AMOR VAGABUNDO

Tião berrava com o seu velho amigo Walter: “Não existe amor na zona”.

O protesto não ecoava, perdia-se como se perdem as declarações irrelevantes. Walter continuava a percorrer os bordéis com a alegria de quem sai para colher flores do campo. Talvez por culpa das inúmeras decepções amorosas com mulheres “civis”, como ele designava as moças mais virtuosas; talvez por consequência da sua mórbida timidez. Ninguém sabe ao certo os motivos, o fato é que Walter abraçou a fé dos fanáticos, só acreditava ser possível encontrar o amor no baixo meretrício.

A crença no amor vagabundo fazia uma das manifestações emocionais mais sinceras de Walter. Ele se embriagava em êxtases e cavas depressões. Da mesma forma que comemorava uma nova paixão descoberta na zona, também podia encharcar a fronha do travesseiro com as lágrimas de um sofrer inevitável. Não, Walter não era um ingênuo, mas tinha alma de poeta. Só os poetas são capazes de enxergar romances em prostitutas.

Um espectador que visse de fora, como aquele que assiste a uma peça de teatro, poderia questionar a honestidade sentimental do nosso Walter, pois suas paixões assemelhavam-se a gincanas. A conquista da dama passava por pagar o aluguel da casa, oferecer mesada, mimar com presentes caros, proporcionar viagens, etc. Ou seja, Walter não escrevia poesias. A arte de seduzir passava pela sofisticação de um antigo trinômio: casa, comida e roupa lavada.

Foi numa sexta-feira que o registro do homicídio bateu numa delegacia da Praça da Bandeira, Walter havia cometido um crime inapelável: entre rufiões e mundanas, ele amou.
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 24/08/2015
Reeditado em 25/08/2015
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