~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. II

Carlos permaneceu alguns segundos em silêncio, contia um olhar de cálculo centrado na parede, enquanto Henrique aguardava uma resposta do amigo e desfrutava do momento de silêncio para saborear do café que o mordomo os servira. Levou a xícara até a altura do queixo e franziu os lábios, para não se queimar com o líquido quente.

- Não sei, quiça não seja um caso merecedor de tanta engenhosidade - disse Carlos por fim, quando o amigo ainda tomava o primeiro gole do café.

- Não o creio - disse após apoiar a xícara sobre o pirex na perna e fixar o olhar no rosto de Carlos -, se muito te aflige o sumiço dessas lembranças, não é verdade?

- Sim, de fato - desviou a vista da parede para concentrar-se no companheiro -, mas será necessário chamar um detetive particular tão perito que é Ruan Gaspar nesse caso? Além do mais, ele deve exigir um alto pagamento e muitas outras coisas que são dígnas de seu extraordinário trabalho.

- Meu amigo Carlos, esteja de acordo comigo que dinheiro nunca lhe foi um problema - elevou a xícara até o alto e pausou diante da boca, para antes terminar as palavras - e que se realmente almeja ter de volta tudo o que desapareceu, deve fazer o máximo que puder e o que for preciso.

Sem deixar de ouvir as palavras do Sr. Henrique Sanches, a Sra. Beatriz, que estava parada no meio da escada, desceu com rapidez e dirigiu-se até o lado do marido, interrompendo a conversa.

- Você não vai contratar esse tal detetive, vai? - indagou de braços cruzados, lançando um olhar de ameaça para o marido, era o mesmo olhar que sempre apresentava a ele quando pretendia intimidá-lo e fazer que mudasse de ideia, ora isso não era o suficiente quando ele estava junto a Henrique e se sentia mais autoritário que ela.

- Eu estava em dúvida, até esse instante em que você me pergunta com tanta repulsa - se pôs de pé diante de Beatriz, encarando-a com adversidade - e por causa dessa sua reação, decido que sim, vou contratar o detetive Ruan!

- Isso é ridículo, Carlos! - ralhou, fechando com demasiada força os punhos na altura das coxas e franzindo a testa - contratar um detetive só para investigar o sumiço de umas coisinhas velhas de sua mãe!? Por que não o pede também para que lhe ajude a investigar por que as cirolas que você usa para dormir têm bolinhas e não quadrinhos?

- Beatriz! - falou entre os dentes, jogando o olhar para o lado para lembrá-la de que Henrique ainda estava ali - por favor, se retire daqui.

- Me retirarei, mas só se antes ouvir de você que não vai adiante com essa ideia de detetive!

Henrique assistia imobilizado a discussão do casal em sua frente e achou perigoso interferir, mesmo assim ergueu-se do sofá e se aproximou dos dois, com as mãos unidas e encolhidas na altura do pescoço.

- Se me permite dizer algo, senhora Beatriz - disse com receio a olhar para a mulher que bufava de raiva.

- Cale-se, Sr. Sanches - ela se apressou em dizer antes que Henrique continuasse e olhou-o cheia de intiriga, à medida que desprezava aquele que a contrariava, ao seu lado -, acho que o Sr. já disse mais do que devia.

O Sr. Henrique Sanches considerou essas palavras com respeito e ficou quieto, voltando a se sentar e disposto a acompanhar o desenrolar da discussão. Entretanto, Beatriz respirou fundo para conter a cólera, aproximou bem o rosto ao de seu marido e este esquivou-se um pouco para trás, sentindo a respiração de Beatriz em sua face. A verdade era que se frente ao amigo ele se mostrava autoritário e firme, a sós com a mulher era um homem fraco e sem palavras, cheio de medo e pobre de opinião, porque era assim que a voz opressiva de Beatriz fazia ele se sentir.

- Então está bem, contrate o detetive - ela disse, se virando para sair e virando o rosto para o lado para fitá-lo -, mas o aviso que estamos brigados apartir de hoje.

Carlos sacudiu o ombro em sinal de pouca importância e esperou em silêncio Beatriz sair do salão. Nisso, virou-se para olhar para Henrique sentado no sofá, este de imediato se pôs de pé diante dele.

- Eu peço desculpas, não quis ocasionar essa discussão - disse Henrique, unindo as palmas das mãos abertas na altura do peito e com as sobrancelhas dobradas. Estava realmente sentido com a discussão, nunca hesitava em demonstrar seus sentimentos a quem fosse e Carlos sabia bem disso.

- Não tem por que se desculpar, meu amigo - aproximou o rosto ao de Henrique e pôs a mão ao lado da boca como uma barreira, para o revelar algo em sussurros -, eu vou seguir seu conselho. Tem o endereço do detetive?

- Sim - balançou a cabeça de cima para baixo, confirmando -, tem um papel onde eu possa anotar?

- Ah, sim - olhou na direção da porta da outra sala onde estava de pé o mordomo, disponível para qualquer precisão de seu senhor. Tendo notado rapidamente o olhar do Sr. Carlos, ele atravessou a sala e se aproximou - Robison, me consiga papel e caneta.

- É para já, meu senhor - era o que mais dizia quando não "com licença, meu senhor", isso ele disse logo em seguida, indo direto à segunda gaveta da pequena estante naquele mesmo cômodo e tomando nas mãos um pequeno caderno de notas de capa preta e uma caneta dourada.

- Aqui estão, meu senhor - mostrou-os e o Sr. Carlos os tomou agradecendo, contudo sem olhar para o mordomo - algo mais?

- Não, não, pode ir - fez gestos com as mãos para dispensá-lo e entregou os objetos a Henrique com um sorriso simpatizante -, tem memorizado o endereço?

- Sim - afirmou Henri de um modo muito natural, o que iluminou o semblante de Carlos, como se passasse a admirar bem mais o amigo depois disso. Em toda sua vida Carlos havia conhecido muitos senhores de sua mesma classe social, feito amizades e compartilhado ideias e jantares com eles, mas Henrique foi ao que mais se apegou, talvez pela sua natureza tão pacífica e por sempre ter boas ideias e opiniões. Sem contar as brincadeiras que só eles sabiam e que os outros não entendiam, porque eram coisas só deles -,esse é o endereço.

- Deixe-me ver - pegou delicadamente o caderno das mãos de Henrique e observou. Depois levantou o rosto para sorrir para o amigo -, obrigado, Henri. Vou procurar esse detetive o quanto antes.

- Bom, preciso ir agora - Henri se levantou de supetão ao mirar o relógio na parede que marcava 16:00h da tarde.

- Mas, já? Fique um pouco mais! - disse Carlos, se pondo de pé do mesmo modo com um olhar deprimido para o amigo.

- Eu gostaria - foi dizendo à medida que Carlos lhe deu espaço e esticou o braço para fazê-lo passar e depois acompanhou-o até a porta. Nesse meio tempo o mordomo já estava ali pronto para abri-la -, mas tenho ainda alguns assuntos a tratar com o Sr. Casmurro.

- Entendo - meneou positivamente a cabeça e manteve as mãos unidas nas costas -, sobre a venda da fazenda, estou certo?

- Isso mesmo. Acredito que ele está realmente interessado em comprá-la - esperou o mordomo abrir a porta e feito isso, despediu-se do amigo - até mais, amigo.

- Até mais, Henri, e boa sorte com o Sr. Casmurro.

- Obrigado.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 17/08/2016
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