ENCONTRO COM HORA MARCADA

Aos amigos, aos quais só tenho enviado LAMÚRIAS, segue um texto divertido... ou quase isso! A partir desta data reduzo meus contatos apenas a uns poucos amigos e 10 ou 12 jornais. Grato a todos pela tolerância, prometo não mais incomodá-los. (NATOAZEVEDO)

MMEQ -- CONTOS DE TERROR REAL

Não sei bem porque, mas ler sempre exigiu de meu cérebro juvenil um certo esforço, algum impulso disciplinador. Embora adorasse escrever (cartas, principalmente) desde os 14 ou 15 anos, apesar da empolgação com que encarava eu as lições de Redação, Composição ou Descrição -- e eram textos diferenciados na forma, no conteúdo -- o fato é que ler, mesmo revistas, não me motivava nem um pouco.

Está claro que há temas que ainda hoje me interessam... como fotografia, eletrônica, arquitetura e decoração, revistas sobre motos e pouca coisa fora disso. Contudo, além das HQs, dos "gibis" de todo tipo, só duas coisas me impeliam à leitura, me atraíam para ela: as revistinhas "SELEÇÕES" (Reader's Digest) e os livretos surrados e amarelecidos da MMEQ, a famosa série de contos policiais "Mistério Magazine Ellery Queen".

Já com 2 ou 3 décadas de existência nos anos 70, a revista "Mistério Magazine" reunia os melhores autores da época, os mais criativos, os mais empolgantes. Era um dos poucos prazeres deste favelado sem recursos para frequentar bailes e cinemas sentar-se no beliche surrado, sob a luz hesitante dos lampiões a querosene, para "devorar" vários exemplares antigos da MMEQ, comprados por centavos nos "sebos" de Copacabana.

Definidos como "short stories", os minicontos publicados pela revista tinham todos uma qualidade essencial... eram eletrizantes! Iniciada a leitura, nos era quase impossível largá-la. Alguns abordavam crimes horrendos, do tipo passional, mas com tal elegância -- não encontrei têrmo melhor -- que o leitor mal percebia a barbárie contida nos fatos retratados. Lembro-me de um furto acontecido na entrada de um baile e "resolvido" em apenas 8 ou 10 linhas, embora boa parte deles exigisse página e meia.

A MMEQ me "induziu" a ler todo tipo de conto, a me enfurnar nas famosas coletâneas "do conto universal", descobrindo autores e estórias magníficas, mas o SABOR vivenciado pelos textos da revista eu só sentiria novamente adiante, num conto de terror denominado "O Escaravelho Dourado" -- cujo autor desconheço e cuja obra jamais tornei a encontrar -- e nos escritos de Edgar Allan Poe, esse um mestre imbatível no gênero.

"Embarquei" nas peripécias dos detetives Sherlock Holmes e Hercules Poirot e nas do inspetor Maigret (de Georges Simenon), nos furtos inacreditáveis de Arsène Lupin, que assisti recentemente na TV com o mesmo preazer de 40 anos atrás e nas aventuras do "Santo", pouco lido e menos conhecido. Mas, tanta leitura de nada me adiantou, sou um escritor verborrágico, prolixo, de encher páginas às dúzias... textos curtos, "short tales" me soam impossíveis !

No futuríssimo livro "QUASE NADA...", que suponho jamais será editado, tenho 2 textos despretenciosos com alguns "laivos" de conto policial. Intitulam-se "Um Assassino em Potencial", rabiscado em 1969 ou 70, em meus primeiros dias como escritor, além do "Manchete Fatal", produzido em meados de 2000. Agora, ouso pôr em "letra de fôrma" virtual recente enredo criminal, na minha cabeça faz algum tempo. Espero que os eventuais leitores não encontrem nele muitas falhas e consigam perceber a história por completo.

"NATO" AZEVEDO (em 21 de fevereiro / 2015)

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ENCONTRO NA HORA MARCADA

Acordou por volta das 10 horas, ainda atordoada, na cabeça meia dúzia de colibris chilreando. Estirada no tapete, o babydoll em pedaços num canto da sala, a calcinha no lado oposto. Recordou a noite de terror e gritou mais uma vez... a vizinha e amiga correu para ajudá-la e, após um banho, foram juntas procurar o xerife do condado.

-- "Foi êle, delegado, aquele desgraçado! Surgiu do nada em meu apartamento, tapou minha boca e tentou me estrangular. Dei um grito, levei um soco no rosto e desmaiei"!

-- "Calma, mocinha, vou fazer a perícia no local e, depois, volto a conversar consigo. Por hora, vá para casa"!

-- "Eu quero ver aquele traste na cadeia, êle não pode ficar impune. Patife, canalha"!

A cidadezinha conhecia o "caso" da manicure Susan GoodFooker com o "gostosão" do lugar, atleta completo, filho do comerciante mais abastado de Rich Valley, cujo único passatempo era conquistar as jovens bonitas do lugar. A polícia não achou na casa de Susan nenhum vestígio da "visita" do sujeito, nem sinais de arrombamento da porta ou sequer um preservativo já usado. A cabeleireira insistiu... abriu processo contra Clark Kent por invasão de domicílio, agressão, estupro, tentativa de homicídio e danos morais.

Foi um escândalo, nenhum advogado quiz aceitar defender a cabeleireira. Mas a amiga mais uma vez a socorreu. Tinha um irmão em outra cidade, recém-formado e êle aceitara representar a moça.

Do que se recordava ela?! Lembrava apenas de estar ouvindo música, com headphones, quando sentiu mão peluda tapando sua boca. Mordeu um dedo do sujeito, deu um berro e êle a puxou da poltrona para o chão. Só então o viu: era o crápula do Clark, apertando seu pescoço para a sufocar. Tentou chutá-lo, êle lhe deu um soco no rosto e ela desmaiou. Viu de relance o relógio na parede... eram 2,01 da madrugada, disso tinha certeza.

O advogado investigou por conta própria, pois a delegacia dera o caso por encerrado. Não receberia 1 centavo pela causa e a jovem contratante arcava somente com as despesas da Pensão onde se hospedara. Nascido na cidade, tinha contas a ajustar com o "Don Juan" rico, desde os tempos da juventude, quando perdeu a namorada para o "playboy" mimado. O fazendeiro pediu pressa no julgamento do caso, queria tirar o filho da cidade, enviá-lo "de férias" para algum lugar na Europa.

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E chegou o grande dia, quase um feriado, o comércio local fechou as portas mais cedo para assistir o julgamento. Nem todos admiravam o "príncipe encantado"... rapazes pobres (e feios) por exemplo e pais com filhas esbeltas. Nas preliminares, os advogados das partes não economizaram insultos a fim de depreciar os envolvidos.

A jovem era mulher "de vida fácil", se oferecia a todos e só não era prostituta porque as noites de amor eram... DE GRAÇA. O rapaz um irresponsável, moleque que promovia arruaças por onde passava, um conquistador barato que já desvirginara diversas donzelas da região.

-- "Senhores advogados, limitem-se aos têrmos legais ou serão afastados do caso", admoestou o juiz. Pela acusação nenhum fato novo: a manicure era obssessiva, perseguia o ricaço por meia cidade e até o bilhete ameaçando esganá-la no dia do aniversário dele tinha origem indefinida, sabia-se apenas que fôra copiado na máquina Xerox da Biblioteca Pública, a qual todo mundo tinha acesso. Mensagem do tipo clássico, toda feita com recortes de manchetes do Jornal local. Enfim, tudo estava indo à favor de Kent !

O advogado de "Susy" convocou para depor a atual namorada de Clark, louraça batizada de Marilyn Monroe. Ela confirmou que seu amor não saíra da mansão em nenhum momento, todos os convidados do aniversariante eram testemunhas disso.

-- "Mocinha, você está sob juramento... estiveste do lado dele a noite toda"?!, retrucou o causídico. Ela vacilou, ficou em silêncio por instantes e refez a declaração:

"B-b-bem, um pouco depois de cortarmos o bolo êle se sentiu mal, foi ao banheiro e ficou algum tempo lá. Quando voltou ainda estava febril, suava bastante... mas, logo depois melhorou"!

Por tradição se cortava o bolo à meia-noite, nem um minuto antes. Logo, o rapaz se ausentara próximo da 1 hora da madrugada... como fôra à casa de Susan e voltara sem ninguém perceber?! Convocou o acusado para o banco das testemunhas, ao lado do magistrado, este preocupado com o rumo das coisas, já que era amigo do fazendeiro e aquele escândalo todo atrapalhava os negócios do pai do rapaz irresponsável.

-- "Vocè está nas minhas mãos agora"!, sussurrou entre dentes o advogado, fuzilando-o com o olhar.

-- "Vai me pedir em casamento, BENZINHO"?!, retrucou irônico o namorador, relembrando a forma carinhosa com a qual sua antiga noiva o chamava, antes que Clark a cortejasse, tomando-a dele.

-- "Kent, lembro-me que você era um grande esportista, fazia 50 metros em menos de 10 segundos e, um dia, "escalamos" juntos o prédio antigo antigo da Prefeitura... está correto"?

-- Você sabe que sou o maior, por isso sempre me invejou... fui do time campeão da Escola, o melhor atleta nos 100 e 200 metros, durante anos"!

-- "Lembre-se que está sob juramento... você esteve no apartamento de miss Susan na noite do teu aniversário"?

-- "Isso é sandice dessa vagabunda, ela mesma se feriu... o machucado em meu dedo aconteceu quando eu praticava esporte"!

O jovem advogado virou-se para sua cliente e gritou:

-- "Você MENTIU quando disse que Clark esteve em sua casa às 2 da madrugada"!

-- "Você está maluco"?!, berrou a moça quase subindo sobre a mesa, um dos joelhos em cima dela. Voltando ao rapaz, dedo em riste, continuou:

-- Você acaba de cometer PERJÚRIO, porque você esteve sim no apartamento dela, pulha ! Tenho a prova aqui comigo, senhor Juiz"!, batendo com a mão num pacote sobre a sua mesa, comprado momentos antes de entrarem no Tribunal.

Distribuiu cópias em cartolina da hora em que a jovem disse ter sido quase estrangulada... 201, com números de linhas retas e ângulos agudos, como todo relógio digital deve ser.

-- Você planejou tudo há quase 1 ano, desde o bilhete que prometia matá-la... deixou roupa esportiva e tênis no banheiro da mansão, cujas janelas dão para o jardim, pouco iluminado. Atleta, fez os 400 metros entre as 2 casas em poucos minutos, escalou facilmente os 3 andares do prédio da Pensão, semelhante ao da Prefeitura, agrediu e violentou minha cliente. Quando ouviu a amiga dela bater na porta, desistiu de matá-la. Voltou correndo, pelo mesmo trajeto e o excesso de esforço físico produziu o abundante suor e o "ar febril" que sua namorada diz ter notado em seu rosto".

-- "Isso são apenas conjecturas, pateta, você não tem uma só prova do que afirma. Às 2 horas eu estava na mansão, todo mundo viu"!, explodiu o jovem, com voz esganiçada.

-- "Senhores jurados, Meritíssimo, por favor coloquem a folha de cartolina com a hora um pouco acima de suas cabeças, virada para a frente. Agora, inclinem o papel lentamente em direção ao rosto... era essa a HORA REAL, vista de cabeça para baixo por minha cliente, lutando para se manter viva. Foi na verdade à 1 hora e 2 minutos -- e não às 2 da manhã -- que você esteve na sala de "Susy", entrando pela janela, por isso não houve arrombamento.

Desembrulhando o pacote, exibiu para a platéia do Tribunal lotado um enorme relógio digital retangular de 1 metro, virando-o lentamente até ficar "de cabeça para baixo", invertido... o 102 inicial se transformou magicamente em 201, sem prejuízo para a leitura. Diante do povo estupefato, coube ao Juiz pedir silêncio, decidindo por adiar o processo, para novas investigações, enquanto o fazendeiro contactava Susan e seu advogado para um providencial acordo.

(FIM)

"NATO" AZEVEDO -- (Ananindeua / PA -- 19/fev. 2015)

OBS: conto dedicado ao "dublê" de professor, cronista e contista gaúcho NELSON HOFFMANN, primeiro avaliador de meus textos e meu incentivador nesse espinhoso e solitário caminho. Homenageio também JOÃO DOS SANTOS (o "Leco"), genial microcontista de Londrina / PR, autor do "zine" "Jornal Leco", de saudosa memória.