Não se esqueçam de mim

Laços atrelam pessoas; a proximidade, por um longo período, faz com que, por toda uma vida, estejamos presos a alguém: um parentesco, uma amizade, uma vizinhança, até mesmo doenças similares aproximam pessoas, que frequentam o mesmo médico, retiram remédios na mesma farmácia, ou qualquer outra forma de terapia faz com que pessoas se encontrem periodicamente.

Quando pessoas ficam cravadas em nossas memórias, essas tatuagens se dão, invariavelmente, pelo amor ou pelo ódio, técnicas de gravar, de forma permanente.

Foram vizinhos por toda infância e adolescência: ela, a quarta filha, que chegou depois de três filhos homens, uma garota linda, de sorriso largo e simpática; ele, filho único, rico, criado por babás, nada comunicativo, e arrogante...mas eram vizinhos, e repartiam espaços na rua. Ainda que não tivessem nada em comum, o espaço físico os mantinha ligados.

Índole não se compra, faz parte do seu quinhão de moralidade, na primeira oportunidade que ele teve, de estar a sós com ela, aproveitou-se de forma brutal e libidinosa, enchendo de nódoas uma página branca; de forma estúpida, ele permaneceria, para sempre, na lembrança dela.

Como era fria a mãe daquela menina, cuja aparência em nada demonstrava sua cumplicidade com a filha, permaneceu, aparentemente, serena, e sem demonstrar qualquer sinal de revolta, com o que aquele bastardo fizera com sua filha, afinal ela era enfermeira e precisava manter a calma, em momentos cruciais. Por outro lado, a mãe do canalha era uma mulher super protetora, frágil e diabética, que se utilizava dos préstimos da vizinha, no momento da aplicação da insulina, assim a rotina se fez continuar.

Trocar uma seringa de insulina, por uma seringa com soro de HIV, para ela não apresentou nenhuma dificuldade, e foi o que ela injetou na pobre senhora diabética.

A ironia é a arma dos fortes, e, para atestar tal princípio, ela fez sequilhos de nata, os preferidos do menino mau, com um carinhoso cartão:

-Não estamos pertos apenas pela pequena distância que nos separam, agora, literalmente, “laços de sangue” nos aproximaram mais...para sempre, não se esqueçam de mim.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 02/12/2015
Reeditado em 02/12/2015
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