A conversação

Fui conduzido à uma sala pequena, branca, sem janelas, onde havia apenas uma mesa de madeira e ladeando-a, duas cadeiras de plástico laranja, uma de frente para a outra. Um dos policiais ficou de pé, junto à porta, enquanto o segundo me indicou a cadeira ao fundo da sala e sentou-se na outra, ao lado da porta. O recado implícito era de que eu não poderia sair dali sem passar pelos dois. Não que eu tivesse alguma possibilidade de levar a melhor numa luta, e ademais, haviam me dito que a conversa seria breve. Eu não tinha motivos para crer que não fosse verdade.

- Bem, senhor Correia - disse o cubano que falava melhor o português, sentado à minha frente. - Como então veio para Havana fazer uma matéria sobre pesca em alto-mar, correto?

Engoli em seco.

- Como devo chamá-lo, senhor...? - Perguntei.

- Alberto Riveros, senhor Correia - disse ele.

- Muito bem, policial Riveros. A matéria sobre pesca era meu objetivo principal, mas... aqui me deparei com um furo de reportagem. Mudei a minha pauta. Isso acontece frequentemente em jornalismo, como pode imaginar.

- Imagino que tenha ampla liberdade para mudar a sua pauta, senhor Correia - prosseguiu ele.

- Acontece... - respondi cautelosamente. - Trabalho há alguns anos para um jornal importante do Rio de Janeiro, o "Jornal do Brasil". Não sou um iniciante. Meus chefes me dão liberdade para mudar a pauta, se for algo relevante.

- Ernesto - disse Riveros, sem se voltar para trás.

O policial de pé junto à porta puxou uma folha de papel dobrada dum bolso interno do paletó e estendeu-a para Riveros. Este abriu-a sem ler, como se já conhecesse seu conteúdo de cor.

- Me parece que o senhor não fez nenhuma tentativa para seguir a sua pauta, desde o momento em que pôs os pés em Cuba, senhor Correia.

E abanando a folha de papel:

- Temos todos os seus passos registrados aqui. Sabemos onde foi e com quem falou.

- Tudo bem, - disse eu. Era inútil continuar mentindo - a história sobre pesca em alto-mar foi só um subterfúgio. Eu tive uma dica quente sobre a presença de Tim Maia em Havana e sabia que ele falaria comigo... eu o conheço há um bom tempo.

Ernesto olhou-me com uma expressão vazia. Riveros franziu a testa:

- Como então utilizou-se de um estratagema para entrar em nosso país, senhor Correia?

- Estratagema é uma palavra muito forte, senhor Riveros. Eu chamaria de subterfúgio mesmo. Entrei legalmente em Cuba, como jornalista. Poderia me acusar de utilizar um estratagema se houvesse vindo para cá como turista. Não foi esse o caso.

- O seu jornal está sob intervenção dos militares, senhor Correia?

- Se está se referindo à censura prévia, sim. Mas não trabalhamos para os militares.

- Nem eles interferem com a sua pauta?

- De modo algum - retruquei.

Riveros me encarou como se quisesse ler meus pensamentos. Finalmente, disse:

- Posso lhe dar um conselho, senhor Correia?

- Creio que não estou em posição de recusar...

- Ótimo, pois é um bom conselho. Pode lhe salvar a vida.

Ante meu olhar atônito, acrescentou, num tom apaziguador:

- Não somos nós quem iremos lhe fazer mal, senhor Correia. Mas pode vir a ter sérios problemas com o seu governo se souberem que esteve em Cuba e falou com Tim Maia.

- Mas... Tim Maia é só um artista! Sequer se interessa por política - tentei argumentar.

- O simples fato dele ter vindo para Havana poderá ser encarado como um gesto político, senhor Correia. E sequer estou insinuando que ele apoia o nosso governo ou seja um agente a nosso serviço. Mas você conversou com ele e sabe que agora tem planos para quando voltar ao Brasil.

- Sei apenas dos planos dele para uma universidade para negros - defendi-me.

- O senhor não sabe de nada, senhor Correia - disse acidamente Riveros. - Não tem a menor ideia do que está acontecendo aqui. Eu já lhe dei um conselho, agora vou lhe dar uma informação: confiscamos as suas gravações e fotos da entrevista.

- Não podem fazer isso - exclamei. - Sou um cidadão brasileiro e conheço os meus direitos!

- Sem ameaças, senhor Correia. O senhor veio aqui fazer uma reportagem sobre pesca em alto-mar. Vai encontrar um rolo inteiro de filme na sua bagagem com fotos ótimas para ilustrar a sua matéria.

E, num tom sardônico, acrescentou:

- Quanto ao texto, tenho certeza de que terá tempo suficiente no seu voo de volta ao Rio de Janeiro para pensar em algo que prenda a atenção dos seus leitores.

[02-11-2015]