873-O CASO DO CADÁVER DESAPARECIDO-
— Sei que as investigações não chegaram a um resultado conclusivo. Todos os indícios indicam para o suspeito Salvador Silva. Mas não temos a menor idéia onde foi parar o cadáver.
O Delegado Davanti respondia ás perguntas da repórter do “Jornal d Região”, sobre um dos mais intricados crimes que já investigara.
— Mesmo sendo inconclusivo, o suspeito será levado a julgamento?
— Sim, estamos aguardando que o juiz Dr. Benedito Barreto marque o dia.
A data foi afixada para uma semana depois da entrevista. Na pequena cidade, foi um evento raro, o julgamento de um suspeito de assassinato cujo corpo não tinha sido encontrado, apesar das diligências exaustivas do competente delegado Davanti.
O tribunal estava lotado. O delegado, que seria questionado pela defesa e pela acusação, sentava-se na primeira fila de cadeiras. O júri foi selecionado entre as pessoas mais criteriosas e sensatas da cidade. O advogado de defesa, doutor Olavo Camargo, era competente e um tanto dramático nas suas oratórias e estava sentado ao lado do réu. O promotor, doutor Décio Romano, sentava-se próximo ao delegado.
A sessão, iniciada ao meio dia, estendia-se pela tarde e já estava anoitecendo quando o doutor Olavo Camargo, finalizando sua sustentação oral, dramaticamente recorreu a um expediente que só ele mesmo poderia imaginar.
Observando o cansaço dos jurados, olhando para seu vistoso relógio de pulso, disse em tom de que proclama um espetáculo:
— Meritíssimo Juiz, senhoras e senhores jurados, eu tenho uma surpresa para todos.
Fez uma pausa na oratória, a fim de injetar mais suspense na situação que ele estava criando.
—Dentro de dois minutos, a pessoa que aqui se presume assassinada, entrará na sala deste tribunal por aquela porta! — e apontou a porta de entrada.
Os jurados, o juiz, e todos os assistentes olharam para a porta de acesso.
Meio minuto, um minuto, dois, três minutos se passaram. E ninguém apareceu na porta.
O Juiz, impaciente e já percebendo uma armação advogado de defesa, chamou a atenção deste:
— Doutor Olavo, se isto é algum truque para distrair os jurados, ordeno que pare imediatamente com este teatro!
O doutor Olavo, impávido, então explicou:
— Na verdade, eu disse que o assassinado iria aparecer na porta e todos olharam naquela direção, na expectativa de ver a suposta vítima. Todos olharam porque duvidaram que neste caso alguém realmente foi morto. Se tivessem a certeza, teriam rido na minha cara. Mas não, os senhores acharam que iria aparecer alguém, o homem que desapareceu. Portanto, fica claro, Meritíssimo Juiz, que todos DUVIDAM. Há com certeza uma dúvida do crime. Recorro, portanto, ao milenar direito arvorado no conceito de “in dubio pro réu”, ou seja, na dúvida, julguem a favor do réu. Por isso, insisto para que os senhores jurados considerem meu cliente inocente.
Os jurados, visivelmente surpresos e abalados com o ato teatral do advogado da defesa, retiram-se para a sala onde decidiriam a sorte (ou azar) do réu.
Alguns minutos depois, o júri voltou com o veredicto. O Juiz desdobrou o papel onde estava escrito a decisão final.
— CULPADO!
Houve um zunzum entre os assistentes. O Juiz bateu com o martelo sobre a mesa:
— SILÊNCIO!
E antes que o Juiz dissesse qualquer coisa, o Doutor Olavo exclamou:
— Mas como? Eu vi todos vocês olharem fixamente para a porta. Vocês estavam realmente em duvida! Como condenar na dúvida?
O Juiz bateu mais uma vez o martelo, dizendo:
— Peço ao advogado defensor do réu se abster de novos comentários.
Esperando que o ambiente serenasse, e antes de dar a sentença, o juiz esclareceu:
— Sim, todos nós olhamos para a porta, menos o seu cliente! Não olhou porque sabia que não iria aparecer ninguém. Alguém que ele assassinou!
Sentado e observando tudo com seu apurado senso crítico, o delegado Davanti cochichou para o promotor, Dr. Décio Romano:
— Não adianta ser um bom advogado, se o cliente for estúpido!
ANTONIO ROQUE GOBBO
BELO HORIZONTE, 11.12.2014.
Conto # 873 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS