Refém da América
Situação de refém. Todas as forças especiais, de sequestro, antiterrorismo e de elite preparados. Mas é em nós que repousa a mínima esperança de que a mulher saia com vida deste pesadelo. Ela é a psicóloga do homem que ameaça a sua vida. Um veterano de guerra. Um atirador de elite condecorado, heroi de guerra e completamente louco. O exército atrai este tipo, pessoas que veem na batalha a oportunidade de derramar sangue sem consequências. E se esforçam ao máximo para conseguir alcançar este objetivo. Poucos sabem verdadeiramente a que custo as medalhas são conquistadas. Não são só inimigos abatidos, mas inocentes, mutilações, desmembramentos. Um atirador de elite é a peça mais covarde no tabuleiro, perde apenas para os políticos que enviam os soldados e criam as guerras em si e assistem de longe o desenrolar de suas escolhas. E claro, se nada der certo, os bombardeios são a nova moda quando o assunto é não saber perder.
A ideia é a tática de guerrilha. Um tiro que incapacite um combatente da ação sem matá-lo de imediato obriga outros dois oponentes a lhe carregar. Aprendemos esta lição da pior forma possível no Vietnã. Os afegãos tentam repetir a mesma fórmula, porém somos criados para lutar e crescemos caçando, amando as armas e nos preparando para o pior. Quando se trata de guerra nós somos os melhores que a humanidade tem a oferecer para fazer o seu pior: vencer a qualquer custo. Então não são só inimigos que incluímos na equação de guerrilha. Se uma mulher, uma criança também é resgatada quando atingidos nós atiramos neles também para distrair os soldados inimigos. É jogar sujo, eu sei, porém é eficaz. E isso é tudo o que importa.
Este homem com certeza fez isso e pior enquanto esteve em combate, agora que voltou para a civilização não sabe mais como conviver com as pessoas que não entendem o que é estar viciado no campo de batalha, em derramar sangue. Seus tiros entraram para a história, de quilômetros de distância ele era capaz de atingir seu alvo. Agora ele quer fazer o mesmo, tirar mais uma vida, mas de perto. A arma na cabeça de sua vítima sentindo a pulsação rápida, o tremor de seu corpo, a respiração ofegante, o arrepio de sua pele. O medo é inebriante como uma droga, causá-lo é se tornar um deus. Ele tem o poder da vida e da morte sobre ela e é assim que os negociadores interpretam sua ação. Como um lunático que perdeu a capacidade de se importar com a vida humana e que quer apenas desfrutar do poder de tirá-la.
Eles não vão convencê-lo a libertá-la. Mas eu sei o que ele realmente quer. Ele está propondo um desafio. Ele se expôs, o mínimo para ser visto, mas com pontos cegos suficientes para impedir que qualquer atirador possa acertá-lo sem acertar a sua refém no processo. Ele quer saber se alguém poderá atirar sem machucá-la, se alguém o fizer ele terá encontrado alguém páreo para si. Ele anseia pela competição, matar se tornou obsoleto. Ele não acredita que com todas as câmeras e cobertura da mídia alguém irá explodir a cabeça de uma psicóloga revivendo o pesadelo de Kennedy. Ele está errado.
Os herois da nação são os que estão prontos para pagar com suas vidas pelos erros de todo um povo. Não deveríamos lidar com os veteranos problemáticos que sobrevivem ao inferno que lhes impomos porque não deveriam haver guerras para começo de história. Não temos a mínima capacidade de lidar com as questões seculares que envolvem o Oriente Médio. Não damos a mínima chance para os nossos jovens e por isso eles acham tão atraente a ideia de entrar em uma escola metralhando a todos antes de se suicidar. Eles não deveriam nem ter acesso à armas. Os Estados Unidos nunca conseguiu ser um país, nós somos apenas uma desculpa para que a máquina de matar continue a cumprir sua função. Todos nós somos reféns da América.
Por isso homens como eu existem. Os bodes expiatórios, aqueles que carregam a culpa solitários para que não seja preciso encarar a origem dos nossos problemas. Eu aceitei pagar este preço há muito tempo. Então eu miro, me concentro, coloco o dedo sobre o gatilho, espero o vento estar ao meu favor e atiro. A bala atravessa o ar e com um zumbido rápido ela destrói o ombro esquerdo da mulher que vê o seu braço se separar do corpo explodindo em sangue. O projétil não para na sua frágil carne e desfaz a cabeça do homem que se arrebenta como uma melancia implodida. Dentes, cabelo, pele, cérebro, sangue, carne; tudo voa pelos ares.
Ele sabia que seria assim. Só atirei quando ele sorriu para mim ao ver o reflexo da minha luneta. Agora o sniper americano não é mais um símbolo de orgulho patriótico. O meu tiro acabou com tudo que Clint Eastwood criou em seu filme. Me perdoe, mas não há orgulho ou herois quando falamos em guerra. Minha missão está cumprida. Basta esperar para que eles venham me prender, julgar, condenar, me expor como um animal, como uma aberração e se esqueçam da parcela de culpa que carregam por sustentar esta sociedade. A hipocrisia nunca falha e jamais iremos verdadeiramente discutir as questões que precisam ser discutidas. Tudo se resume à insanidade individual, nunca vemos a loucura que é todo um país viciado na violência. Afinal, se as únicas certezas na vida são a morte e os impostos, por que não lucrar com isso?