ABSTINÊNCIA

UM

José Rodrigues entrou na sala do chefe apreensivo. Ele o chamara em caráter de urgência, e o velho funcionário público não fazia a mínima idéia do motivo desse chamado fora de hora. Repassou mentalmente tudo o que poderia ter feito de errado e não chegou a nenhuma conclusão. Se bem que o chefe não precisava de motivos para chamar a atenção de ninguém. Ele adorava aquilo, já presenciara várias vezes colegas seus serem humilhados por aquele funcionário de carreira que havia sido transferido para o departamento há pouco tempo. Antunes (esse era o nome dele) parecia divertir-se em infernizar a vida de todos por ali. Talvez para reafirmar sua autoridade, talvez por simples maldade, o fato era que ninguém escapava do crivo mal-humorado do chefe. Por isso, José Rodrigues tratou de procurá-lo no horário do almoço, pois sabia que poucas pessoas presenciariam o encontro, caso fosse chamado a atenção.

Rodrigues, como era mais conhecido pelos colegas de repartição, era um homem de 54 anos, viúvo há quase vinte. Após a morte da esposa, nunca mais estivera com nenhuma outra mulher, tendo dedicado-se de corpo e alma ao trabalho. Estava próximo o dia em que teria de se aposentar, e ele já se sentia infeliz por antecipação. Não sabia o que fazer depois de parar de trabalhar, morria de medo de ficar sem uma ocupação para o resto da vida. Soubera de casos em que pessoas se aposentavam e morriam alguns meses depois, de puro desgosto. Sua filha preocupava-se com ele, insistia para que saisse e conhecesse outras mulheres, mas ele sempre se mantivera irredutível: era homem de uma só mulher e sua esposa fora o grande amor da sua vida. Então vivia sua vida solitária, de casa para o trabalho e vice-versa.

Na repartição, era motivo de chacotas por parte dos que conviviam com ele, por seu estilo de vida recluso e também por um detalhe da sua aparência que chamava a atenção de todos. Mas fingia não notar que era alvo de comentários maldosos dos colegas e assim levava a vida.

Qual não foi, pois, sua surpresa, quando o chefe mandou pedir um cafezinho e dispensou a secretária para poder ficar a sós com ele. Rodrigues sentou-se, e ele começou a contar o motivo de tanta discrição:

- Rodrigues, o que tenho para falar com você é ... Extremamente particular. Eu gostaria que você mantivesse em segredo tudo o que eu vou lhe contar agora - ele parecia medir bem as palavras, e observava as reações do interlocutor.

- Claro, seu Antunes. O senhor pode falar sem medo, da minha parte eu garanto total segredo a respeito.

O chefe parecia pouco à vontade por ter de se expor diante do subalterno, ainda mais sendo este alguém mais velho.

- Antes, gostaria que soubesse o motivo pelo qual escolhi você e não outro qualquer. Sei que sua aposentadoria está próxima. Então, se você aceitar minha proposta, eu o promoverei de cargo. Isso fará grande diferença no seu salário de aposentado.

Fez silêncio, enquanto a secretária entrava na sala, servia o café e saía novamente.

- Bem - continuou - O caso é o seguinte: há cerca de dois meses, pouco antes de ser transferido para cá, estive de férias no Rio de Janeiro por uma semana. Minha esposa estava convalescendo de uma delicada operação, de modo que eu fui sozinho. Ela insistiu muito, devo dizer-lhe. Minha vontade era ficar fazendo-lhe companhia. Mas ela não deixou, disse que não queria que eu perdesse minha única semana de férias em quatro anos. Pois bem, eu fui. Antes não tivesse ido. Meti-me na maior confusão da minha vida...

Rodrigues ainda não havia entendido o que ele tinha a ver com isso.

- O caso é que eu conheci alguém... Uma mulher...

- "Ah, agora sim. Estou entendendo..." - pensou Rodrigues.

- Ela foi, por assim dizer, uma aventura de verão... Nada sério. Mas veja... - ele abriu uma gaveta e retirou algumas fotografias, que entregou ao escriturário.

As fotos eram, na verdade, uma sessão de sexo explícito. Antunes aparecia totalmente despido, em companhia de uma morena de fechar o trânsito, em posições, digamos, bastante comprometedoras.

- Não sei como fui cair nessa - ele retirou um lenço do bolso e enxugou o suor da testa - Provavelmente foi tudo combinado. Agora eu estou nas mãos deles.

- "Deles", quem? - José Rodrigues não desgrudava os olhos das fotos.

- Não sei, não faço a mínima ideia. Recebi essas fotos ontem pela manhã. Sem bilhete, sem nada. Não sei o que pensar. Por enquanto, ninguém entrou em contato.

- Mas vão entrar, certamente...

- Sim, creio que sim.

Rodrigues finalmente devolveu as fotos ao chefe.

- Mas eu não entendo uma coisa: o que o senhor acha que eu posso fazer a respeito?

O homem ficou em silêncio por quase um minuto, e quando finalmente voltou a falar, foi para fazer uma proposta sem pé nem cabeça ao funcionário público:

- Eu quero que você vá ao Rio e descubra quem são eles e o que querem de mim. Se for necessário, já decidi que irei à polícia. Mas não quero colocar a perder o meu casamento. Tentarei resolver por conta própria, antes de chegar a esse ponto.

Rodrigues se espantou.

- Mas seu Antunes, o que eu, que nunca lidei com esse tipo de coisa, poderei fazer? Acho melhor o senhor contratar um detetive particular, ou coisa que o valha. Eu não faço a mínima ideia de como agir, do que fazer...

- Não, Rodrigues, eu já pensei muito a respeito. Não quero envolver alguém que não seja de extrema confiança. Esse foi outro motivo pelo qual escolhi você: não poderia confiar em mais ninguém aqui dentro. Somente você pode salvar o meu casamento, homem. Não me decepcione...

Havia um tom de súplica na voz de Antunes que fez bem ao ego de Rodrigues. Afinal, era o chefe praticamente implorando por sua ajuda...

- Se eu ajudar... Ou, pelo menos tentar... Posso pedir um favor pessoal?

- Qualquer coisa, Rodrigues. É só dizer.

Pensou mais um pouco. Não sabia no que estava se metendo, nem ao menos como teria de agir. Mas, se não conseguisse fazer nada a respeito, o chefe não poderia dizer que ele não tentara.

- Está bem - disse por fim - Mas, além da promoção, eu quero uma colocação em uma empresa privada, num cargo similar, após a aposentadoria. Sei que o senhor tem muitos contatos lá fora, não lhe será difícil conseguir isso.

Antunes levantou-se rapidamente, como se temesse que ele mudasse de ideia, e apertou-lhe a mão vigorosamente.

- Trato feito. Tenho certeza que você saberá como agir, Rodrigues. Confio na sua experiência para resolver esse probleminha... Vou lhe dizer o que farei: sei que você tem férias vencidas. Pois vou lhe dar quinze dias de férias. Nesse meio-tempo, você irá ao Rio, e ficará hospedado no mesmo hotel em que fiquei. Foi lá que conheci aquela... Bem, para todos os efeitos, você está de férias, a partir de agora. E com todas as despesas pagas.

O funcionário público estava começando a gostar daquilo.

- "Probleminha? Pois sim..." - pensou Rodrigues, no caminho de casa, onde iria preparar as malas para o embarque rumo ao Rio de Janeiro - "Pelo menos, vou dar um belo passeio, esparecer um pouco. Depois, veremos..."

DOIS

Uma coisa era certa: o Rio de Janeiro continuava lindo. Pôde perceber isso no trajeto do aeroporto Santos Dumont até o hotel em que ficaria hospedado. Era o mesmo hotel em que Antunes ficara e no qual a misteriosa morena o abordara. Estava muito bem localizado, no coração da zona sul, a poucas quadras da praia. Discreto, charmoso e aconchegante, sem luxo, porém muito confortável. Eram as férias que Rodrigues estava precisando havia anos.

Nos cinco primeiros dias nada aconteceu, e a sua rotina era praia e piscina em dias alternados. Fez uma city-tour pela cidade, conheceu o Teatro Municipal, a feira de artesanatos, o bucólico bairro de Santa Teresa e seu bondinho. À noite, foi passear na Lapa, famoso reduto da boemia carioca. Estava se divertindo como há muitos anos não fazia, e o melhor, tudo às custas de Antunes.

Foi no sexto dia dessa "cansativa" vida de turista que ele a avistou. Estava jantando, no restaurante do hotel, quando ela entrou acompanhada de um homem bem mais velho. Todos os olhares seguiram seu suave balanço em direção à mesa, nos fundos do restaurante, e Rodrigues foi forçado a reconhecer que não via uma mulher bonita assim havia um bom tempo. Ela era toda brilho e sensualidade: cabelos negros na altura dos ombros, pele bronzeada do sol de Ipanema, estatura mediana, olhos de um castanho-claro quase amarelado e uma boca de arrancar suspiros da plateia masculina presente naquela noite ao restaurante. Usava um vestido simples com um decote generoso e trazia um colar de pedras que refletia a luz do ambiente.

Agora, vendo-a pessoalmente, Rodrigues entendia perfeitamente o porquê do seu chefe ter caído como um patinho no golpe da chantagem: ela era simplesmente irresistível. Aquelas fotos tiradas num quarto semi-escuro não faziam jus à beleza selvagem daquela mulher.

Discretamente, Rodrigues chamou um dos garçons e perguntou:

- Poderia dizer-me se aquela mulher em companhia do senhor, na última mesa, é uma hóspede do hotel?

O garçom olhou na direção sugerida pelo olhar de José Rodrigues e sorriu:

- Ah, não senhor! Ela vem aqui de vez em quando. Sempre janta com hóspedes diferentes. Dizem - ele abaixou um pouco mais a voz - que é uma prostituta de luxo. Mas se isso for verdade, ela tem um protetor muito poderoso aqui no hotel...

- Como assim?

- A gerência não permite que prostitutas entrem no hotel para atender clientes. Traz má-reputação, sabe?... E se ela vem sempre aqui, das duas, uma: ou ela não é prostituta, ou então alguém libera a sua entrada.

- Alguém, quem? Um porteiro, um recepcionista?

- Não senhor - ele fez um sinal negativo com a cabeça. - Nenhum peixe pequeno se atreveria a tanto. Seria ordem da gerência, ou talvez da diretoria...

Rodrigues agradeceu discretamente ao rapaz com uma nota de vinte reais, e continuou a observar o casal. Em dado momento, o senhor atendeu ao celular e de repente levantou-se, murmurando algo como um pedido de desculpas. Saiu apressadamente, deixando a jovem sozinha e com um olhar desconsolado. José Rodrigues sorriu intimamente: ele era o único homem desacompanhado em todo o restaurante.

A casa era pequena, porém simples. Localizava-se no bairro da Gávea, distante apenas uns quinze minutos do hotel. Vieram no carro de Andréia, após várias horas de conversa animada regada a muito vinho do Porto. Rodrigues quase se engasgou quando, a certa altura da conversa, ela o olhou diretamente nos olhos e perguntou:

- Quer dormir comigo hoje?

Ele não deixaria passar aquela oportunidade por nada desse mundo: se ela achava que poderia chantageá-lo depois, iria se dar muito mal, ele não tinha nada a perder.

Entraram no quarto já tirando as roupas. Ele não se aguentava mais de tanta vontade de tê-la em seus braços, afinal eram quase vinte anos sem sentir aquela sensação maravilhosa de ter um corpo feminino tão próximo assim do seu. Beijaram-se ávidamente e ele praticamente a jogou em cima da cama.

José Rodrigues demonstrou que a longa inatividade não era empecilho para o seu desempenho sexual, muito pelo contrário: como um presidiário que acaba de ganhar a liberdade, ele deu tudo de si naquela noite e saiu-se muito bem, a julgar pelos gemidos de prazer de Andréia, que o apertava desesperadamente de encontro ao seu corpo.

Após o terceiro orgasmo, separaram-se, ofegantes e suados.

- Meu Deus! - ela exclamou - Você me surpreende, homem... Que entusiasmo!...

Ele a observou na penumbra do quarto.

- Não se preocupe, você não é a única surpresa por aqui...

- Como assim?

- Sou viúvo há quase vinte anos. Desde que minha mulher morreu, eu... Eu nunca mais... Você sabe...

Ela pareceu surpresa.

- Você está me dizendo que há vinte anos não transava com mulher alguma?...

- Isso mesmo. Vinte longos anos.

Ela brincava com algo que havia retirado dele, durante o ato. Aquilo que ele fingia não existir e que era alvo de constantes gozações dos colegas de escritório.

- Mas então, você é praticamente... Virgem.

Ele fez uma cara pensativa e concordou:

-É. Tecnicamente, pode-se dizer isso.

Andréia se aconchegou mais a ele, ainda brincando com aquele objeto em suas mãos.

- Ah, meu docinho, mas que coisa fofa! Um homem virgem, na minha cama...

E sorriu, até o sorriso se transformar numa gargalhada.

Ele então percebeu o que ela tinha em suas mãos.

Acordou.

Ainda estava escuro lá fora. Pela janela aberta, podia ver a claridade fosca da lua, que entrava pela cortina agitada pelo vento frio da madrugada. Engraçado, podia jurar que a janela do quarto estava fechada, quando chegaram.

Percebeu que estava sozinho no quarto. Levantou-se para fechar a janela, estava sentindo frio. Viu que continuava completamente despido e virou-se para procurar as roupas, mas escorregou em alguma coisa viscosa que encharcava o chão e quase caiu. Conseguiu equilibrar-se, soltou um palavrão enquanto tateava pela parede, tentando encontrar o interruptor para acender a luz. Apertou o botão, mas estranhamente nada aconteceu. Sentia-se tonto, provavelmente efeito do vinho.

- Andréia, onde está você?

Silêncio.

- Droga! Onde essa mulher se meteu?

Podia sentir a viscosidade grudando seu pé esquerdo no assoalho de tábua corrida. Continuou tateando até encontrar uma estante e conseguiu divisar um abajur. Puxou a cordinha e a pequena luz acendeu, lançando uma claridade amarelada no quarto escuro.

Virou-se, procurando suas roupas. Foi quando percebeu uma mancha escura em cima da cama. Aproximou-se mais, passou um dedo no lençol e examinou aquele líquido que escorria da cama e banhava todo o chão do quarto.

- Mas isso é... Sangue!

Olhou ao redor do quarto mal iluminado e viu seus próprios passos... O quarto estava coberto por marcas dos seus pés sujos de sangue.

Uma mão.

Havia uma mão que saía de baixo da cama. Aproximou-se e levantou a ponta do lençol. Olhou horrorizado, era um corpo. O corpo de Andréia.

Soltou um grito abafado e puxou o corpo pela mão. Ela estava nua, como estivera horas atrás, em seus braços. A diferença é que agora estava morta. No seu rosto, uma expressão de surpresa. No seu abdomen, uma faca de cozinha cravada até o cabo.

TRÊS

Havia meia hora que tentava manter a calma. Primeiro pensou em se mandar correndo daquele lugar. Depois pensou melhor e resolveu agir com a cabeça: tratou de se certificar de que quem quer que tivesse feito aquilo já estivesse longe. Deu uma rápida busca pela casa e viu que estava só. Então começou a se perguntar qual o tamanho do problema em que havia se metido. Todos no restaurante do hotel viram quando ele e Andréia saíram juntos. Menos mal que ninguém os vira entrar na casa. Isso deveria dar-lhe algum tempo. Precisava esconder o corpo para dificultar ao máximo o trabalho da polícia.

Revirou a casa inteira, tentando encontrar algo que servisse aos seus propósitos. Numa espécie de dispensa, encontrou um baú antigo cheio de quinquilharias. Colocou tudo no chão, arrastou o pesado móvel até o quarto e tentou enfiar Andréia lá dentro; não conseguiu, a defunta era bem servida de corpo. As pernas e os braços insistiam em ficar do lado de fora do baú. Deu mais uma volta pela casa, tentando enxergar alguma outra saída. Novamente na dispensa, que não parecia ser lugar de mantimentos, mas de ferramentas e utensílios, achou uma pequena serra elétrica. Apavorou-se com a própria ideia que lhe passou pela cabeça: não, ele não seria capaz de tamanha barbaridade. E pensar que aquela mulher lhe proporcionara momentos incríveis, há apenas algumas horas...

Olhou novamente para o corpo. Os olhos estavam abertos, a boca outrora macia e deliciosa mostrava-se agora pálida e suja de sangue.

- Ah, meu Deus! - gemeu baixinho.

Apoiou o braço direito do corpo na borda do baú, virou o rosto para não ter que olhar diretamente para os olhos sem vida que o fitavam e começou a serrá-lo, na altura do cotovelo. O barulho da serra cortando primeiramente a pele e depois o osso era algo que ele não esqueceria por muito tempo.

Por sorte a casa era um pouco afastada das demais e o barulho que a serra fazia não era muito alto. Ficou preocupado mesmo assim, de madrugada qualquer coisa pode acordar um vizinho e dali para a polícia ser acionada é muito fácil. Fez o tabalho devagar, ligando e desligando a serra elétrica várias vezes para se certificar de que ninguém estaria ouvindo. Quando terminou, o chão estava mais coberto de sangue do que antes, e ele também. Parecia cena de 'O massacre da serra elétrica'. Mas conseguiu colocar o corpo de Andréia dentro do baú e fechá-lo com o cadeado.

Olhou o relógio e verificou que eram três e meia da madrugada. Isso lhe daria cerca de uma hora e meia antes do nascer do sol . Tomou um banho para limpar-se e vestiu suas roupas. Durante todo o tempo estivera despido, por isso não haveria nenhum problema quanto a elas, estavam livres do sangue. Agora era pensar em como se livrar do corpo.

Dirigiu o carro de Andréia até um barranco que erguia-se sobre o mar, isso já na altura do bairro de São Conrado. Casas de luxo rodeavam o lugar, mas tudo estava deserto àquelas horas. Estacionou exatamente à beira do precipício, soltou o freio de mão e viu o carro se lançar ao mar. Bateu nas águas com um baque surdo e começou a afundar lentamente, o peso do antigo baú e do corpo no porta malas a impelir o veículo para o fundo do Atlântico.

- Adeus, Andréia - sussurou ao vento.

Deu meia-volta e começou a andar em direção à autopista, onde conseguiu um taxi após quase meia-hora de espera. Quando chegou à porta do hotel, o dia já amanhecia.

Levantou somente após o meio-dia. Sentia-se totalmente recuperado da noite anterior, se bem que com uma leve dor de cabeça, provavelmente efeito do vinho. Tomou uma ducha rápida e foi em direção ao restaurante. Precisava conversar com o garçom que lhe dera informações na noite anterior e descobrir quem era o homem que jantara com Andréia. Antunes ligaria dali a pouco e ele precisava dar as boas notícias ao chefe. Sentiu-se observado durante o trajeto até o restaurante. Achou estranho, parecia que todos se voltavam para vê-lo à medida que andava pelos corredores do hotel.

Ao entrar no salão, percebeu que todos os olhares se dirigiram a ele. Pareciam assustados, pois logo trataram de disfarçar.

Sentou-se, ninguém aproximou-se para atendê-lo. Chamou o garçom, houve uma rápida troca de olhares entre este e um homem que estava próximo ao balcão. O homem aproximou-se da sua mesa e sentou-se, sem pedir licença.

- Quem é o senhor? Eu o conheço? - perguntou José Rodrigues, sem entender a atitude do estranho.

O homem o observava atentamente.

- Vejo que teve uma noite agitada, seu José Rodrigues. Bem agitada mesmo.

Rodrigues o olhou no fundo dos olhos e imediatamente percebeu que ele sabia de tudo. Manteve silêncio por alguns momentos, procurando ganhar tempo. De alguma forma eles o haviam localizado muito antes do que esperava.

- O senhor é da polícia?

Ele assentiu. Olhando ao redor, percebeu que havia mais três deles espalhados pelo restaurante, para o caso de uma tentativa de fuga. As pessoas cochichavam disfarçadamente e olhavam para a mesa de Rodrigues, tentando ouvir o que os dois conversavam.

- Devo lhe avisar - disse o policial - que já sabemos de tudo. Quero apenas que indique o local onde escondeu o corpo.

- "Mas como, mas como?" - pensou Rodrigues - " O que eu fiz de errado?"

E como se lesse o seu pensamento, o homem colocou algo em cima da mesa.

- Dona Andréia Malta tem uma diarista que aparece uma vez por semana para fazer a limpeza da sua casa. Para o seu azar, justamente hoje era esse dia. Ela viu todo aquele sangue no quarto e tratou de nos chamar. O senhor não se deu ao trabalho de limpar... Só que antes ela encontrou uma coisa muito estranha entre os lençóis da patroa. Depois, foi só descobrir onde e com quem dona Andréia esteve na noite passada, e assim chegamos ao senhor.

Rodrigues olhou para o objeto envolvido em um saco plástico que o policial colocara cima da mesa e ficou lívido. Instintivamente, levou as mãos à cabeça.

O policial sorriu divertido ante o embaraço de Rodrigues.

- Sim. O senhor esqueceu sua peruca na cena do crime...

Aquela cadela havia retirado a peruca enquanto transavam, ele nem percebeu. Só depois, quando começou a rir dele, é que havia se dado conta de que estava sem a peruca. Chegara a pensar que ela era diferente de todas as outras, as mulheres da vida que ele levava para casa de tempos em tempos... Mas não. Nem mesmo fazendo com que ela delirasse de prazer, nem mesmo assim conseguiu ser respeitado. E ainda teve a coragem de rir na cara dele, como aqueles imbecis do escritório faziam. Não, Andréia teve o que merecia. Na verdade, todas elas tiveram o que mereciam...

Maldita hora em que decidiu ir até o fim com aquela vadia!