CRÔNICA DE UM ASSASSINATO
Quando jovem estudante eu também tive meus sonhos. E o maior deles era ser jornalista. Sonhava com as grandes redações de jornais, me via correndo atrás das notícias, entrevistando celebridades, descobrindo falcatruas e desvendando crimes misteriosos que nem a polícia conseguia resolver. Assim, logo que terminei o ensino médio, fiz vestibular para a faculdade de jornalismo. Logo de cara percebi que o charme da profissão, se existia, eu não iria encontra-lo na faculdade. Na verdade, o curso não tinha nada de charmoso. Era como o curso de direito, que fui fazer mais tarde, atraído por outro arquétipo falso, o do advogado matreiro que dá verdadeiros espetáculos de versatilidade e inteligência nos tribunais, inocentando pessoas que parecem estar, de antemão, já condenadas. Logo verifiquei que tais profissionais só existiam nos filmes de Hollywood, assim como os jornalistas tipo Bob Woodward e Carl Bernstein, que desvendaram o Caso Watergate, eram casos muito raros. Não obstante terminei o meu curso, mais por teimosia do que por desejo de ser jornalista mesmo. E como precisava de um estágio para pegar meu diploma, arrumei um lugar para estagiar no jornal de minha cidade, onde o redator chefe era amigo de um parente meu.
Fiquei uns três meses na redação ajudando o efeminado colunista da página social a montar a sua coluna. Um trabalho idiota, que eu odiava. Se o curso havia sido enfadonho e decepcionante, aquele estágio estava sendo simplesmente desencorajador. Praticamente, se ser jornalista era aquilo, eu francamente já estava praticamente desistindo.
Então, um dia o editor-chefe me chamou e disse: ─ Paulinho, a sua chance chegou. O Carlão está doente e não pode vir trabalhar hoje. Você vai fazer uma matéria policial no lugar dele.
Carlão era um repórter que costumava cobrir matérias policiais.
─ Um cara apareceu morto na Rua..... Suspeita de assassinato. Quero que você vá lá e cubra essa matéria. Fale com os policiais, entreviste os parentes, os vizinhos, todos que puderem dar alguma informação. Parece que o cara tem alguma ligação com esse rolo da Petrobrás. Isso pode dar uma boa matéria e você pode ficar famoso. Faça bem o serviço e eu lhe dou o emprego ─ disse ele rindo.
La fui eu, juntamente com o Braz, o fotógrafo do jornal. A casa, situada em um bairro de classe média alta, indicava que ali morava um sujeito de posses. Estava cheia de policiais e curiosos. Mostrei, com certo orgulho, ao policial que parecia estar á testa do caso, as minhas credencias de imprensa. Ele me olhou como se eu fosse um rato saído de um bueiro qualquer, mas logo mudou de atitude ao ver os flashes da câmara do Bráz focados no rosto dele. Então ele se abriu em um sorriso e perguntou no que poderia ser útil. O que não faz um estímulo á vaidade! Bem que dizia um professor da faculdade que a melhor forma de conseguir a boa vontade de um entrevistado era massagear o ego dele com um apelo á sua vaidade. Por que vaidade é como hemorroida: quase todo mundo tem, mas são poucos que confessam. Uma foto no jornal, com um título pomposo em baixo amolece qualquer um, e o nosso policial foi logo dando a opinião dele a respeito.
─ Não há nenhuma dúvida de que é um caso de assassinato ─ disse ele, apontando para o corpo estirado no piso da sala, em meio a uma poça de sangue, onde ele havia demarcado o contorno do espaço ocupado pelo corpo com uns riscos de giz. Era um homem de cerca de cinquenta anos, bem vestido
─ Como sabe que ele foi assassinado?─ perguntei.
─ Pela posição do corpo e por que não há sinais de pólvora em suas mãos ─ disse ele.─ Quem atira em si mesmo sempre fica com restos de pólvora nas mãos.
─ E qual seria o motivo desse crime? ─ perguntei. ─ Roubo, vingança, crime passional?.
─ Para mim, parece ser crime passional─ disse ele, olhando para o fundo da sala, onde duas mulheres, abraçadas uma á outra, estavam chorando.
Compreendi logo a muda mensagem dos olhos dele. Olhei para a direção que ele apontara. Uma jovem e bonita senhora estava sentada no sofá de couro da sala de estar, chorando. Outra senhora, que devia ser a mãe dela, pela semelhança de feições, estava tentando consolá-la.
─ É a viúva dele ─ disse o policial. ─ A outra é a sogra.
“Uma mulher jovem e bonita”, pensei. No mínimo a metade da idade do defunto. Podem dizer agora que a hora não era apropriada, mas repórter que espera hora certa para colher informação nunca passará de foca de redação. E eu, agora que tinha tido aquela oportunidade, não podia perdê-la por conta de um sentimentalismo barato. Um repórter não pode ter tais escrúpulos, foi o que me ensinaram na faculdade. Também não pode ficar se preocupando com a verdade. A verdade é aquela na qual as pessoas acreditam. Se a versão é mais saborosa que o fato, imprima a versão. Essa é a primeira regra do jornalista. Então fui falar com a viúva. Assim que me identifiquei como repórter e perguntei á viúva se ela poderia conversar um pouquinho comigo, a mulher que parecia a mãe foi logo me dando uma bronca.
─ Ei rapaz, você não tem se "mancol", não? Não vê o estado da pobrezinha?
─ Tudo bem, mamãe, pode deixar, eu estou bem ─ disse a moça, enxugando as lágrimas com um lenço de papel.
─ O que você quer saber? ─ perguntou-me ela, assoando o nariz.
Olhei de relance para a mãe dela com uma ponta de ironia. ”Fica na sua, velha jararaca”, disse a ela mentalmente. Depois perguntei á jovem viúva. ─ A senhora é a esposa dele?
─ Eu era a esposa dele─ respondeu ela.
─ E a senhora saberia dizer por que motivo ele foi assassinado?
─ Assassinado? ─ Quem disse que o Carlos foi assassinado? ─ respondeu ela, com os olhos arregalados.
─ Não foi? ─ perguntei.
─ Claro que não ─ disse ela. ─ Ele se suicidou ─ disse ela com uma convicção impossível de retrucar.
─ Mas porque ele teria cometido suicídio? ─ perguntei, interessado, pois logo vislumbrei ali uma boa história para explorar.
─ Primeiro, porque os negócios dele iam mal. Ele tem uma empresa de construção, que trabalha para empreiteiras de obras públicas. Desde que estourou esse problema com a Petrobrás ele não pega mais nenhuma obra. As dívidas foram se acumulando, os processos trabalhistas também. Ele estava ficando desesperado.
A jovem viúva caiu em um choro compulsivo e enterrou a cabeça loura no ombro da mãe.
─ Chega, moço ─ disse a velha jararaca. ─ Ela não quer falar mais.
Aquele negócio estava começando a ficar enrolado. Não tinha a menor ideia por onde começar a escrever a minha matéria. Estava me preparando para sair quando a sogra bateu nas minhas costas, discretamente.
─ Quero falar com o senhor em particular. Poderia me acompanhar até a outra sala?
Fomos até uma sala ao lado, que parecia ser uma sala íntima. Estava mobiliada apenas com um sofá e um enorme aparelho de televisão de plasma. A mulher me puxou para um lado e assumiu ares de confidência.
─ Sabe, essas coisas a gente não deve ficar falando sem provas, mas eu acho que a milha filha não tem razão. O meu genro não se suicidou. Eu acho que foi assassinado ─ disse ela, baixinho, com o canto da boca.
─ E a senhora desconfia de alguém?
─ Claro. Só pode ser aquela puta da amante dele. Ela o matou porque a minha filha o obrigou a abandoná-la.
─ Ele tinha uma amante? A sua filha sabia disso?
─ Não. Eu descobri isso a semana passada. Não tive coragem de contar isso a ela. A coitadinha já estava tão deprimida com essas dificuldades do trabalho dele.
- E a senhora já disse isso á polícia- perguntei.
- Não, porque não tennho provas. Mas tenho certeza que foi ela.
─ A senhora sabe onde posso encontrar essa mulher? ─ perguntei, já imaginando as perguntas que iria fazer a ela.
─ É aquela puta ali, de vestido azul ─ disse ela, apontando discretamente para uma mulher de meia idade, bonita e elegantemente vestida, sentada numa cadeira de espaldar alto, no fundo da sala. ─ A vadia é tão despudorada que ainda vem aqui, emporcalhar com a sua presença um momento tão delicado.
Agradeci e fui em direção á pretensa amante, que ainda olhava para o cadáver no meio da sala, como se não acreditasse no que estava vendo.
─ Por favor, senhora. Sou do Jornal .... Poderia trocar umas palavrinhas conosco? ─ perguntei.
Ela me olhou com um ar meio desconcertado como se não estivesse entendendo o por quê da sua escolha. E ficou mais espantada ainda quando Braz começou a tirar fotos dela. Mas isso parece que abriu nela a vontade de colaborar. O rosto dela relaxou e ela quase sorriu.
─ A senhora era amiga do falecido? ─ perguntei.
─ Por que o senhor quer saber?─ perguntou ela, desconfiada. Percebi que se colocava na defensiva.
─ É que fui informado que a senhora conhecia bem o falecido ─ disse eu.
─ Eu era a mulher que ele amava ─ respondeu ela com certa arrogância.
─ Mas ele era casado com outra mulher ─ respondi.
─ Uma biscatinha que só casou com ele por causa de dinheiro ─ disse ela.
Aquilo estava ficando interessante.
─ A senhora tem alguma ideia dos motivos que o levaram ao suicídio?─ perguntei.
─ Suicídio? Que suicídio, que nada. Foi ela que o matou!
─ De quem a senhora está falando?
─ Daquela putinha sem vergonha que se diz mulher dele.
─ A senhora acha que ela a matou? Como?
─ Ela atirou nele e fez parecer que ele se suicidou ─ disse ela, abaixando o tom de voz. Um brilho de ódio apareceu nos olhos dela.
─ E porque ela teria feito isso?
─ Porque ele ia deixá-la para viver comigo. Por isso ela o matou.
Eu já estava na rua, pronto para subir na perua da reportagem e voltar para a redação. Minha cabeça fervilhava. Como é que eu ia redigir aquela matéria?
Um sujeito nos abordou.
─ Ei , vocês são da Imprensa?─ perguntou ele.
─ Sim, somos do Jornal...
─ Ah! legal. Pode anunciar que o caso já está resolvido ─ disse ele. ─ Acabamos de pegar o assassino. É um caso de latrocínio. O cara entrou na casa para roubar, foi surpreendido pela vítima, que reagiu. Ele então atirou nele e depois fugiu sem levar nada.
─ Ah! meu nome é Nerivaldo. Investigador Nerivaldo. Fui eu que resolvi esse caso, sabe? ─ disse ele, estendendo a mão para mim e olhando para a câmara do Brás com um grande sorriso. ─ Você pode publicar isso?
Fiquei sentado a tarde inteira na redação pensando em como poderia costurar tudo aquilo. Por fim, quando o editor veio me cobrar a matéria, entreguei a ele uma folha com três linhas dizendo: Demito-me. Não quero mais ser jornalista. Vou estudar psicologia. Estou agora na sexta faculdade, ainda tentando encontrar uma profissão que me ensine a entender o ser humano.
─
Quando jovem estudante eu também tive meus sonhos. E o maior deles era ser jornalista. Sonhava com as grandes redações de jornais, me via correndo atrás das notícias, entrevistando celebridades, descobrindo falcatruas e desvendando crimes misteriosos que nem a polícia conseguia resolver. Assim, logo que terminei o ensino médio, fiz vestibular para a faculdade de jornalismo. Logo de cara percebi que o charme da profissão, se existia, eu não iria encontra-lo na faculdade. Na verdade, o curso não tinha nada de charmoso. Era como o curso de direito, que fui fazer mais tarde, atraído por outro arquétipo falso, o do advogado matreiro que dá verdadeiros espetáculos de versatilidade e inteligência nos tribunais, inocentando pessoas que parecem estar, de antemão, já condenadas. Logo verifiquei que tais profissionais só existiam nos filmes de Hollywood, assim como os jornalistas tipo Bob Woodward e Carl Bernstein, que desvendaram o Caso Watergate, eram casos muito raros. Não obstante terminei o meu curso, mais por teimosia do que por desejo de ser jornalista mesmo. E como precisava de um estágio para pegar meu diploma, arrumei um lugar para estagiar no jornal de minha cidade, onde o redator chefe era amigo de um parente meu.
Fiquei uns três meses na redação ajudando o efeminado colunista da página social a montar a sua coluna. Um trabalho idiota, que eu odiava. Se o curso havia sido enfadonho e decepcionante, aquele estágio estava sendo simplesmente desencorajador. Praticamente, se ser jornalista era aquilo, eu francamente já estava praticamente desistindo.
Então, um dia o editor-chefe me chamou e disse: ─ Paulinho, a sua chance chegou. O Carlão está doente e não pode vir trabalhar hoje. Você vai fazer uma matéria policial no lugar dele.
Carlão era um repórter que costumava cobrir matérias policiais.
─ Um cara apareceu morto na Rua..... Suspeita de assassinato. Quero que você vá lá e cubra essa matéria. Fale com os policiais, entreviste os parentes, os vizinhos, todos que puderem dar alguma informação. Parece que o cara tem alguma ligação com esse rolo da Petrobrás. Isso pode dar uma boa matéria e você pode ficar famoso. Faça bem o serviço e eu lhe dou o emprego ─ disse ele rindo.
La fui eu, juntamente com o Braz, o fotógrafo do jornal. A casa, situada em um bairro de classe média alta, indicava que ali morava um sujeito de posses. Estava cheia de policiais e curiosos. Mostrei, com certo orgulho, ao policial que parecia estar á testa do caso, as minhas credencias de imprensa. Ele me olhou como se eu fosse um rato saído de um bueiro qualquer, mas logo mudou de atitude ao ver os flashes da câmara do Bráz focados no rosto dele. Então ele se abriu em um sorriso e perguntou no que poderia ser útil. O que não faz um estímulo á vaidade! Bem que dizia um professor da faculdade que a melhor forma de conseguir a boa vontade de um entrevistado era massagear o ego dele com um apelo á sua vaidade. Por que vaidade é como hemorroida: quase todo mundo tem, mas são poucos que confessam. Uma foto no jornal, com um título pomposo em baixo amolece qualquer um, e o nosso policial foi logo dando a opinião dele a respeito.
─ Não há nenhuma dúvida de que é um caso de assassinato ─ disse ele, apontando para o corpo estirado no piso da sala, em meio a uma poça de sangue, onde ele havia demarcado o contorno do espaço ocupado pelo corpo com uns riscos de giz. Era um homem de cerca de cinquenta anos, bem vestido
─ Como sabe que ele foi assassinado?─ perguntei.
─ Pela posição do corpo e por que não há sinais de pólvora em suas mãos ─ disse ele.─ Quem atira em si mesmo sempre fica com restos de pólvora nas mãos.
─ E qual seria o motivo desse crime? ─ perguntei. ─ Roubo, vingança, crime passional?.
─ Para mim, parece ser crime passional─ disse ele, olhando para o fundo da sala, onde duas mulheres, abraçadas uma á outra, estavam chorando.
Compreendi logo a muda mensagem dos olhos dele. Olhei para a direção que ele apontara. Uma jovem e bonita senhora estava sentada no sofá de couro da sala de estar, chorando. Outra senhora, que devia ser a mãe dela, pela semelhança de feições, estava tentando consolá-la.
─ É a viúva dele ─ disse o policial. ─ A outra é a sogra.
“Uma mulher jovem e bonita”, pensei. No mínimo a metade da idade do defunto. Podem dizer agora que a hora não era apropriada, mas repórter que espera hora certa para colher informação nunca passará de foca de redação. E eu, agora que tinha tido aquela oportunidade, não podia perdê-la por conta de um sentimentalismo barato. Um repórter não pode ter tais escrúpulos, foi o que me ensinaram na faculdade. Também não pode ficar se preocupando com a verdade. A verdade é aquela na qual as pessoas acreditam. Se a versão é mais saborosa que o fato, imprima a versão. Essa é a primeira regra do jornalista. Então fui falar com a viúva. Assim que me identifiquei como repórter e perguntei á viúva se ela poderia conversar um pouquinho comigo, a mulher que parecia a mãe foi logo me dando uma bronca.
─ Ei rapaz, você não tem se "mancol", não? Não vê o estado da pobrezinha?
─ Tudo bem, mamãe, pode deixar, eu estou bem ─ disse a moça, enxugando as lágrimas com um lenço de papel.
─ O que você quer saber? ─ perguntou-me ela, assoando o nariz.
Olhei de relance para a mãe dela com uma ponta de ironia. ”Fica na sua, velha jararaca”, disse a ela mentalmente. Depois perguntei á jovem viúva. ─ A senhora é a esposa dele?
─ Eu era a esposa dele─ respondeu ela.
─ E a senhora saberia dizer por que motivo ele foi assassinado?
─ Assassinado? ─ Quem disse que o Carlos foi assassinado? ─ respondeu ela, com os olhos arregalados.
─ Não foi? ─ perguntei.
─ Claro que não ─ disse ela. ─ Ele se suicidou ─ disse ela com uma convicção impossível de retrucar.
─ Mas porque ele teria cometido suicídio? ─ perguntei, interessado, pois logo vislumbrei ali uma boa história para explorar.
─ Primeiro, porque os negócios dele iam mal. Ele tem uma empresa de construção, que trabalha para empreiteiras de obras públicas. Desde que estourou esse problema com a Petrobrás ele não pega mais nenhuma obra. As dívidas foram se acumulando, os processos trabalhistas também. Ele estava ficando desesperado.
A jovem viúva caiu em um choro compulsivo e enterrou a cabeça loura no ombro da mãe.
─ Chega, moço ─ disse a velha jararaca. ─ Ela não quer falar mais.
Aquele negócio estava começando a ficar enrolado. Não tinha a menor ideia por onde começar a escrever a minha matéria. Estava me preparando para sair quando a sogra bateu nas minhas costas, discretamente.
─ Quero falar com o senhor em particular. Poderia me acompanhar até a outra sala?
Fomos até uma sala ao lado, que parecia ser uma sala íntima. Estava mobiliada apenas com um sofá e um enorme aparelho de televisão de plasma. A mulher me puxou para um lado e assumiu ares de confidência.
─ Sabe, essas coisas a gente não deve ficar falando sem provas, mas eu acho que a milha filha não tem razão. O meu genro não se suicidou. Eu acho que foi assassinado ─ disse ela, baixinho, com o canto da boca.
─ E a senhora desconfia de alguém?
─ Claro. Só pode ser aquela puta da amante dele. Ela o matou porque a minha filha o obrigou a abandoná-la.
─ Ele tinha uma amante? A sua filha sabia disso?
─ Não. Eu descobri isso a semana passada. Não tive coragem de contar isso a ela. A coitadinha já estava tão deprimida com essas dificuldades do trabalho dele.
- E a senhora já disse isso á polícia- perguntei.
- Não, porque não tennho provas. Mas tenho certeza que foi ela.
─ A senhora sabe onde posso encontrar essa mulher? ─ perguntei, já imaginando as perguntas que iria fazer a ela.
─ É aquela puta ali, de vestido azul ─ disse ela, apontando discretamente para uma mulher de meia idade, bonita e elegantemente vestida, sentada numa cadeira de espaldar alto, no fundo da sala. ─ A vadia é tão despudorada que ainda vem aqui, emporcalhar com a sua presença um momento tão delicado.
Agradeci e fui em direção á pretensa amante, que ainda olhava para o cadáver no meio da sala, como se não acreditasse no que estava vendo.
─ Por favor, senhora. Sou do Jornal .... Poderia trocar umas palavrinhas conosco? ─ perguntei.
Ela me olhou com um ar meio desconcertado como se não estivesse entendendo o por quê da sua escolha. E ficou mais espantada ainda quando Braz começou a tirar fotos dela. Mas isso parece que abriu nela a vontade de colaborar. O rosto dela relaxou e ela quase sorriu.
─ A senhora era amiga do falecido? ─ perguntei.
─ Por que o senhor quer saber?─ perguntou ela, desconfiada. Percebi que se colocava na defensiva.
─ É que fui informado que a senhora conhecia bem o falecido ─ disse eu.
─ Eu era a mulher que ele amava ─ respondeu ela com certa arrogância.
─ Mas ele era casado com outra mulher ─ respondi.
─ Uma biscatinha que só casou com ele por causa de dinheiro ─ disse ela.
Aquilo estava ficando interessante.
─ A senhora tem alguma ideia dos motivos que o levaram ao suicídio?─ perguntei.
─ Suicídio? Que suicídio, que nada. Foi ela que o matou!
─ De quem a senhora está falando?
─ Daquela putinha sem vergonha que se diz mulher dele.
─ A senhora acha que ela a matou? Como?
─ Ela atirou nele e fez parecer que ele se suicidou ─ disse ela, abaixando o tom de voz. Um brilho de ódio apareceu nos olhos dela.
─ E porque ela teria feito isso?
─ Porque ele ia deixá-la para viver comigo. Por isso ela o matou.
Eu já estava na rua, pronto para subir na perua da reportagem e voltar para a redação. Minha cabeça fervilhava. Como é que eu ia redigir aquela matéria?
Um sujeito nos abordou.
─ Ei , vocês são da Imprensa?─ perguntou ele.
─ Sim, somos do Jornal...
─ Ah! legal. Pode anunciar que o caso já está resolvido ─ disse ele. ─ Acabamos de pegar o assassino. É um caso de latrocínio. O cara entrou na casa para roubar, foi surpreendido pela vítima, que reagiu. Ele então atirou nele e depois fugiu sem levar nada.
─ Ah! meu nome é Nerivaldo. Investigador Nerivaldo. Fui eu que resolvi esse caso, sabe? ─ disse ele, estendendo a mão para mim e olhando para a câmara do Brás com um grande sorriso. ─ Você pode publicar isso?
Fiquei sentado a tarde inteira na redação pensando em como poderia costurar tudo aquilo. Por fim, quando o editor veio me cobrar a matéria, entreguei a ele uma folha com três linhas dizendo: Demito-me. Não quero mais ser jornalista. Vou estudar psicologia. Estou agora na sexta faculdade, ainda tentando encontrar uma profissão que me ensine a entender o ser humano.
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