Desaparecimento Comum - Parte 1
O som do piano invadia a casa, assim como a despreocupação de cada um que estava no lar. Ninguém sentia diferença ou falta, o sentimento era o mesmo como em todos os outros dias. A luz do sol que atravessava as janelas, o som dos pássaros que cantavam lá fora, o mesmo piano, as solas de sapatos batendo no piso de madeira, o cheiro do café pronto e também, tudo aquilo que existia na rotina daquela família.
Joana, a governanta, vestia seu habitual traje, com seus antigos sapatos de couro preto e meias até o tornozelo. Serviu o café, arrumando as xícaras, pratos e talheres de um jeito organizado e bonito de se ver. Pães, iogurtes, leite e frutas. As cores de cada alimento se destacava com a luz do sol, por conta das janelas abertas da cozinha.
A filha mais velha, Catarina, terminava o banho em sua banheira. Já sabia que era a hora do café, mas com a batida na porta se apressou para terminar. Vestiu seu uniforme de enfermeira e seguiu para a mesa do café.
- Bom dia, Joana! - disse Catarina ao se sentar - Deve ter dormido bem, não é? - pegava pães e frutas, bebendo um iogurte - Para preparar um café da manhã desses, não? - ria por conta de sua piada sem graça.
- Ah… Sim, mas - antes que Joana pudesse a responder, Catarina já soltava seus gritinhos de euforia enquanto falava, como em todos as manhãs.
- Poderia trabalhar em um show de humor, não acha Joana? - ria sobre se achar tão engraçada e divertida - Cadê Rosa e mamãe? O que acontece com essas duas que nunca chegam?
Catarina insinuava que a governanta deveria as chamar de novo, o que era comum, pois atrasos para o café eram bem prováveis, assim como Sandra, a mãe, ignorar totalmente o chamado da governanta. “Resolvendo os problemas da fortuna do falecido marido, talvez” pensou, logo em seguida, indo para o fundo do corredor, onde se encontrava o quarto da filha mais nova, Rosa, que não respondeu aos chamados da governanta. Poderia parecer comum, porém ao abrir a porta não encontrou a filha mais nova.
Vermelho. Vermelho, lençóis manchados. Sangue, era o que vinha a sua cabeça, mas como? A menina estava ali antes do começo do café. O que teria acontecido para a garota não estar ali. Depois de gritar o nome dela pelos cantos, tentando fugir de Catarina, que resmungava pela falta da família e ria sobre suas próprias piadas. Retirou os lençóis manchados por algo vermelho, que a lembrava suco de morango ou sangue. Bateu novamente na porta do quarto de Sandra, sendo totalmente ignorada.
Não percebe que está me atrapalhando? - berrou a senhora atrás da porta.
- Me desculpe, mas sua filha… Rosa, não está em lugar algum. Não a encontro! - disse a governanta quase chorando - O quarto está vazio, e os lençóis, talvez, manchados de…
- Se vire! - respondeu Sandra, sem ouvir uma palavra, ela não ligava nem um pouco - Eu pago você para cuidar dessa menina - terminou, assim, aquele assunto.
A manhã seguiu, causando muito desconforto a Joana. Rosa não se encontrava em nenhum lugar provável. Catarina ria e seguia comendo, resmungando, reclamando pela falta das parentes, sem perceber que Joana, preocupada, não ouvia uma palavra que ela dizia. Andava de lá para cá, ameaçava de vez em cada dez minutos, bater a porta da mãe, mas sabia que ela não ligaria.
Poderia me dizer qual o problema, Joana? - perguntou Catarina se aprontando para seguir de carro até o trabalho.
- Sim, é que Rosa está completamente desaparecida - Joana estremeceu com o que disse, sabia que a confusão estaria apenas começando agora.
- Co-como? Como assim? O que quer dizer com desaparecida? - segurou Joana pelo braço, soltando toda sua força ali - Você a perdeu? Como pode a perder na nossa própria casa?
Joana não sabia o que responder, ela mesma não entendia. A menina estava ali pela manhã, pela noite anterior, e agora? Virará pó? Isso não fazia algum sentindo. A governanta não encontrava respostas para responder. Não queria que ela a culpasse, pois a culpa não era só dela.