De volta pra casa. Parte dois

E Lia partiu de Sertãozinho pensando em arranjar trabalho logo que chegasse em São Paulo. Mas lá a situação não era nada boa. Ficou alguns dias na rua dormindo entre mendigos. Ainda bem que uma das mendigas, cuidou dela como se fosse filha. Era uma senhora de uns sessenta anos abandonada pela família. Lia tomou banho no rio da cidade que não era muito limpo mas tirou o pó da viagem. Ganhou um vestido de uma mulher mais velha e assim pode lavar o seu vestido. O resto de suas roupas ficou pra trás na estrada. Limpa e com os cabelos penteados Lia foi atrás de emprego. Na praça encontrou mulheres com bebês brincando no parque. E uma delas gostou do carinho com que Lia brincava no meio das crianças. Na verdade ela brincava lembrando de Nina e Mateus. "Ah se eis tivesse ali. iam adorar esse lugá." A mulher tinha ficado sem a babá por aqueles dias e resolveu contratar Lia como experiência. Lia não sabia o que ra isso mas resolveu aceitar.

O neném se chamava Mateus também e era mais novo. Um anjinho." Também de barriga cheia purquê chorá?" O quarto do neném era lindo e lá tinha uma cama pra Lia. Quando Mateus estava dormindo Lia se punha a limpar o quarto dele. A mulher logo viu que ela era boa moça e perguntou se ela não tinha família. Quando Lia respondeu ficou claro a sua ignorância estudantil e ela resolveu por a menina pra estudar. O difícil foi fazer documentos pra ela pois não sabia nem a idade direito. Mas ela conseguiu pois o marido dela era advogado. Comprou roupas e calçados pra Lia e logo ela nem parecia a mesma. No primeiro dia de aula, já fazia dois meses que ela estava na casa do Mateus neném, Lia passou em frente a praça e viu as pessoas que a acolheram quando chegou ali. Lembrou da velha e resolveu visitá-la depois da aula. A velha estava doente. Tossia muito. Quando chegou em casa o Mateus a recebeu com festa. Mas Lia estava triste. Como ela sempre tinha um sorrizo no rosto a patroa a interpelou.

_O que foi Lia? Porque está tão cabisbaixa?

E Lia contou pra ela sobre a senhora que havia cuidado dela quando chegou a cidade e que descobriu que a velha estava doente.

A patroa se chamava Adelaide e gostava muito de Lia por isso resolveu que iriam as duas visitar a velha e ver o que poderiam fazer por ela. Quando chegaram no local a velha estava muito mal e sem forças. Adelaide chamou uma ambulancia e levaram a mulher pro hospital. Tiveram que interná-la particular porque ela não tinha documentos. Deixaram ordem pra cuidarem muito bem da velha e que os custos seriam todos de Adelaide.

Em casa Lia ficou mais tranquila, mas comentou com a patroa que quando a mulher sarasse não tinha pra onde ir e por isso adoeceria de novo. Ela concordou e prometeu pensar sobre o assunto. Lia se entrosou com as empregadas da casa e logo as ajudava em tudo quando não estava cuidando de Mateus. Gugu era a cozinheira e era a maior puxa saco de Lia. Era seu xodó. Um dia contou pra Lia que antes dela havia outra cozinheira que ela veio substituir. A mulher morava em um casebre na periferia da cidade e morreu de uma doença desconhecida. Uma gripe forte que não teve cura. Lia então perguntou pra ela se a casa dela tinha sido deixada pra alguém. Mas ela respondeu que a patroa era quem saberia a resposta.

Adelaide contou pra Lia que a casa da outra cozinheira estava fechada e que pertencia a ela. Comprara pra Mercedes quando ela estava pra se aposentar. Mas desde que ela morreu não voltara mais a casa. Ficava num lugar até bom. A casa era boa mas estava fechada. Adelaide resolveu dar a Lia aquela casa e as empregadas adoraram a idéia. Assim ela poderia por a velha senhora lá e visitá-la sempre que possivel. Foram ver a casa e ela precisava de uma faxina. Lia limpou tudo com capricho e quando a velha saiu do hospital foi levada pra lá. Estava bem forte e Adelaide conseguira aposentadoria para ela pela idade. Descobriram que ela já tinha idade para se aposentar mas não tinha entrado com pedido. Pois a filha a tinha expulsado de casa antes e ela não pode procurar por isto. O marido de Adelaide, Entrou com um processo contra a filha da velha , que se chamava Antonieta Nieth Brum. Por abandono de incapaz. Estão aguardando o resultado do inquérito. Por enquanto Lia se tornou uma filha para ela. A melhor filha que alguém poderia ter.

Assim que aprendeu a ler e escrever Lia escreveu pra casa do Sr Adalberto em Sertãozinho. Adelaide ajudou-a a encontrar o endereço e assim escreveu com muita vontade de saber do irmão. Dentro do envelope elas mandaram também uma foto de Lia.

Num dia em que Lia saía da escola o carteiro a encontrou na rua e lhe entregou uma carta. Nela estavam notícias de Mateus. Estava com três anos de idade. Já falava de tudo mas lembrava de Lia sempre. A foto que ela lhe mandara ninguém lhe tirava da mão.

A única tristeza no coração de Lia era saber notícias de Nina e elas vieram de uma maneira muito diferente um dia.

Adelaide era sócia de um clube na cidade. Era um clube em que só frequentavam pessoas da alta sociedade. Grandes nomes de pessoas não só ricas mas muito poderosas. Juizes, advogados e grandes comerciantes com saldo bancário nada modesto. Num domingo de setembro, mais de um ano depois que Lia estava com Adelaide, eles foram ao clube para uma festa de aniverssário de um menino. Lia estava triste porque Mateus mandara notícias através do Sr Adalberto de que estava com muita saudade dela e ela não tinha coragem de pedir a Adelaide pra ir vê-lo. Sertãozinho era muito longe e seriam precisos muitos dias até ela voltar.

A festa estava muito boa e tudo estava lindo. O menino estava bem arrumado. Tudo teria corrido bem se não fosse uma situação que ocorreu. Uma mulher batia numa menina na beira da piscina. A menina gritava e fazia toda a espécie de bagunça. Quebrava coisas derrubava objetos, só pra irritar a mulher. Elas estavam de costas pra Lia e por isso ela não poderia ver seus rostos. A menina começou a chorar e Lia então viajou no tempo. Já ouviu este choro antes. Pegou Mateus no colo e foi até lá. Quando viu o rosto da mulher, Lia gelou o coração. A menina era Nina. Ela a reconheceu no mesmo instante e grudou nas pernas de Lia. Adelaide viu a cena e foi até lá.

A confusão era muita. A menina chorava grudada nas pernas de Lia: Mateus chorava com ciumes de Lia; Lia chorava com raiva da mulher e pena de Nina e as pessoas olhavam curiosas aquele cenário de Horror para elas, todas acostumadas ao requinte e refinamento.

Adelaide chegou a tempo de pegar Mateus no colo. Lia agarrou Nina no colo e ela apertou com força o pescosso da irmã com medo de perdê-la outra vez. A mulher tentava pegar a menina, mas ela não largava da irmã. Ela não reconheceu Lia que com os cabelos arrumados e mais velha e bem cuidada nem parecia a mesma.

Com muito custo Lia acalmou a irmã. A mulher pegou a menina e saiu dali. Uma outra senhora disse que ela sempre batia na menina, mas que deixasse que era a mãe dela e saberia corrigir as malcriações da filha.

Em casa, Lia contou a Adelaide que aquela era a sua irmã. Ela a abraçou com o coração doído e prometeu ver o que poderia fazer.

A escola estava fazendo muito bem pra Lia. Era uma escola de pré escola até segundo grau. Lia era analfabeta até entrar lá e por isso estava no primário agora, apesar de ter dezessete anos de idade

(ela achava que tinha essa idade pois nunca tivera documentos e sabia pelo que a mãe lhe dissera.) Na hora do recreio os mais velhos iam primeiro e depois os maiores. Mas como Lia estudava no primário junto com as menores saía antes também. Só o prezinho, as crianças que tinham até seis anos,é que saía antes. Na segunda feira depois da confusão no clube, a escola teve um problema com a professora da pré escola e por isso eles ficaram no recreio até o primário chegar e ficaram com eles até a professora voltar. Quando Lia se deu conta alguém corria até ela e a abraçava. Era Nina. Ela contou a Lia tudo o que estava passando. Tentara fugir pra casa várias vezes mas a "mamãe" sempre a perseguia e ela tinha que voltar pra casa. Ficava de castigo por qualquer motivo.

Queria ir com Lia embora pra casa. Lia a consolou e disse pra ter paciencia. As coisas iriam se ajeitar. Obedecesse a mulher e tudo ia ficar bem. Logo ela iria buscá-la e nunca mais se separariam.

Depois desse dia, todos os dias Lia ficava a observar o prezinho pela grade e sempre conseguia ver e conversar com Nina. Elas tinham muito o que conversar. Falaram sobre o Mateus e sobre a saudade de casa. Adelaide estava tentando com o marido obter a guarda de Nina na justiça. Acusavam a mulher de maus tratos. O difícil era testemunhas. Ninguém queria testemunhar contra aquela mulher. Lia não tinha documentos que comprovassem a sua fraternidade com Nina. Pra complicar ainda mais a menina agora era filha de um Juiz.

Continua...

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 26/02/2015
Reeditado em 12/04/2017
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