Tintas da noite

TINTAS DA NOITE
Miguel Carqueija


(UMA HISTÓRIA DA PORTA DE CRISTAL)

À sombra da torre de purificação atmosférica, Rita e Ariel observaram as muitas aeronaves que congestionavam o céu naquele crepúsculo, um crepúsculo que espalhava uma cor de mata-borrão enquanto não vinha a noite verdadeira.
Não havia muito tempo para devaneios, mas as duas eram, apesar de suas atividades pouco convencionais, mulheres sensíveis. A purificação do ar resultara na melhor visibilidade das estrelas, que começavam a aparecer.
— A Porta de Cristal... — murmurou Ariel.
— O que tem?
— Como o que tem, amiga? Trabalhamos para ela. Não podemos ficar paradas contemplando o crepúsculo, temos de agir.
— Então não sei disso? Mas somos humanas, apesar de tudo...
No outro lado da grande Praça Auricular existia um espigão gigantesco, cujo arcabouço moderníssimo era à base de magiplast e vidro cristalino. Ali ficava a sede da Peristalt, a poderosa mega-corporação que nos últimos anos crescera tanto e, segundo as informações secretas obtidas pela Porta de Cristal, era grandemente responsável por muitas das desaparições de seres humanos que se verificavam hodiernamente. O Dossiê Peristalt, que o Chefe mostrara a elas em parte, afigurava-se algo terrificante: como uma Umbrella da vida real, estendendo tentáculos malignos no Estado, na iniciativa privada, na sociedade em geral e através de vários países.
A Peristalt.
Como sempre, as agentes de campo da Porta não sabiam de onde vinham as informações que a chefia utilizava com tanta desenvoltura. Desta vez, porém, a magnitude do serviço era de maneira a apavorar até mesmo agentes calejadas e brilhantes como Rita (a Tigresa) e Ariel (a Esquila). A Peristalt era um gigante comercial, com influência na política e um grande número de agentes particulares treinados para matar, uma verdadeira máfia comercial/industrial.
A Porta nunca se defrontara com um adversário desse nível. Não era a sua ocupação habitual.
Teria a Porta de Cristal, alçada para uma guerra a esse nível? Não estaria a Porta de Cristal, que geralmente passava despercebida a essas potências, pondo em risco a sua própria sobrevivência?
— Vamos — disse enfim Ariel. — Se formos feridas, o Doc dá um jeito.
— Lembre-se de que ele não é Deus. Que é que ele vai fazer se em vez de feridas nós formos mortas?
— Uma boa autópsia, é claro.
Atravessaram a rua. Sabiam que aquele arranha-céu não era acessível ao público além de certo andar. Como na série ROD, a sede da Dokuseisha que as manipuladoras de papel Maggie, Michele e Anita King assaltaram para libertar Sumiregawa Nenene. Mas Ariel e Rita não eram super-heroínas, não possuíam poderes telecineticos e consequentemente também não pensavam em assaltar a sede da Peristalt. Só iam fazer o papel de espiãs — o que de fato elas eram. E espiãs estão sempre na corda bamba ou no fio da navalha.
É bem verdade que milhares de pessoas circulavam diariamente naquele prédio, até uma certa hora da noite. As duas agentes da Porta de Cristal possuíam razoável experiência em infiltrações.
O saguão da Peristalt quase perdia-se de vista. Tudo era brilhoso e asseado, uma boa firma terceirizada fornecia uma equipe de primeira de robôs faxineiros. Ariel e Rita olharam em volta; gostariam que houvesse mais gente, por outro lado àquela hora o número de funcionários já era bem menor. Uma coisa devia compensar a outra.
Perguntaram na recepção onde ficava o Museu do Alimento. A garota informou o sexto andar, e lá se foram elas para o elevador, não sem antes perceberem como havia seguranças uniformizados – fora é claro os secretas.
Havia muitos elevadores, um pequeno quarteirão de ascensores, quatro de cada lado. Nem todos paravam no sexto andar, ambas entraram numa fila pequena. A recepcionista alertara-as de que o museu fecharia em meia hora, como aliás quase todas as atividades do prédio.
Espantaram-se com o alto preço do ingresso. Felizmente não gastavam do próprio bolso, pois o velho Rubi lhes fornecia uma verba para o trabalho de campo. As duas adentraram o museu, atentas para todas as chances que pudessem facilitar o seu trabalho.
No local restavam, àquela hora, umas dez pessoas, fora dois funcionários que davam explicações a quem as pedisse, mas no momento estavam silenciosos — afinal, como de hábito em museus, cada sala tinha os seus cartazes explicativos. Eram apenas hologramas representando alimentos diversos, ou isolados — como mamões, uvas e bifes — ou em pratos completos, como feijoada, lasanha, rabada, salada de frutas.
— Dá vontade até de comer um desses hologramas... — sussurrou Ariel, de bom humor.
— Nem fale... já estou com o estômago vazio...
Dar um jeito de ficar por lá sem serem percebidas, explorar durante a noite os andares proibidos à visitação pública... tipo de missão impossível, que a Porta de Cristal só confiava a mulheres. Por alguma razão, o misterioso criador e chefe da Porta de Cristal não confiava em homens para missões de campo. E até aqui esse critério vinha dando certo.
O maior obstáculo para Rita e Ariel não eram os funcionários, mas os sensores. As câmaras dispersas pelo prédio, como em qualquer local onde houvesse vigilância, acabavam com o antigo romantismo da espionagem. Então era preciso dispor de recursos para burlar aquela vigilância que tirava a privacidade dos atos ilícitos. Nesse aspecto a Porta de Cristal era moderníssima e suas agentes bem equipadas.
O plano delas era espantosamente simples. Ficariam remancheando até que a sirena de encerramento de plantão soasse, os guias avisassem e o público remanescente começasse a evacuar. Elas fingiriam ir embora e se esconderiam em qualquer buraco, ligariam seus neutralizadores de câmaras e sensores e seguiriam adiante, até chegarem aos andares proibidos. Existiam coisas secretas lá por cima e a Porta de Cristal queria saber, queria provas contra o terrível inimigo.
Assim ficaram batendo papos inofensivos, até bobos, como estavam acostumadas a fazer para iludir vigilâncias. A meia hora passou rapidamente e logo funcionários especificamente encarregados da evacuação de visitantes começaram a circular pelos andares, avisando todo mundo que o prédio ia fechar por aquele dia.
Era hora de agir.
Às vezes, de tão acostumadas uma com a outra, Rita e Ariel se entendiam por simples olhares e acenos de cabeça. Assim fizeram daquela vez, quando era preciso economizar palavras.
Encaminharam-se ambas para o sanitário feminino daquele andar. Sabiam muito bem que, apesar da proibição, mesmo ali deveriam existir câmaras escondidas; mas sabiam também que havia passagens dos banheiros para locais ignorados da empresa. Quanto às câmaras, havia jeito de neutralizar aquelas pragas.
Ao entrarem, viram que lá se encontravam duas mulheres maduras. Uma gorda e outra magra, o que fez tanto Ariel como Rita se lembrarem de Laurel e Hardy.
As duas pareciam estar juntas e se entreolharam, como se estivessem incomodadas com a chegada das outras.
E aí as coisas começaram a acontecer.
— Não tem jeito — disse a gorda. — Que vieram fazer aqui no final do expediente?
Ato contínuo e sem esperar resposta, atirou uma bolsa preta e lustrosa sobre Ariel que reconhecendo uma bolsa de fumaça soporífera, rebateu o objeto, que foi parar na cara da agressora. O gás se liberou da ampola de superfície e a mulher afrouxou rapidamente, enquanto Rita pulava sobre a outra, torcendo para trás o braço quer já sacava uma arma.
— Idiota, aqui tem câmaras de segurança!
— Não tem! Nós as desativamos! Ai!
— E quem são vocês afinal?
— Somos do governo. Vocês duas estão presas. Me larguem!
— Como tem gente burra no mundo! É você quem está presa!
Ariel ajudou Rita a algemá-la. O fato da mulher não gritar por socorro confirmou que não pertencia à segurança da empresa.
— Que faremos agora? — indagou Rita.
— Que pergunta. Elas nos facilitaram, portanto...
Ariel pegou seu localizador de magiplast, imune à detecção de metais, e ambas procuraram a passagem secreta, encontrando-a por trás do chuveiro; com a ajuda da chave magica abriram-na e passaram para um ambiente que se iluminou automaticamente. Rita puxou a agente desacordada.
Rapidamente revistaram as duas e verificaram suas documentações.
— Que pretendem? — perguntou a agente que ficara acordada. — A cada passo que dão se complicam mais!
— Isso é problema nosso — replicou Rita, displicentemente. — No momento é você quem deve se preocupar.
— Olha aqui, ameaçar agentes federais...
— Talvez possamos nos aliar provisoriamente, pois é evidente que vocês duas estão investigando essa mafia. Vamos nos afastar dessa entrada. A, quer bloquear a passagem?
— É pra já. — Ariel, chamada de “A” por Rita para não ser identificada perto da estranha, utilizou um vaporizador de cola para prender a porta e impedir, pelo máximo de tempo possível, que fossem seguidas.
—Vocês são mesmo profissionais — disse a magra. — Quase posso jurar que são da Porta de Cristal!
— Não sei do que está falando — respondeu a Esquila. — R, que fazemos com essa outra? Carregar um peso desses...
— Vamos arrastá-la até que ela acorde. E você, Zulana, se é que este é seu verdadeiro nome, nos acompanhe. Não vai querer que a deixemos algemada aqui dentro.
A chamada Zulana, cuja cara dava feios esgares de raiva, conformou-se em acompanhá-las. Seguiram por um corredor descendente, o aparelho da Esquila detectando e anulando cada câmera que surgisse. A mulher gorda, chamada Vânia, começada a acordar, dando gemidos baixos.
— O que é que vocês estão investigando na Peristalt? — indagou Rita.
— Isso não interessa a você e essa cabelo-curto — respondeu malcriadamente Zulana. Esse epípeto de desprezo era usado por algumas mulheres voluptuosas para desfazer de damas que usassem cabelo baixo e tivessem peitos pequenos, consideradas pouco femininas. Ariel mostrou-se meio agastada:
— Já sabemos que você é arrogante, portanto não precisa dar mais demonstrações. Puxa, sua amiguinha pesa! Manda ela fazer regime, por favor!
— Ela já está acordando. Deixem-me ajudar, eu tenho sais de cheiro!
E sem esperar resposta pôs a mão num bolso interno da blusa, diante dos olhos arregalados das duas agentes da Porta, ocupadas em meio-erguer a obesa Vânia. Mas, não era uma arma que houvesse passado pela revista. Era mesmo um frasquinho de sais. As duas respiraram.
— Devíamos ter algemado para trás — falou Rita, puxando Zulana, enquanto Ariel tratava de fazer exatamente isso com Vânia enquanto esta estava sonolenta. Mas ao aocrdar de todo, a obesa agente federal começou logo a destratá-las com palavrões.
— R, me passe o vaporizador de água sanitária — Ariel foi taxativa, e Vânia empalideceu:
— Vocês não teriam coragem!
— Isso não vai te matar — Rita estava indignada. — Experimenta continuar nos xingando!
— Afinal o que vocês querem?
— É melhor obedecermos por enquanto — interveio Zulana. — Elas nos têm em seu poder, portanto...
— Não é hora de discussão — prosseguiu a Tigresa. — Vamos prestar atenção no caminho e trocar idéias. Mesmo algemadas vocês estão fazendo o que queriam, ou seja, explorar as passagens secretas da Peristalt.
As duas prisioneiras se entreolharam. Rita e Ariel tinham um jeito peculiar de convencer, e de fato a Tigresa falara a verdade.
Além disso, havia coisas que valia a pena observar. Afinal estavam num túnel de magiplast que subia, repleto de luzes e com excelente sistema de ventilação. Para que aquilo tudo afinal? Havia ainda, em alguns pontos da parede, algumas tomadas de robô, para reabastecimento.
— Como imaginávamos... vocês duas fariam bem em nos soltar e devolver as nossas armas. Quatro lutam melhor do que duas — observou Vânia.
— Acha que devemos... — começou a outra, mas Vânia acrescentou:
— É claro. Nós corremos perigo e podemos esquecer por ora nossas diferenças. Soltem nós duas!
Ariel e Rita se entreolharam.
— Devemos consultar...?
— Nada disso, celulares podem ser facilmente detectados no território inimigo.
— Temos um defletor infalível para esses casos — falou sarcasticamente Zulana. — Vocês estão com tecnologia desatualizada!
Rita e Ariel voltaram a se entreolhar, gesto sistemático nelas, como se fossem telepatas.
— Mostre isso — disse Rita.
— Está no meu cinto, é a própria fivela — disse a outra, tocando o objeto com as mãos algemadas. — E funciona permanentemente, não precisamos acionar. Ou seja, as conversas ao telefone não serão ouvidas.
— E se não for verdade? — Ariel era muito desconfiada.
— Se não for verdade nós estaremos prejudicadas também, é óbvio.
— Verdade — falou Rita, examinando a fivela. — Só olhando de perto, mas ela tem microcontroles e pode ser aberta. Que boa geringonça a sua!
— Mais respeito, sua amadora. Nós somos profissionais e utilizamos tecnologia de ponta!
Ariel sorriu, olhando para sua companheira:
— Pessoas assim infantis não são tão perigosas. Vamos embora, R.
Rita ligou o celular enquanto prosseguiam caminhando:
— É um risco, mas temos de correr.
Discou rapidamente e aguardou. Logo se ouviu a voz cavernosa:
— Onde estão?
— Chefe, estamos numa passagem secreta da Peristalt e com duas agentes do governo que algemamos. Elas querem nos ajudar enquanto estamos aqui dentro.
— O risco é muito grande, e depois lá fora? Essas uniões por conveniência são sempre efêmeras! Igual ao Santo com Claud Eustace Teal...
— Mas e se formos atacadas pela segurança da Peristalt? Até agora não fomos rastreadas...
— E o celular?
Rita explicou sobre o aparelho da agente.
— Está bem. Tomaremos nossas precauções, é claro. O que é que vocês descobriram até agora?
— Túneis — a Tigresa foi enfática.
— Pois bem. Tratem de pressionar essas duas a dizerem o que sabem. Porque sem dúvida elas sabem muita coisa que nós não sabemos!
— Diga a este salafrário — interrompeu Zulana — que se ele não sabe que a Peristalt trafica com órgãos humanos, é um grande simplório. Isso para ser generosa!
— Diga a essa...
— Chefe, não vamos baixar o nível! — Ariel estava animada com a revelação. — Para que se preocupar com o humor delas? Esse é um ponto super-importante!
— Sigam adiante e não me perturbem no momento. Estou querendo assistir um holodevedê de “Os Simpsons”!
A ligação foi cortada e Rita voltou-se para as duas prisioneiras:
— Pois bem. Vamos soltá-las, como ordena nossa intuição feminina, pois o perigo pode surgir a qualquer momento. Mas em troca vocês nos contarão essa história de órgãos humanos! Já sabem demais sobre a nossa organização!
— Só sabemos que o chefe de vocês tem voz de lobisomem rouco e é mal educado...
— Pior que ele é mal-educado mesmo — riu-se a Rita. Mas soltaram as prisioneiras.
Mesmo olhando-se com desconfiança elas foram seguindo, subindo degraus e rampas, até que uma grande comporta se abriu à sua aproximação, como se controlada por células foto-elétricas, e elas se viram num salão fantástico, repleto de painéis e armários que ostentavam órgáos humanos — talvez também de animais — em profusão, sob congelamento. Uma visão arrepiante.
— Gente, eles estão em nossas mãos! — exclamou sussurrando Ariel. Mas Zulana e Vânia não concordaram.
— Vocês duas estão simplesmente doidas varridas. Acham que se derrota a Peristalt simplesmente descobrindo suas atividades secretas? Ela usa a força, portanto... — e Vania fez um muxoxo.
— Por falar em força, vejam o que vem ali! — a exclamação de Ariel foi nervosa.
Rita, mais sofrida e mais experiente que Ariel, já empunhava uma arma de impacto.
— São robôs — explicou Zulana, desnecessariamente. — Se eles foram asimovianos, não temos com que nos preocupar. Se não forem...

INTRUSAS INTRUSAS MATAR ESMAGAR DESTRUIR INTRUSAS INTRUSAS MATAR ESMAGAR DESTRUIR

— Vocês ainda têm alguma dúvida? Protejam-se! — exclamou Ariel, buscando proteção atrás de um dos mostruários de carne.
Todas as quatro sacaram suas armas e deram início à batalha. Fácil aliás para as mulheres, já que agentes secretos oficiais ou particulares já carregam armas próprias para destroçar robôs não-asimovianos. Uma vez que se protegeram, alguns segundos de fuzilaria bastaram para acabar com os autômatos.
Mas estava escrito que aquela cena era de filme hollywoodiano de ação, mesmo. Uma voz feminina cortante bradou pelos auto-falantes:
— Atenção, intrusas! Vamos inundar a sala, portanto se rendam! Vocês não têm alternativa!
Logo uns dutos no teto começaram a jorrar água gelada, ainda por cima.
— Pelo menos não está fervendo! —observou Rita.
— Não fale alto, vai lhes dar idéia! — lembrou Ariel.
— Por falar em idéias alguém tem alguma? — perguntou Zulana .
— Mas é claro, agente governista! — Ariel estava triunfante. — Nós temos asas portáteis e, se aguentarem o peso da sua amiga, vamos pular as quatro daqui e escapar voando!
— Ah, sim, claro, sabidinha — contestou Vania. — Mas primeiro diga como vamos sair, pois não há nenhuma janela!
Rita e Ariel se entreolharam. Não tinham resposta para aquela objeção. Zulana sorriu com ar de superioridade:
— Pois é, sabidinhas. Nós, reles agentes do governo, temos um meio de escapar, combinado com suas asas voadoras: temos um removedor de paredes!
— O que? R, cada dia inventam uma nova tecnologia, essa nós precisamos conhecer...
— Preparem suas asas! A água está subindo, não podemos demorar!
Rita e Ariel tiraram os aparelhos de dentro da roupa, eram bem dobráveis e ocupavam pouco espaço. Então Zulana apotou para os móveis do outro lado:
— Protejam-se todas, vou lançar o removedor de paredes!
Quando ela mostrou o que era, Rita e Ariel correram para trás dos mostruários mais distantes, Ariel exclamando:
— Removedor de paredes? Sua maluca, isto é uma granada de mão!
— Chame do que quiser, é um removedor de paredes!
Zulana retirou o pino, atirou o objeto e pulou para trás de uma mesa, já previamente derrubada. A explosão não se fez esperar.
— O caminho está livre. Vamos, suas palermas! E traga, algumas amostras, depressa!
Mesmo as ameaças cessaram, não certamente porque os peristálticos estivessem amedrontados, mas por danos no sistema de áudio. As quatro saíram com as asas voadoras motorizadas, Zulana e Vania de carona, até irem parar num campo de futebol vazio, muitos quilômetros além. Era praticamente impossível que houvessem sido rastreadas.
As agentes federais, após uma descida dolorosa (principalmente para a gorda), já que estavam em posíção menos favorável, como caronas que eram, procuraram se recuperar e a primeira coisa que Vania falou foi: — Vocês duas estão presas!
Rita e Ariel se entreolharam, como sempre faziam em tais casos.
RITA — O que você acha, parceira? Enfiamos a mão na cara delas ou não?
— Que triste fim para uma amizade promissora... bem, nós podíamos mandá-las para...
— Sabidinhas — cortou Zulana — já chamamos nosso dirigível e vocês não terão como escapar!
— Somos mais que sabidinhas — respondeu Rita. — O que vem lá por cima ainda não é o seu dirigível!
As agentes fitaram, incrédulas, o planador azul que descia rapidamente em direção ao gramado, um pouso difícil na escuridão, mas auxiliado por poderosos holofotes existentes no aparelho. O veículo pousou a poucos metros das agentes da Porta de Cristal e um homem de óculos acenou:
— Prontas para embarcar, garotas? Detectamos a explosão, a encrenca é da grossa! E essas aí são as federais?
— Isso aí, Doc! — Ariel voltou-se para as duas mulheres perplexas e acenou para elas:
— A gente se vê por aí! Como dizia o Silvio Brito, abraços, tchau e bênça!
As duas embarcaram e ainda avistaram ao longe o dirigível do governo que se aproximava pachorrentamente.
— Aquela tartaruga não tinha a mínima chance...
— É claro que não, Ariel. Nada como a iniciativa particular, e viva a Porta de Cristal! Apesar de que... — e aqui Rita já se olhava num espelho portátil — por causa dela eu já ganhei meus primeiros cabelos brancos!