~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. V
Depois que o Sr. Arantes conseguiu com êxito tirar o detetive Ruan de frente do quadro e feito ele tomar lugar no sofá, pediu que o mordomo os servisse café, contudo não pareceu agradar ao detetive.
- Perdão, mas eu preferiria um chá - disse Ruan, num tom moderado -, café me deixa um tanto exaltado e não ajuda muito na minha concentração.
- Como quiser - falou o Sr. Arantes, consentindo e lançando o olhar para o mordomo de pé ao lado -, Robison, um chá para o detetive Gaspar e café para mim.
- É para já, meu senhor - disse o mordomo, que pediu licença e foi para a cozinha.
Na cozinha, Maria, a cozinheira da mansão, limpava a pia de pratos enquanto a faxineira, Tayná, estava sentada no balcão e ambas conversavam e quando o mordomo entrou na cozinha o receberam com menosprezo e continuaram a conversa.
- Maria, um café para o Sr. Arantes e um chá para o Sr. Gaspar - ele disse interrompendo o falatório e apoiando os punhos sobre o balcão.
- Gaspar? - Maria indagou, o fitando com dúvida - é um novo amigo do Sr. Arantes?
- Não, é o detetive que ele contratou.
Com essa afirmação, a faxineira virou o pescoço para o mordomo e seu semblante muito iluminado acusou de ansiedade.
- O detetive já está aí? - perguntou Tayná, dando um pequeno salto do banquinho com demasiada empolgação e depois olhou para Maria - Maria, deixa que eu sirvo os senhores.
- E o que foi agora, menina? - Maria a observou com intriga, ao passo que ponhava a bandeja sobre o balcão e preparava as xícaras - por que essa vontade toda de servi-los?
- Eu vi a foto do detetive numa matéria do jornal e ele é um pão doce, Maria! Como aqueles que você faz e que dá água na boca - contou, colocando o cotovelo sobre o balcão e amassando a bochecha com o punho fechado, sem deixar de lado a expressão felicitante e o brilho no olhar. Ela tinha vinte e cinco anos, olhos verdes e usava os cabelos negros presos num coque alto, o que era norma de seu serviço.
- Menina! - Maria vociferou num tom repreensivo ao ver como Tayná se expressava ao falar do detetive.
- Depresa, Maria, depressa! - Tayná insistia, dando saltos e olhando rapidamente para a porta de saída da cozinha.
~*~
O Sr. Arantes estava sentado no sofá que dava visão para a porta do salão de janta e o detetive Ruan no outro que ficava de costas para a escada. Ruan abandonou a posição relaxada no sofá e se inclinou para frente, deitando os braços sobre as pernas e unindo as palmas das mãos, enquanto o Sr. Arantes continuava na mesma posição, pernas cruzadas e o cotovelo sobre o braço do sofá.
- Eu gostaria de saber algumas coisas sobre sua mãe - dizia Ruan, com o rosto um pouco inclinado e o olhar mais para cima para poder mirar aquele que estava ao seu lado, uma vez que Ruan estava com o corpo esquivado -, se importaria?
- Anh... - tardou a responder.
- É claro que não - Ruan o cortou de imediato, respondendo por ele, e recostou-se no sofá, retirando do bolso da calça um pequeno caderno que o Sr. Arantes logo reconheceu ser o mesmo que viu no escritório do detetive na agência, e uma caneta vermelha. Abriu o caderno e apertou o botão da caneta para ativá-la - Como ela se chamava?
- Eloise.
- Você disse que sua mãe faleceu... Qual a causa da morte?
- Ela morreu afogada, foi num passeio de bote que eu, minha esposa e ela fizemos numa viagem ao exterior - ele foi retratando e se perdendo em mil lembranças, com o olhar congelado no jarro de flores encima do centro decorativo diante dele - Era um dia nublado, o rio estava um pouco agitado, não sei por que resolvemos passear no bote. Então subimos todos e mais o guia.
Ao passo que o Sr. Arantes descrevia a cena esquecida entre as coleções de casos do passado, Ruan mantinha o olhar fixo em cada expressão dele; as rugas que se formavam, o olhar perdido no jarro, os lábios pronunciando cada palavra e os gestos que fazia com as mãos; sem interrompê-lo em nenhum instante.
- Tudo parecia estar bem, logo regressaríamos à margem! - o Sr. Arantes continuou o relato, mudando repentinamente o semblante, mostrava agora uma expressão de indignação e repulsa - mas de repente o tempo mudou, tudo mudou... Uma chuva caiu e o rio começou a encher. A força da água era tanta que o bote acabou virando e fomos arrastados pela correnteza!
Nesse instante em que o Sr. Arantes só faltava se pôr de pé no sofá para demonstrar como ocorrera o fato e o detetive Ruan se lançava cada vez mais para frente na ânsia de saber o desfecho da história, Tayná apareceu com uma bandeja nas mãos com as bebidas dos senhores e se pôs entre os dois, interrompendo-os.
- Aqui está seu chá, detetive Ruan Gaspar - inclinou-se para serví-lo a xícara com o chá, aproveitando para pregar os olhos no rosto dele, todavia ele estava com toda a atenção sobre o Sr. Arantes e quase não a observou.
- Obrigado - disse Ruan, segurando a xícara e esperando que a empregada servisse o Sr. Arantes para poder tomar do chá.
Mesmo sob o menosprezo do detetive, Tayná desfilou com seu jeito estimulante para servir o seu senhor no outro sofá, acerca disso ele esticava o pescoço para o lado com a intenção de desviar da empregada que estava em sua frente e o empatava de ver o detetive.
- Estávamos todos em pânico, detetive Gaspar - ele dizia, enquanto pegava a xícara com o café e demonstrava um olhar dramático a Ruan. Fez uma pausa e ergueu o olhar para a empregada que permanecia de pé no meio deles - obrigado, Tayná, já pode sair.
- Com liçença, senhor - disse ela com o Sr. Arantes, enquanto ele ficou em silêncio. Em sequência jogou o olhar para Ruan e mostrou-lhe um sorriso convidativo-, com licença.
- Toda - falou Ruan, fitando-a rapidamente e deixando-a se retirar. Ela deixou o salão principal, mas seus olhos por pouco não ficaram pregados no detetive. Ele, dedicando agora sua atenção ao Sr. Arantes e somente a ele, meneou a cabeça de baixo para cima dando-o liberdade para prosseguir com os relatos.
- Onde eu parei? - perguntou, um pouco disperso.
- No pânico - lembrou-o, levando a xícara até a boca e tomando um gole do chá, que de imediato identificou o seu sabor, era camomila, um de seus chás prediletos.
- Sim - sentou-se mais na ponta do sofá, largando a xícara no centro e voltando a falar com centenas de gestos com as mãos que sacudiam rigorosamente e quase faziam Ruan surtar ao acompanhá-las -, ficamos em pânico, desesperados! As águas se encontravam e se batiam diante de nós, nos afastando uns dos outros... Não vi mais ninguém, meus braços batendo na água faziam muito barulho e a chuva deixava tudo mais turvo. Consegui me segurar num tronco suspenso na margem do rio e avistei o guia vindo em minha direção com a força da água que o arrastava, mas consegui segurar sua mão e ele abraçou o tronco.
- E o que sucedeu? - indagou Ruan, com um ar de entusiasmo e inclinando-se pouco a pouco para frente.
- O guia conseguiu agarrar uma das bóias do bote que o rio trazia e havia uma corda amarrada à ela. Eu ouvia minha esposa gritar mas não conseguia vê-la... Até que a vimos quase do outro lado, sendo arrastada brutalmente pelas águas. O guia prendeu a corda amarrada na bóia no tronco e lançou a bóia para minha esposa, ela agarrou e o guia foi puxando-a. Quando já estávamos os três a salvos, eu perguntava por minha mãe e Beatriz, minha esposa, disse que a viu se afogar e tentou o màximo segurá-la, mas as águas estavam muito agressivas... E ela não conseguiu. - parou por um instante de falar e soprou um ar melancólico que hipnotizou Ruan durante longos minutos. Um pouco depois, voltou a falar, mas o detetive não tirou da mente a expressão triste daquele homem - foram quinze dias de busca por minha mãe por todo o rio... E nada.
- Nossa, foi algo realmente trágico - disse Ruan, recostando-se no sofá e segurando imóvel a xícara no vão -, meus sentimentos.
- Obrigado.
~*Continua...