Cunhado Não é Parente
Seu Zanata Modesto era um boa-praça, casado com Benigna [Dona Bê], com quem já fizera bodas de seda, e quatro filhos: Zanata [Junior], Zora, Zuleide [Leide] e Zéfiro [Zé]. Ao contrário do marido, Dona Bê, era introvertida. Zora, a segunda a nascer, herdou o temperamento da mãe, do pai, não só ela, mas também Junior [o primogênito] herdaram o forte apego à família. Leide, não era caseira [Zé também não] adorava sair após o trabalho e ir à praia aos domingos, fato que aborrecia Junior e Zora, mas, sobretudo a Seu Zanata, que fazia questão que a família [só a família] se reunisse para almoçar domingos, natais, anos-novos etc. Leide, sempre quebrava a regra, quando não faltava às reuniões, levava o seu namorado Lindolfo.
Naquela manhã de 31 de dezembro, Seu Zanata saiu no seu Opala Diplomata 1988 com Junior e Zé, para comprar bebidas para comemorarem o réveillon, enquanto Dona Bê e Zora preparavam a ceia. Leide que trabalhava de vendedora numa loja no shopping raramente podia ajudar nas tarefas domésticas. As 20h00min a ceia já estava pronta e toda a família reunida na sala, exceto Leide e Zé. Por volta de 22h45min Leide ligou avisando que não conseguiria chegar antes da meia-noite, pois ia à casa do Lindo [como ela chamava Lindolfo]. Por causa dumas taças a mais de Cantina de São Roque, Dona Bê, ouvia e dançava Agepê. Seu Zanata, Junior e Zora, sentados frente à TV, faziam “cara de poucos amigos”, pois, além do atraso de Leide, Zé acabara de chegar com Ágata, sua nova namorada para cear. As 00h: 00min se iniciou à salva de fogos, o que não foi o suficiente para acordar Dona Bê, que dormia no sofá, vencida pelo vinho, os demais, se cumprimentaram de modo mecânico, e nem se deram ao trabalho de estourar a Sidra Cereser que estava sobre a mesa junto às taças de acrílico.
As 00h: 20min, Leide chegou com Lindolfo a tiracolo, Zé havia saído com Ágata, Zora conseguira tirar a mãe do sofá e ambas foram dormir, Junior foi escovar os dentes para fazer o mesmo, Seu Zanata comia castanhas e bebia conhaque Presidente na varanda, ainda chateado – Feliz ano novo papai! Disse Leide – Podia ter sido melhor! Respondeu Seu Zanata – Vem Lindo, vamos comer algo! Completou Leide, encerrando o assunto. Comiam tender frio, arroz com passas, maionese e farofa, quando Junior saiu do banheiro e ficou encarando-os – Quer um pedaço Junior? Cara feia pra mim é fome - Chega atrasada, com visita, inda acha que tá certa? Respondeu Júnior – Não é visita, é meu namorado... Ao ouvir a discussão que se iniciara Seu Zanata interviu – Chega! Não quero briga na minha casa! Leide, tá na hora do seu amigo ir embora. Zora, que acordou com barulho, da porta da cozinha fulminava Lindolfo com os olhos.
No dia seguinte, Dona Bê acordou por volta das 10h00min e foi à cozinha fazer café, mas Seu Zanata já havia feito – Bom dia Bê, to com um mal-estar– É meu velho? Deve ter sido o conhaque, farei um chá de boldo. Olha, tem que comprar carne para o churrasco – Pra quê mulher? Não consigo mais reunir essa família... De repente Seu Zanata sentiu uma pontada no coração e caiu – Zora! Gritou Dona Bê, acordando a todos. Zora, que era auxiliar de enfermagem prestou em vão os primeiros socorros ao pai, infelizmente Seu Zanata Modesto não resistiu ao ataque cardíaco.
Passado alguns meses Junior desculpou-se com Lindolfo, que a essa altura era mais frequente na casa dos Modestos, assim como Ágata a namorada de Zé. Zora foi quem mais sentiu a perda do pai e de “certo modo” assumiu seu lugar na organização dos encontros familiares. Ela não conseguia engolir a presença dos cunhados nos almoços de domingo, e não raramente havia um bate-boca. Num desses encontros, Ágata levou consigo Ilana, sua prima. Junior ficou encantado com sua beleza, e dessa vez não se incomodou de haver visita. Zora não a tratou somente com a frieza com que tratava Lindolfo e Ágata, foi além, e pediu à Ilana que fosse embora, isso deu início a uma discussão com Junior, que tomou as dores da moça.
Lindolfo e Leide planejavam casar, e Junior, ofereceu por uma bagatela o sobrado que começara a construir com a ajuda do pai [e não terminou] em cima da casa da família, onde pretendia morar com a ex-noiva, o que causou uma briga entre os envolvidos no negócio e Zé, que tinha planos deem breve usar o imóvel para o mesmo fim.
Zora, em seu íntimo, culpava Ágata, mas principalmente Lindolfo, pela morte do pai, e já não conseguia disfarçar a raiva que sentia dos cunhados. Os almoços de domingo já não eram mais os mesmos, além da ausência de Seu Zanata, Leide e Lindolfo já não participavam, Zé que, magoado, deixara a casa da mãe para morar com Ágata, também não. Na mesa apenas dona Bê que se fechara ainda mais após a morte do marido, Junior e Zora, que não se falavam por causa de Ilana. Zé e Ágata não falavam com Junior, e nem com Leide e Lindolfo, por causa do sobrado.
Junior passou a se encontrar com Ilana, prima de Ágata, e em pouco tempo decidiram morar juntos, por isso ele desistiu do negócio com Leide e Lindolfo, o que causou outro mal-estar. Lindolfo exigiu que Junior lhe devolvesse a quantia que lhe dera de entrada, Junior concordou, e marcou com o cunhado antes do trabalho, as 21h00min num caixa eletrônico. Junior, que semelhantemente a Zora trabalhava a noite, voltou pra casa às seis da manhã e foi dormir. Por volta das 10h00min, foi acordado aos gritos e tapas por Leide – O que tu fez com ele, o que tu fez com ele? Assassino – Com ele quem? Perguntou Junior, tentando conter a irmã – Com o Lindo – Dei o dinheiro a ele e segui para o trabalho, o que houve? - Ele está morto, murmurou Leide – Não fui eu irmã, não fui eu...
Em menos de um ano lá estavam os Modestos em outro sepultamento, Leide e Dona Bê, inconsoláveis, Junior consternado, Zora indiferente, Zé e Ágata não foram. Na verdade há muito que o caçula não aparecia na casa da mãe, Zora dizia que Ágata tinha virado sua cabeça. Eles viviam num pequeno quarto alugado num bairro próximo, e diziam que ambos usavam drogas. Um mês depois Junior e Ilana foram comprar o enxoval de casamento, na volta, aproximadamente às 23h00min, foram alvejados e morreram. Logo deram a notícia à Dona Bê, que correu para o local junto de Leide, ao chegarem, Zé e Ágata já estavam lá, Zora só soube no dia seguinte, pois estava de plantão no hospital.
Os Modestos que se reuniam para comemorar, agora, se reuniam apenas em enterros. Zé pediu perdão à mãe pelo distanciamento e jurou que a partir de agora ficaria por perto, e foi morar com Ágata no sobrado em que morariam Junior e Ilana. Uma semana depois, Leide saiu do trabalho por volta das 22h45min, e encontrou um vizinho – Meus pêsames! Vi Zora e uma moça no dia do ocorrido , ela não me viu, acho que ela estava indo ao encontro de vocês - Que horas seu Miguel? – Essa hora mais ou menos. Leide ficou muda. Ao chegar a casa contou tudo para a mãe – Mãe, eu acho que Zora tem alguma a coisa a ver com a morte do Junior e da Ilana, vi o Seu Miguel no ponto de ônibus e ele disse que na quarta passada na hora do crime a viu lá perto, ela mentiu, não estava de plantão! Contra a vontade de Dona Bê, Leide, foi à delegacia e contou o caso, após confirmarem que Zora não trabalhara naquele noite prenderam-na, ela confirmou que estava próxima ao local do crime, que tinha ido se encontrar com uma pessoa, mas não quis dizer quem era. Os policiais descobriram que Zora vinha faltando o serviço regularmente, e que inclusive, faltou no dia e hora em que Lindolfo fora morto, só não acharam a arma do crime. Zora ficou presa aguardando o julgamento.
Na residência dos Modestos nada ia bem, Zé, queria dinheiro para comprar droga, e ameaçou Dona Bê e Leide com um revólver. Leide chamou a polícia que o prendeu em flagrante. Ao periciarem sua arma, constataram que foi a mesma que matou Lindolfo, Junior e Ilana. Zé confessou. O motivo? Vingança, por causa do tal sobrado. Os policiais também suspeitavam de Ágata, mas não tinham provas. Zora foi solta.
Dona Bê, Zora, e Leide, deram uma semana para Ágata desocupar o sobrado, decorrido o prazo, foram ter novamente com ela, houve outro desentendimento e Leide empurrou Ágata escada abaixou, quando ela tentou agredir sua mãe, Ágata quebrou o pescoço e morreu. Dada às circunstâncias da morte de Ágata, Leide pegou uma pena leve – Por que está aqui? Indagou uma companheira de cela, Leide respondeu – Matei a mulher do meu irmão! – Sei como é família é complicado – Família? Cunhado não é parente, completou Leide.
Voltando à residência dos Modestos, Zora assumiu sua sexualidade e confidenciou à mãe, que, nas noites dos crimes estava com a namorada num hotel, daí o sigilo. Zora tinha planos de em breve ocupar o sobrado, enquanto isso levava a namorada para almoçar em casa quase todo o domingo.