O ROUBO

– Uma semana inteirinha sem um ganho, Russo. Coma bem devagar. Assim não! está sendo guloso.

O cão dava saltos cada vez maiores e Caveira, de propósito, erguia mais o braço, afastando dele o biscoito. Num desses saltos, o animal caiu de mau jeito no cimento da varanda. Deixou de lado a façanha e saiu gemendo para um canto. Entrou em sua casinha e deitou-se, olhando com olhos tristes para o dono.

– Viu o que dá ser guloso? – disse Caveira, alisando o animal. Tendo se abaixado, dava-lhe agora na boca o biscoito tão ansiado. – É preciso ir com calma, meu amiguinho. Se papai não faturar logo uma grana, você poderá perder uns quilinhos. Mas, por enquanto, ainda temos o suficiente. Toma, aproveite – virou parte da ração no prato e Russo pôs-se a comer, abanando de felicidade a cauda.

A joalheria era a duas quadras da estação do metrô. O plano já estava definido e autorizado pelo chefe do grupo. Vadico não iria admitir nenhuma espécie de falha. Tinha total confiança no desempenho de todos os seus homens. Há anos atuavam juntos e este seria um a mais dentre os muitos assaltos que fizeram. Caveira era o sexto elemento, o mais novato. Por ser esta a primeira participação, iria como motorista. Não entraria, portanto, na loja, mas seria o controlador do movimento, o agente da fuga. Há três meses, Tião morrera nas mãos de policiais que faziam uma ronda na área, sem suspeitarem que, próximo dali estava havendo um assalto a banco.

Mas, descobriram ser roubado o carro em que Tião aguardava os comparsas. Este, precipitando-se, abriu fogo e acabou morrendo. Os tiros foram ouvidos dentro do banco, o que fez a quadrilha desistir do assalto e dispersar-se, tomando, cada um, destino ignorado.

Tião, juntamente com Calango, foram os únicos a caírem mortos durante uma investida. A quadrilha de nove elementos caíra para cinco porque outros dois foram eliminados, mas por ordem do próprio Vadico que não perdoou uma traição. Caveira só fora admitido porque cresceu com um deles, Nego, lá pelas bandas de São João da Barra e teve que vir às pressas integrar o grupo a tempo de tomar parte no assalto à joalheria. O apelido veio por conta da sua magreza. Quando falava, ofendia até o ar com sua voz de trovão, completamente desproporcional à compleição física. Era mesmo esquelético, alto, feito um varapau e parecia sacudir para todos os lados os ossos a caminhar.

Há dois dias do grande assalto, Caveira estava ansioso ao extremo. A falta de dinheiro vinha sendo uma constante ultimamente. A isso até conseguia se adaptar. Morava com Nego às expensas deste até que fizesse o primeiro ganho. O que o estava deixando maluco era a falta do pó. Como Nego não cheirava, não podia contar com ele. A maconha que dividiam não o deixava satisfeito. Ele saiu da varanda para se dirigir a Nego que estava na sala, em frente ao aparelho de tevê ligado.

– Vejo-o bastante agitado desde ontem, acho que já sei do que está precisando – disse o comparsa assim que viu Caveira passar por ele e atirar-se sobre a poltrona.

– Sei que não consigo te enganar; estou sem pó há três dias, desde que cheguei de São João. Se não cheirar esta noite vou ter um troço.

– Vou quebrar teu galho, em nome da nossa amizade e porque tu precisa tá ligado pro trabalho que temos daqui a três dias. Conheço um pessoal que vai trazer o pó ainda esta noite.

– Mas, não tenho a grana e nem você.

– Tô sabendo. Vou dizer: conheço umas vadias. Vamos encomendar uma noite daquelas, com muito amor, muita coca e, claro, um calote nas vagabundas.

Marcaram num hotel da Dutra e, conforme combinado, as duas apareceram; uma loura, outra morena e trouxeram a droga. Os quatro na mesma suíte entregaram-se sem limite a tudo que a carne pode exigir de prazer dos sentidos e de pecado. A morena, a mais esperta das duas, conseguira o pó; em dado momento da festa, soube ou intuiu a intenção dos rapazes. Sabia que estavam armados e que eram do bando de Vadico, portanto, reagir contra eles seria morte na certa. Para não ficarem totalmente em desvantagem sugeriu uma idéia que eles não desconfiaram. Aproveitando o estado de relaxação que sucede a atos entorpecentes, disse:

– Que tal terminarmos a noite com um ganho fenomenal?

– O que você sugere? Perguntou Nego, um tanto borracho.

– Muito simples: no silêncio da noite, um ataque repentino à recepção do hotel vai render uma graninha preta da féria de sexta-feira.

– E os seguranças? e a câmera? Não quero arriscar a sorte, temos um ganho certo na segunda à noite, grana pra lá de alta, pra deixar rico.

Mas, ela conseguiu convencê-los e eles agiram. A ação foi rápida e certeira. Sem muito barulho e sem muita demora. Um segurança rendido e desarmado e uma recepcionista amordaçada, após entregar dinheiro e alguns pertences. As duas não levaram o que haviam pedido, mas aceitaram a oferta sem muito reclamarem.

Caveira já não fazia lembrança de quanto tempo não botava a mão num dinheiro tão polpudo quanto este roubado ao motel. Mesmo depois de rachar pelo meio com Nego, sua parte era realmente grande. Foi mesmo um golpe de sorte até para as vadias e graças a elas, deveriam perder e acabaram ganhando também. E o assalto não poderia ter acontecido em momento mais apropriado, em que o segurança mal se mantinha acordado e toda a grana da noite e da tarde anterior encontrava-se na recepção para ser depositada horas mais tarde. Como era sábado, Caveira não via a hora de anoitecer para cair novamente na farra com as mesmas garotas e aprontar novamente o golpe em outro hotel.

Desta vez, não saiu, porém, conforme o planejado. Diria melhor, conforme o combinado, pois, se no assalto correu tudo bem, na hora da divisão da grana as meninas levaram a pior. Com o argumento de que o valor era muito inferior ao anterior, como realmente o era, tudo o que elas conseguiram não passou de um cala boca, uma consolação e olhe lá. Só que, o que eles não esperavam, aconteceu. Revoltadas, não perderam tempo em dizer a verdade quando foram reconhecidas e presas pela polícia horas depois do assalto. Entregaram os dois bandidos que passaram a ser caçados.

O primeiro encontro se deu na casa de Nego. Caveira não estava e essa foi sua sorte; Nego foi preso, sem opor resistência, menos de vinte e quatro horas para o grande assalto. Um homem a menos para Vadico. Precisou, então, refazer a estratégia. Uma reunião de urgência foi convocada para domingo à tarde em sua casa. Perguntado sobre a prisão de Nego, Caveira alegou total desconhecimento, mencionou na verdade o fator sorte que o fez passar aquela noite fora de casa e se livrar assim dos homens; é claro que ele nada mencionou sobre suas saídas com Nego e as meninas.

Há tanto tempo sem ver a cor do dinheiro e agora recheado de grana, pois a metade, que era de Nego passou a ser sua também, depois que encontrou-o no fundo de uma gaveta de seu quarto no dia seguinte ao assalto, Caveira não queria outra vida além de curtir noitadas repletas de prazer. Já há três dias não dormia, a não ser pelo dia, refestelado e satisfeito. A reunião no domingo à tarde foi para ele um sacrifício e tanto e acabou chegando a hora do assalto em péssimas condições.

Na madrugada de domingo para segunda lá estava ele, duas esquinas à frente, guardando a área, dentro do carro, enquanto a loja era arrombada e as jóias saqueadas. Qualquer anormalidade era só tocar o celular e os rapazes saberiam o que fazer para evitar suspeitas. Mas o sono traiu Caveira e tudo desmoronou. A polícia passou por ele e sequer foi percebida, posto que, cansado ao extremo, deitou-se no banco e ali ficou sem ter a mínima idéia do que ocorreria em seguida. O bando foi descoberto em flagrante delito.

O tiroteio foi forte no meio da noite. Dois tombaram mortos no local, um entregou-se e Vadico, num golpe de sorte, escapou no meio da noite.

Caveira não perdeu tempo para saber o que estava se passando, mas imaginou. E não teve dúvidas: fugiu dali mesmo para não ser descoberto. Hoje, alguns anos depois do ocorrido, Caveira não sai de sua cidade. Continua bandido, mas muito desconfiado. Nego, na cadeia, lhe dá certa tranquilidade, mas Vadico, solto e revoltado, deve estar lhe tirando o sono da noite. Se já era caveira, pode estar, aos poucos, virando um esqueleto.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 14/02/2016
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