O BOM LADRÃO - capítulo II
Na loja de roupas, o ladrão experimentava dezenas de trajes com a ajuda do dono da loja, que dizia-se ser estilista e já ter vestido muitas estrelas. E o policial Wilson sempre bem atento aos truques do ladrão.
- Pãozinho doce, experimente essa calça de couro, vai valorizar essas suas pernas tão... Tão... Ai, mamãezinha, que bofe!
Dizia o dono da loja, ao passo que o ladrão caminhava para o vestuário. Enquanto o policial e o dono da loja aguardavam do lado de fora o ladrão, este vestia duas outras camisas por baixo da sua e outra calça por baixo de sua calça, devolvendo somente a calça de couro para o dono da loja.
- Não coube?
- Nem passou do calcanhar.
- Que pena, um bofe como você ia ficar lindo com essas calças.
O policial observou a arara de roupas e apontando para ela, disse:
- E aquele casaco ali?
O dono da loja separou o casaco da arara e falou:
- Esse aqui? Desculpe, meus cavalheiros, mas...
Ele olhou de baixo a cima os dois, com uma expressão desgostosa, e concluiu:
- Acho que vocês não têm condições para comprarem esse casaco.
- Por quê?
- Bom, porque ele é caríssimo e só gente de classe altamente alta é que tem tanto dinheiro assim.
O ladrão olhou com interesse para a peça de roupa na mão do dono da loja e teve a curiosidade de saber:
- E... Mais ou menos quanto ele custa?
- Mais ou menos não, meu querido, só mais. Vinte e dois mil.
O ladrão assobiou, admirado com a gala do casaco, mas o policial afastou-o e disse:
- Não, não estamos interessados. Vamos comprar em outro lugar.
Sem que ninguém notasse, o ladrão pegou o casaco e colocou rapidamente por baixo da camisa, o que deu a impressão de que sua barriga havia aumentado. Quando entraram no carro, o policial percebeu que o ladrão suava muito e abanava o pescoço, sendo que a tarde nem estava tão quente, por isso estranhou.
- Por que está suando tanto, Tadeu?
- Deve ser os buracos na camada de ozônio, hehe...
E quando já não aguentava mais aquele sufoco, o ladrão começou a retirar as camisas, uma após a outra.
- Mas, o que é isso, Tadeu?
- Camisas?
- Que você pegou da loja, não foi?
- Ninguém viu, eu garanto.
- Escute aqui, seu miserável, você precisa se tornar um homem bom na sociedade! Não que eu esteja preocupado com a sua punição, mas o chefe me deixou responsável por te ajudar, e não quero que ele pense que sou incapaz disso!
- Mas...
- Agora, devolva todas essas roupas!
O ladrão soprou um ar de revolta e desceu do carro e o policial o acompanhou até a loja, para ter a certeza de que ele devolveria as roupas.
- Como faço para devolver as roupas sem que ele saiba que roubei?
- Simples: entre de fininho e coloque as roupas em qualquer lugar. Depressa!
Assim fez o ladrão, passou por trás das araras, sem que fosse visto, e deixou as roupas sobre o balcão, voltando para a viatura.
- Pronto?
- Pronto.
- Vê se não rouba mais nada.
- Foi a última vez, eu garanto.
Entraram no carro e o ladrão perguntou:
- O que faremos agora?
- Deixa eu ver...
Wilson disse, desdobrando o papel que recebera da psicóloga e observando a lista, que tinha as seguintes ideias:
- Mudar o estilo de roupa;
- Procurar um emprego;
- Frequentar lugares primorosos, sem nada furtar;
- Aulas de etiqueta;
- Jantar com gente de classe alta;
- Aprender a economizar;
- Praticar boas ações.
- Humm... A próxima tarefa é... Frequentar um lugar primoroso sem tocar em nada! Acha que consegue, Tadeu?
- Moleza. Aonde vamos?
- Ao museu de artes.
- Hahaha! Ao museu, chefinho? E que tal ao zoológico, depois? Não, ou a um chá das cinco?
- Não goze, o museu pode te deixar meio nervoso.
- É mais provável que eu fique entediado.
Na noite daquele mesmo dia, na entrada do museu, vestidos com finíssimos ternos de risca de gís, o policial dava as últimas advertências ao ladrão:
- Lembre de não pôr a mão em nada.
- Nem no meu bolso?
- Tá, no bolso pode, mas em nada ma...
- E se eu tiver que coçar o meu nariz, ou cumprimentar alguém?
- ... Tá, tá! Só não é pra roubar nada.
- Roubar, chefinho? Eu? Longe de mim!
- Hhmm... Vamos.
No museu, muitas pessoas finas e estilosas admiravam as pinturas expostas nas paredes, o guia era Diogo, era seu primeiro dia como guia de museu ali e apresentava para as pessoas cada quadro. O policial tentava mostrar-se interessado nas explicações do guia, mas acabou sendo atraído por uma bela mulher do outro lado e tentou se aproximar dela, ao passo que o ladrão desprezava uma réplica do Retrato pintado no quadro do Dr. Gachet, de Vicent Van Gogh, e o guia dizia:
- Observem a expressão desse homem, sua postura e a maneira que foi pintado...
E o ladrão mascava chiclete, sem dar importância, e passeava os olhos pelo museu, numa caça por algum tesouro, quando o guia terminou dizendo:
- Esta obra foi avaliada em mais de cem milhões de
dólares e é uma das mais famosas de Van Gogh.
Estas últimas palavras do guia deixou o ladrão estupefato, causando-lhe um vasto interesse e enchendo seus olhos de brilho, porquanto perguntou ao guia:
- Você disse... Cem mil dólares?
- Disse? Ah, sim, eu disse.
Tadeu pregou os olhos na obra de arte e passou a observá-la prestativamente. Disse então:
- Eu não entendo como uma coisa tão feia pode valer tanto.
- Bem, é arte. Além disso, Vincent Van Gogh foi um dos maiores pintores do impressionismo e suas obras são mesmo valiosas.
- Humm...
Deixando o guia aprendiz ir apresentar o próximo quadro ao pessoal, o ladrão, recatadamente, retirou o quadro da parede e pôs no lugar, com chiclete, um cartaz de um procurado pela polícia que pegara nas coisas de Wilson, depois levou ligeiramente o quadro de Van Gogh para o banheiro. Em sequência, o guia voltou ao quadro, que agora era um retrato de um criminoso, para apresentá-lo a outros visitantes...
- Observem a expressão desse homem, veja a beleza dos detalhes, a delicadeza... Não é maravilhoso?
Continua...