~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. VIII
O Sr. Carlos Arantes conduziu o detetive a um corredor que dava entrada a algumas portas. De frente a uma delas ele parou e abriu-a com facilidade, uma vez que só estava encostada. Era uma sala não muito grande e um tanto simples, mas tudo estava bem colocado e tinha um visual agradável, uma escrivaninha de madeira, uma estante de livros e algumas decorações, somente. Não haviam janelas, portanto nenhuma luz natural podia clarear a sala, senão somente a luz da lâmpada.
- Aqui será seu escritório - dizia Carlos, parado na porta e deixando Ruan adentrar -, espero que tenha lhe agradado.
- Sim - Ruan consentiu, movendo só um pouco a cabeça para o lado, de modo que ainda nem podia ver o Sr. Arantes, mas com o olhar concentrado na estante e na escrivaninha. Deu a volta no móvel de madeira e depois passeou os dedos nos livros postos na estante. Não tinha muito o que explorar ali, a sala nem era espaçosa para enchê-la de diversões - Quem a ocupava?
- Na verdade era uma biblioteca - finalmente ele se deslocou para de frente à escrivaninha e passou a mexer com alguns livros que estavam sobre ela -, mas ficou pequena para tantos livros e precisei de uma maior. Então esta ficou abandonada.
Ruan continuou virado para a estante e puxou um livro que lhe pareceu interessante, folheou rapidamente e recolocou-o na estante.
- Deseja conhecer seu quarto agora? - perguntou o Sr. Arantes, que já havia se afastado da escrivaninha e estava com as mãos nos bolsos da calça, com a vista no detetive.
Ruan virou-se para ele, mas não o olhou, seu olhar caiu direto sobre a escrivaninha. Levantou a capa de um dos livros e baixou-a sem demora, depois levantou o livro para visualizar o outro que estava abaixo. Enfim, ergueu a cabeça para responder àquele que parecia ter esquecido que ainda permanecia em sua frente.
- Não será preciso - disse Ruan -, eu dormirei aqui.
- Aqui? - Carlos indagou, apontando para o chão da sala e franzindo a testa.
- Sim - sentou-se na confortável cadeira de acolchoado marrom e por um instante sentiu falta das rodinhas, para nesse momento deslizar a cadeira um pouco para frente, como fazia com a de seu escritório na agência de detetives -, aqui tem tudo o que posso precisar, estarei perto do salão principal e ainda é um espaço silencioso, me parece confortável.
- Mas temos um quarto vago que...
- Pode dizer ao mordomo que deixe minhas coisas lá - disse em adiantamento, menosprezando Carlos e desabotoando as mangas de sua camisa -, posso subir apenas para um banho, para me trocar e... Está bem, me mostre o quarto.
Ele se convenceu de que realmente era necessário subir com Carlos para conhecer o quarto e que aquela ideia de dormir na antiga biblioteca havia soado ao ridículo. No entanto, considerou que fosse apenas uma afirmação pressurosa por haver se agradado tanto do novo espaço, mas ainda preferiu acreditar que era devido ao seu instinto de desconfiar e que ali estaria bem atento ao movimento pelos corredores e outras partes da mansão. Acerca disso se pôs de pé, seguindo Carlos para fora da sala.
Os dois saíram do corredor e subiram a escada do salão principal que levava para os quartos da mansão. Ao total, eram sete quartos no andar de cima, exclusivos da família Arantes e hóspedes. Havendo um corredor para a direita da escada e um para a esquerda, eles foram pelo direito e no último quarto do corredor eles entraram. Diferente da antiga biblioteca, o novo quarto de Ruan era amplo e com uma arrumação demasiada elegante e impecável; neste sim havia um janelão que levava a uma pequena varanda de onde se podia ver todo o jardim lateral da mansão.
- É um de nossos melhores quartos de hóspedes - disse Carlos, com um ar de orgulho -, apesar de estar bem no fim do corredor. Seu enorme conforto só se pode contemplar uma vez que estando dentro.
- É o que se pode ver - Ruan concordou, admirado com a belíssima cortina vermelha e com detalhes dourados que deslizavam em suas bordas no janelão; também lhe maravilharam as decorações ricas em detalhes, os quadros em pintura impressionista e o abajur feito de vidro mosaico. Estava a se perguntar se estava mesmo no quarto certo.
- Bom, o deixarei conhecer melhor o quarto - disse Carlos, fazendo menção de que ia se retirar -, qualquer coisa de que necessitar é só pedir aos empregados.
- Tudo bem - falou Ruan, tirando os olhos do quadro na parede e virando o rosto para Carlos.
- Com licença - passou pela porta e vacilou antes de fechá-la -, ah, se precisar ter comigo estarei lá embaixo.
Ruan somente sacudiu a cabeça para mostrar que entendera e Carlos abandonou o quarto.
~*~
Beatriz estava conversando com seu filho Thiago no sofá da primeira sala, quando viu o marido descer a escada e acompanhou-o com um olhar curioso, até ele se sentar ao lado do filho.
- E o "excelentíssimo detetive Ruan Gaspar"? - ela perguntou, num tom de voz àspero e desdenhoso, ao ver que o detetive não havia descido com seu marido.
- Ele ficou no quarto - contou Carlos, sem fazer muito caso da esposa que entronchava a boca com discórdia. Então olhou para Thiago ao seu lado - e Celina, onde está? Pretendo conhecer o motivo pelo qual faltou ao colégio.
- Está no jardim com Thalia - respondeu Thiago, com o rosto na direção do pai.
- Vou até lá - Carlos se colocou num rápido movimeto de pé e caminhou até a porta de entrada da mansão, ao passo que o mordomo adiantou os passos para abri-la. Carlos deu a volta na mansão até encontrar as filhas do outro lado, a observarem o trabalho que Jacó, o jardineiro, fazia com os arbustos, que em poucos minutos se transformavam em obra de arte com a espantosa habilidade que ele tinha de mover agilmente o tesourão. Jacó era um homem já um pouco velho, seus cabelos brancos e suas rugas acusavam. Mas tinha um coração que Thalia definia maior e mais belo que todos os jardins.
- O que fazem aí? - perguntou Carlos para as filhas enquanto olhava com as sobrancelhas dobradas o que o jardineiro fazia. Jacó, ao notar a presença de seu senhor não deixou de fazer seu trabalho, todavia os movimentos da tesoura foram ficando mais lentos e ele sentiu-se um pouco tenso.
- Nada demais - respondeu Thalia, segurando a irmã contra seu corpo, com um tanto de carinho, enquanto fitava o pai -, só estamos observando o que Jacó está fazendo.
- E o que ele está fazendo? - indagou Carlos para Thalia, como se o próprio jardineiro não o pudesse responder. Na verdade, Carlos não se aprazerava muito de se comunicar diretamente com seus empregados.
Thalia já ia responder ao pai, mas Jacó se pôs de pé (estava agachado de frente ao arbusto) e deu dois passos para trás, deixando que Carlos pudesse contemplar a obra já terminada.
- Ah, um pato! - disse Carlos, observando o arbusto com a cabeça meio torta.
- Na verdade, é um cisne - disse Jacó, e não demorou a franzir os lábios e baixar o rosto em arrependimento, uma vez tendo percebido pela expressão furiosa de seu senhor que ele não havia gostado de ser corrigido, ainda mais por um empregado.
- Vou ver se já trouxeram um novo jornal - disse, num tom gélido, deveras não havia lhe agrado as palavras do jardineiro e se retirou dali, esquecendo até de perguntar à filha menor o por que de ter faltado ao colégio.
~*Continua...