~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. III
Na manhã do dia seguinte o Sr. Arantes se aprontou para sair da mansão. Quando o mordomo lhe abriu a porta, a Sra. Arantes apareceu descendo a escada, havia acabado de tomar a ducha após acordar e passava delicadamente os dedos entre os cabelos acobreados. Ela estranhou vendo o marido sair.
- Aonde você vai? - perguntou, nos últimos degraus da escada.
- Oh! Achei que estávamos brigados - ele disse, fazendo uma pausa no caminhar e girando lentamente o corpo para ela.
- Eu te fiz uma pergunta - o tom da voz suou tão rígido que conseguiu intimidá-lo.
- Vou à agência de detetives. Aonde mais seria?
- Não, não posso acreditar que persiste com essa...
- Psiu! - ele pôs o dedo indicador sobre os lábios, pedindo que Beatriz ficasse em sigilo com um olhar de advertência, coisa muito incomum nele para com a esposa -, já decidi e estar decidido. Até logo.
Ele atravessou a porta e se foi, ao passo que Beatriz batia o pé no chão com muita ira. Ela odiava quando pedia que o marido não insistisse com algo e ele desacatava sua ordem.
No alto da escada apareceu Thalia, a filha do casal, eles tinham ela e mais uma filha de seis anos e um filho de vinte e três; Thalia estava com vinte e um. Ela também acabara de acordar e vinha do quarto, todos os quartos da mansão ficavam no andar de cima.
- O que houve, mamãe? - perguntou, ao flagrar a mãe se batendo de raiva. Sua voz ainda estava um pouco adormecida, mas irradiava um tanto de paz que estava em harmonia com seus traços delicados e com o vestido azul marinho, de renda nas mangas que iam até os pulsos. Tinha olhos cor de mel e cabelos num tom quase alaranjado, bem parecidos com os de sua mãe e também com os de sua avó materna. Os cabelos estavam presos num coque despojado que combinava muito com a franja curta.
- Seu pai teve a ideia de contratar um detetive para investigar o sumiço das lembranças de sua avó - disse com desdém ao citar a palavra "detetive" e sentou-se no sofá, mas ainda sentia muita raiva queimar seu peito por dentro.
- Detetive? - repetiu, alcançando o sofá em que sua mãe havia se sentado e franzindo o cenho.
- É, um tal de Rian... Como se chamava mesmo? - esfregou o queixo, esforçando-se para lembrar do nome que foi citado na conversa de seu marido com Henrique Sanches no dia anterior.
- Ruan Gaspar, minha senhora - disse o mordomo no canto da parede. Apenas Thalia virou o rosto para ouví-lo, mas a Sra. Beatriz nem sequer o olhou, tão somente recebeu aquelas palavras como uma resposta que já almeja conseguir.
- Isso, Ruan Gaspar - ela confirmou, pondo-se de pé e indo para o outro salão.
- Ruan Gaspar... Esse nome não me é estranho - dizia Thalia, a refletir de pé ao lado do sofá.
- Deixe-me ajudá-la, senhorita Thalia - o mordomo deixou um pouco de lado a rígida postura para se expressar melhor, assim também era mais conveniente à Thalia, que não achava necessidade de tanta reverência e desigualdade entre ela e os empregados, uma vez que gostava de estar e conversar com eles, como se fossem mais que empregados, mas também amigos e até mesmo parte da família -, Ruan Gaspar é o mesmo detetive que solucionou o caso do desvio na empresa Ouros. Lembra?
- Verdade? - seu semblante mudou de repente, de calmo para espantado - então não estamos falando de um detetive comum, mas de um extraordinário detetive! Pelo pouco que sei dele, é perito em solucionar qualquer tipo de casos, dos menores aos maiores, de uma maneira surpreendente!
Ela se calou após essas palavras e permaneceu assim, só a pensar em tudo o que já ouvira desse detetive e que possivelmente logo ele estaria na mansão.
~*~
A agência de detetives particulares à qual Carlos chegou ficava do outro lado da cidade e até o prédio era discreto. Ao entrar e perguntar pelo detetive Ruan Gaspar, o direcionaram até uma sala nos fundos e ficou sem muito entender quando lhe disseram: "aí está a sala do senhor das desconfiaças!", foi uma exclamação com uma risada debochada para terminar e bateram na porta.
- Não se assuste se ele resolver verificar os seus bolsos ou quiser espiar o céu da sua boca com uma lanterninha para descobrir se esconde algum chiclete - disse em gozação um funcionário que o acompanhara até a porta da sala e depois voltou ao seu lugar de trabalho.
- Entre! - ouviu-se de repente uma voz masculina de dentro da sala.
Carlos girou a maçaneta e empurrou lentamente a porta, tendo primeiro a visão de uma pequena mesa e no fundo um Armário Arquivo de aço. E numa cadeira diante da mesa estava sentado um homem de boa aparência, aparentava ter uns vinte e oito anos; tinha cabelos num tom claro e com um corte social, olhos castanhos e um discreto cavanhaque; vestia uma camisa social branca com um colete preto por cima, calças e sapatos sociais, ambos pretos também. Estava lendo algum papel nas mãos e levantou o rosto quando viu a porta se abrir.
- Detetive Ruan Gaspar? - Carlos indagou com dúvida, à medida que colocava o primeiro pé no escritório.
- Sou eu - disse o detetive, estimulado a indireitar a plaquinha sobre a mesa com seu nome gravado -, posso ajudá-lo?
- É o que espero - se aproximou da mesa e estendeu a mão para cumprimentar o detetive que já se pusera de pé - prazer, Carlos Arantes.
- O prazer é meu - apertou sua mão e em sequência fez um gesto com o braço para que se sentasse na cadeira em frente à sua, e Carlos se sentou, ao mesmo tempo que o detetive também o fez - em que posso ajudá-lo?
- Não sei se é uma justa causa pela qual venho procurá-lo - dizia, ao passo que o detetive colocava os cotovelos sobre a mesa e entrelaçava os dedos das mãos na medida do queixo, para ouvi-lo -, mas foi um amigo meu que me sugeriu sua ajuda para solucionar um mistério na mansão em que vivo.
- E qual seria esse mistério? - levantou uma sobrancelha ao indagar.
- É muito intrigante e ao mesmo tempo soa ao ridículo - fazia rodeios no imenso desconforto que era estar diante de um detetive para contar-lhe algo daquele tipo. Fez uma pequena pausa, na expectativa de ouvir alguma interrupção, mas o detetive somente consentiu, atencioso -, é que coisas que pertenciam à minha falecida mãe estão subitamente desaparecendo da mansão.
- E que coisas são essas? Pode me citar? - deitou o braço direito sobre a mesa e começou a mexer com uma caneta.
- Fotografias, jóias, roupas... E o mais recente foi seu diário.
- Hhm...
Aquela ausência de palavras na última fala do detetive levou Carlos a pensar que talvez estivesse mesmo bancando o rídiculo por ter o procurado para mencionar algo tão bobo. Até que o detetive se levantou da cadeira e caminhou até a porta, no que Carlos precisou se virar para observá-lo.
- Me alegra ter me procurado para algo que não se trata de uma suspeita de traição, ou coisa parecida - dizia o detetive, dando batidas na porta levemente com os dedos e depois colocando os braços para trás. Soprou um ar de expiração
- já estou farto desses casos. É bom escutar algo novo.
~*Continua...