeiramente no bolso no momento em que o Sr. Arantes se virou para ele.

- Bom, vou descansar agora - disse Ruan, fazendo menção de que ia sair -, amanhã será um novo dia e começarão as entrevistas. Por isso preciso estar bem descansado.

- Sim, claro - o Sr. Arantes concordou, mas sem fazer muito caso, e levou o detetive até a porta, dizendo-lhe as últimas palavras antes de fechá-la -, tenha uma noite tranquila.

Ruan refez o caminho do corredor e andou direto até os fundo onde ficava seu quarto. Ao entrar e trancar a porta de chave, ele retirou do bolso da calça a fotografia que encontrou no fundo da caixinha e sentou-se na cama, atraído por aquela deliciosa maciez do colchão e abrindo um suave sorriso. Segurou a fotografia na altura dos olhos e a observou. Uma senhora formosa e bem vestida, dona de cabelos acobreados que lhes eram muito familiar e um senhor com um nobre terno e segurando um violino, fez lembrar rapidamente das palavras do Sr. Arantes à respeito de seu padrasto ser um músico.

- A mãe e o padrasto do Sr. Arantes - ele disse sozinho com um máximo de certeza -, com toda certeza são eles.

Observou por mais uns segundos a fotografia e depois inclinou o corpo e puxou a última gaveta do criado-mudo ao lado da cama e pôs a fotografia sob alguns papéis, fechando a gaveta em seguida. Elevou o corpo e, ainda sentado, se deixou cair na cama com os braços dobrados atrás da cabeça e ficou com os olhos fixados no teto. O silêncio se expandiu no quarto, o vento entrava pelo janelão e levantava suavemente as cortinas, e só a luz da lua clareava razoavelmente o quarto. Nesse clima pacífico, foi ficando sonolento e seus olhos foram caíndo, até que pegou no sono.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 25/08/2016
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