O BOM LADRÃO - Capítulo I
Condenado a passar mais trinta anos na prisão e preso pela décima vez, o ladrão implorava estupidamente para o chefe de polícia por uma décima primeira chance, enquanto era algemado e levado para a sela.
- Por favor, chefinho, não me prenda! Eu tenho cinco filhos para sustentar e...
- Tadeu, você nem tem filhos.
- Vai saber, vai saber!
O chefe soprou um ar de submissão e fitando o olhar suplicante do ladrão, disse:
- Eu vou te dar uma última chance, Tadeu, só porque não aguento mais ver sua cara por aqui.
- Obrigado, chefinho, obrigado.
- Mas pra tu se livrar da pena vai ter que me provar que se tornou um ladrão bonzinho.
- Um ladrão bonzinho, chefinho?
- Positivo. Mas não esquente a cabeça, porque o meu companheiro ali vai te ajudar com isso, não é, policial Wilson?
O policial, que estava assistindo à cena no canto da parede, franziu o cenho para o delegado e falou:
- Mas, chefe, por que eu?
O delegado bateu no peito do policial e com um sorriso para este respondeu:
- Porque tu é um bom policial e cumpre minhas ordens; e pense aqui comigo, quantas vezes já correu atrás desse vagabundo e quando encheu o peito de orgulho ele já estava foragido de novo? Hein?
- Muitas vezes, chefe.
- E não gostaria de se livrar do ineliz?
- Sim, chefe, e para isso basta só eu dar um tiro na cabeça dele.
- Negativo! Um bom policial não é aquele que mata um desgraçado, mas é aquele que consegue poupar a vida do vagabundo e ainda o tornar um homem bom. Entendeu?
- Sim, chefe.
- Por isso, sua missão será transformar um bom ladrão num ladrão bom.
Assim, saíram o policial e o ladrão juntos para iniciarem as mudanças. Não tendo muita ideia de como começar, o policial decidiu pedir ajuda à uma psicóloga, a dra. Iara. Para a segurança de todos, a psicóloga pediu que o policial ficasse também na sala, enquanto ela conversava com o ladrão. Bastou o ladrão entrar na sala para pregar os olhos no jarro dourado pôsto sobre uma pilasta e a psicóloga perguntou-o:
- Você gosta?
- Sim... E parece ser bem valioso.
Ele passava os dedos sobre as texturas do vaso e olhava bem de perto as bordas folheadas a ouro, no quando a dra. Iara pediu para o ladrão se sentar na poltrona e ele sentou-se.
- Qual é o seu nome completo?
- Eu não tenho nome completo, meu pai não quis me reconhecer.
- Humm... E qual é seu nome então?
- José Tadeu de Albuquerque. O Albuquerque é de minha mãezinha.
- Tem irmãos?
- Não mais que sete. Quer que eu diga o nome de cada um deles?
- Não, não é necessário.
- Que bom, porque eu só lembro de quatro deles, hehe...
- Me diga, você sempre roubou?
- Não, senhora. Só desde os meus oito anos.
- Meu Deus! E o que te levava a roubar?
- As pernas. Porque não tinhámos condições de comprar uma bici...
- O que quero saber é se alguém te influenciou a fazer isso.
- Meu pai.
- Mas se ele nem ao menos te reconheceu!
- Mas reconheceu outro irmão meu e esse nos repassou a ideia de roubar.
- E por que vocês roubavam?
- Porque não tínhamos dinheiro para comprar nada.
Tudo que o ladrão dizia a psicóloga tratava de anotar em seu caderno, à medida que o policial acompanhava toda a conversa.
- Me diga, Tadeu, o que você sente ao roubar?
- Depende.
- Do quê?
- Do clima. Quando está muito frio eu sinto frio e quando está muito quente então eu sinto calor.
- Não estou falando disso... Quero saber seu estado emocional, se sente prazer ou desgosto em roubar...
- Ah, às vezes eu me sinto triste.
- Verdade?
- Mas só às vezes, quando eu não consigo roubar nada de muito valor.
- Está dispensado.
Disse a psicóloga, revirando os olhos, e ambos se levantaram. O ladrão foi para fora da sala e o policial trocou algumas palavras com a psicóloga:
- E então, doutora?
- Ele sempre viveu roubando, o pai o ensinou. Achavam que roubar era a maneira mais fácil de se conseguir algo.
- Alguma ideia de como fazer o infeliz mudar?
- O melhor é mostrar a ele que existem opções mais favoráveis para conseguir dinheiro.
- Tipo...?
- Um emprego.
- Hahaha! Sem querer desmentí-la, doutora, mas, acho que isso não vai ser possível.
- Por que não?
- Porque ele é um... Ladrão?
- Bom, ele só será um ladrão enquanto for um ladrão. Estou certa?
- Positivo.
- Mas também fiz essa lista com algumas dicas do que pode fazer.
Ela disse, entregando um papel para o policial. Após abandonarem o escritório, o policial e o ladrão entraram no carro da polícia, somente os dois iam dentro, e seguiram para a casa de Wilson. A casa era bem simples, objetos espalhados pelo chão, muita louça suja na pia, típico de um policial solteiro. O ladrão observava a casa, desde os móveis empoeirados até os pratos de porcelana no armário a amostra, e visto isso o policial perguntou:
- Procurando alguma coisa?
- Nem vou perder meu tempo. A propósito, o que viemos fazer aqui mesmo?
- Bom, primeiro vamos trocar esse seu traje. Veja, que roupas mais horríveis! Parece até um ladrão! Hhmm... Esquece o que eu disse.
O policial abriu o guarda-roupa, retirando entre seus fardamentos uma camisa de mangas cumpridas e uma calça e pediu para o ladrão vestir, este porém não se agradou muito.
- Que roupas feias. Não tem outra coisa para eu vestir não?
- Não! E é só enquanto não compramos roupas novas. Agora veste logo essa porcaria.
- Sei não... Não acha que se eu vestir suas roupas vão acabar me confundindo com você?
- Negativo. Aqui todo mundo me conhece pelo meu trabalho e pela farda que eu visto, não pelas roupas que eu uso em casa.
Os dois sairam da casa e o carteiro, ao ver o ladrão, disse:
- Bom dia, policial Wilson.
A sra. Lindalva, moradora da casa ao lado, olhou para o ladrão e disse:
- Bom dia, policial Wilson.
O Segurança de trânsito viu o ladrão de longe e gritou:
- Bom dia, policial Wilson!
Daí, o policial fitou o ladrão com arrelia e falou:
- Vamos comprar roupas novas.
Continua...