478-O CHURRASCO DA MORTE
Comemoravam a aprovação no vestibular. Haviam estudado juntos desde os primeiros anos do curso básico e eram amigos inseparáveis. O teste do vestibular fora resolvido com facilidade. Por isso, se davam aquele prêmio merecido: um churrasco para os parentes e amigos.
Os três rapazes se revezavam no preparo do churrasco. A cerveja corria solta. Os amigos, parentes e até alguns penetras, enchiam o amplo quintal da casa de Carlos.
Com o passar do dia, o pessoal foi rareando. Apenas uns gatos-pingados persistiam, mas pelas 6 da tarde apenas os três amigos permaneciam ao redor da churrasqueira. Um pouco embriagados, mas nada que um bom mergulho na piscina não curasse.
—Tá precisando de mais carvão. — Alertou Armando, um dos três anfitriões.
—Xíiiii! Acabou. Já queimamos tudo. — Zé Luiz mantinha-se em pé com dificuldade.
—Vou pegar ali naquele monte de lenha alguma coisa pra queimar.
No fundo do quintal havia um monte de pedaços de madeira velha, restos de construção. Carlos vai e retorna com uma braçada de lenha: caibros, ripas e pequenos toros de postes ou mourões.
Aos poucos, foram colocando a madeira sobre os carvões. Já era noite e a churrasqueira brilhou com o fogo da madeira. Uma fumaça forte saiu da churrasqueira.
—Putz, que fumacê! Assim vai estragar a carne. Mas assaram o último naco de carne e tomaram as derradeiras latinhas de cerveja. Zonzos, sentaram-se nas cadeiras espalhadas ao redor da piscina e ficaram naquela conversa mole de fim de festa.
Sentaram-se e não se levantaram mais.
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A morte dos três estudantes foi um baque não só para a família como para todos os amigos. O doutor André foi cuidadoso ao expressar sua opinião.
—Parece que foram intoxicados. Só um exame mais acurado poderá confirmar ou não a minha impressão.
Exame mais acurado significava,no caso, autópsia, a qual foi feita no único hospital da cidade. O resultado surpreendeu a todos.
—Morreram por envenenamento. — Doutor André falou com o delegado Davanti, que acompanhava o exame, pois as mortes eram suspeitas.
—Foram envenenados...? Com que veneno?
—Arsênico.
—Tem certeza, doutor?
—Sim. Não só eu, como meus dois colegas, Dr. Lineu e Dr. Arantes, estamos certos disto.
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O fato se transformou em caso de polícia. O delegado Davanti iniciou as investigações interrogando as pessoas que estiveram presentes no churrasco. Tarefa quase impossível, pois numa primeira relação, havia 107 nomes de pessoas que, durante o dia, tinham passado pela casa, comido e bebido junto com estudantes.
—Todos são suspeitos. Os últimos podem são os mais suspeitos. E pode ter mais, alguém que tenha comido da carne envenenada.
Feito o exame de uns pequenos pedaços de carne que restaram sobre a grelha da churrasqueira, estorricados e negros como carvões, não se obteve resultado conclusivo de carne envenenada. A área do quintal foi interditada, ninguém podia andar por ali.
—Se houver alguma pista, estará na churrasqueira ou ao redor dela. — Disse Davanti, que aplicava na sua pesquisa todo o conhecimento técnico adquirido em cursos especiais, bem como a intuição, persistência, paciência e até algumas tintas de psicologia.
Na manhã seguinte, um domingo, permaneceu por muitas horas no quintal. Olhando, medindo, vasculhando. Examinou o chão, a churrasqueira, a cinza remanescente, uns carvões apagados que mão haviam sido queimados integralmente, o resto da lenha que não fôra totalmente usada. Deteve-se à beira da piscina. Encheu uma garrafa limpa com água da piscina e mandou examinar.
No quarto dia de investigação, após exaustivos interrogatórios das testemunhas, que não levavam a absolutamente a nenhuma pista, o delegado voltou ao quintal. Andou de lá pra cá, examinou mais uma vez a churrasqueira, e as achas, ao lado. Observou um pequeno toro de madeira, de uns 30 centímetros de comprimento por 10 de diâmetro, roliça, muito lisa, e com manchas esverdeadas. Perguntou ao pai de Carlos:
—Que madeira é essa aqui?
—São pedaços de mourões que usamos para fazer um caramanchão de parreiras. Está vendo lá no fundo do quintal?
—Que cheiro forte!
—É madeira tratada. Não apodrece nunca. Este verde que o senhor vê aí é devido ao tratamento que a madeira é submetida.
Madeira tratada...onde é que já li alguma coisa sobre a técnica de tratar madeira...? — O pensamento de Davanti vagou por alguns momentos. Sua intuição estava querendo lhe dizer qualquer coisa.
—E por que estão aqui, ao lado da churrasqueira?
—Parece que o carvão havia acabado e os rapazes colocaram pedaços dessa lenha para queimar.
De volta à delegacia, Davanti continua sendo perseguido pela informação do pai de Carlos.
Madeira tratada...postes e mourões de madeira tratada...
Sem tentar explicações, deixando-se guiar pela intuição, Davanti pega o telefone liga para Ildeu Braga, um velho conhecido, dono de um grande depósito de madeira.
—Queria esclarecimentos sobre o tratamento de madeira.
—O que deseja saber?
—Tudo. Estou seguindo uma pista que nem sei bem o que é.
—Bem, tenho aqui no depósito uma boa quantidade de postes tratados. Têm de ficar ao ar livre, pois podem contaminar o ambiente.
—Contaminar?
—Sim. No tratamento de postes, mourões e outros tipos de madeira, feito em autoclaves, a madeira é impregnada de óxido de cobre e arsênico, entre outros produtos químicos. Não tem bicho, fungo ou organismo que ataque. A madeira assim tratada pode ficar enterrada dezenas de anos, que não apodrece.
—Arsênico? Usam arsênico pra tratar a madeira?
—Sim. E o perigo é grande, pois não pode ser serrada ou furada sem o recolhimento dos resíduos. Nenhum alimento deve ser cultivado próximo aos locais de implantação dos postes, mourões ou estacas feitas com esta madeira.
—Então os venenos...isto é, o cobre e o arsênico, permanecem para sempre na madeira?
—Exato. E não se pode, absolutamente, queimar essa madeira. Os gases emanados, a fumaça, se inalada, poderá ser fatal.
—Obrigado, Ildeu. Você me forneceu todas as informações que necessitava.
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De volta à casa e ao quintal, Davanti apanha um toro da madeira esverdeada. Agora, com cuidado, pois sabe do perigo que representa. Embrulha em jornal.
—O senhor sabe o perigo que representa este toro de madeira tratada? —Perguntou ao pai do Carlos.
—Perigo? Do que o senhor está falando?
Davanti explica tudo ao infeliz senhor.
—Até mesmo as uvas que são produzidas naquela parreira podem ser contaminadas pelo arsênico dos mourões.
Leva o mourão para a delegacia. O doutor André atende o seu chamado e fica estarrecido ante a informação do delegado.
—Mas então foi isso! Os rapazes, sem saber, colocaram o pequeno todo de madeira tratada na churrasqueira, cujos gases contaminaram a carne que eles ingeriram e...
—Ou, as mortes podem até ter sido mais rápidas: eles aspiraram a fumaça mortífera que os matou poucos minutos depois de inalada.
ANTÔNIO GOBBO
Belo Horizonte, 15 de fevereiro de 2008
Conto # 478 da Série Milistórias