Como é difícil fazer minha filha dormir

Ele era inflexível; ela era condescendente; ele não perdoava, ela era indulgente; ele era explosivo, ela era apaziguadora; ela queria reconciliar, ele queria...matar.

O mesmo fato, eles viam de forma quase que antagônica; era conflitante o juízo que faziam do mesmo episódio, e, lamentavelmente, prevaleceu a medida que ele adotou, e a morte se consumou.

A gravidez da filha, em outra circunstância, só traria alegria e felicidade para aquele casal, desejavam um neto, desde que o pai da criança não fosse ele, um miserável cantor em barzinhos da noite; como aceitar o vínculo da filha, com um menestrel, um seresteiro das madrugadas.

Ao contrário do que se podia esperar, o eventual “sogro” não procurou o eventual “genro”, mas sim...se deu o contrário; o cantador procurou o pai da donzela. As consequências desse encontro eram previsíveis, mas não com matizes tão acentuadas como se desenvolveram, foram trágicas: o pai morto, a mãe algemada no braço sólido de uma poltrona pesada; a menina grávida, em estado de choque, não afirmava nada com convicção, claramente dopada, e o principal suspeito...evadido.

Além do peso do crime cometido, pesava sobre o namorado um agravante; abandonara namorada dopada, e a sogra algemada...totalmente sem ação; tudo para fazer do assassinato, um crime inconcebível. Foi esse o quadro com que a polícia se deparou; atendendo ao chamado, anônimo, de uma vizinha, que ouvira a discussão e os disparos.

Foi uma busca incessante, afinal, um dos nomes de maior conceito na cidade foi brutalmente assassinado. Se todos os esforços da polícia se voltaram para a captura daquele elemento, logo ele se viu preso.

Quase que deram a sentença, antes mesmo que houvesse um julgamento, e, sem julgamento, o suspeito foi tratado como criminoso, as evidências todas apontavam para ele, antes mesmo que as testemunhas, mãe e filha da vítima, fossem ouvidas.

O relato da mãe coincidia, exatamente, com tudo aquilo em que todos imaginavam; um encontro revestido de emoções fortes, como forte foi a discussão que se seguiu, o namorado servindo uma dose, carregada de drogas para a noiva, uma arma apontando para o pai da grávida, e a mãe sendo algemada.

Quase que saindo de um transe, e de um colapso nervoso, o testemunho da filha da vítima mudaria , de forma consistente, o encaminhamento do trabalho policial. Mesmo à beira de um estado letárgico, na iminência de dormir profundamente, a menina se viu entre a cruz e a espada: ou deixar o namorado ser crucificado, por um crime que não cometera, ou denunciar a mãe... ela denunciou a mãe.

E foi a mãe quem tudo tramou, cuidadosamente: acertou um encontro com todos os envolvidos; serviu bebida alcoólica, de forma abundante, a todos que se encontravam presentes; colocou a droga no copo da filha; e começou a discussão, em altos brados, e quando julgou que o namorado da filha estivesse bêbado, e que a filha estivesse drogada, já sem discernimento; diabolicamente colocou um anel da algema em seu próprio punho; efetuou três disparos no marido violento, com o qual j[á não suportava conviver, e gritando, acusava o namorado da filha, o chamando de assassino, que desordenado fugiu do local, tão bêbado, que nem sabia, ao certo, se fora ele, ou não, o autor dos disparos.

De forma fria, e calculista, ela lavou seus braços, para evitar os resíduos da pólvora, escondeu a arma, e passou a corrente das algemas pelo braço da poltrona, fechando o outro anel no braço livre, ficando atada naquele móvel pesado, aguardando, pacientemente, a chegada a da polícia. Só não calculou, com exatidão, a dose da droga a aplicar na filha, nem que a filha fosse tão ingrata.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 01/07/2016
Reeditado em 02/07/2016
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