Investigação industrial
Investigação de espionagem industrial surreal
A primeira vez que ouvi falar do cogumelo A31, ou cogumelo do sol, foi em janeiro de l990 quando era fiscal de rendas e, me vi envolvido em uma fiscalização sobre os impostos não pagos de transportadoras de produtos Agrícolas na região de Mogi das Cruzes. Uma das empresas suspeitas de sonegar o imposto de transportes era uma firma de japoneses na Serra do Itapevi, próximo a Guararema. Depois de constatar que realmente havia sonegação na escrituração, o contador que representava a empresa me levou ao sitio sede da empresa de cultivo de cogumelos. De pronto estranhei a localização do sitio, em uma área de preservação ambiental no fim de uma estradinha de sete quilômetros no pé da serra. Um lugar isolado e muito bem guardado. Cercas elétricas alarmes e uma estrutura de segurança até chegar a casa sede. Uma propriedade de 12 alqueires e quarenta edifícios enterrados no barranco como se fosse uma fabrica de explosivo. Tudo muito limpo e bem arrumado.
Na sede, num escritório simples. O filho do proprietário, Sr. Kimio, me recebeu e conversamos sobre os pontos contábeis que tinham erros e necessitavam de correção. Haveria uma multa, em razão da má administração na entrega dos produtos de exportação. Ao fim da conversa o Sr. Kimiko resistiu a mostrar-me as instalações em que embalavam os produtos, o que me deixou desconfiado. Insisti. A contra gosto, me acompanhou ao setor de embalagem dos produtos, e me mostrou como era a operação de separação, pesagem e embalagem dos produtos.
Numa esteira e nas estantes laterais estavam pequenas caixas com um cogumelo pequeno, em cachos, como uvas, e de uma cor amarela quase dourada. Era o produto cogumelo A31 tipo Hiato, conforme as notas fiscais de exportação.
-É o cogumelo do sol. Há outros tipos, mas este é muito especial... E muito caro – disse o anfitrião
Olhando de perto na luz branca do galpão, ele parecia pequenas medalhinhas de ouro. Chegavam a brilhar dourados. E tinham uma aparência frágil.
-Esse é seu produto principal, o carro chefe, ne? Perguntei confirmando o que observara nas notas fiscais.
- Sim esse é nosso produto especial.
-Nunca tinha visto um cogumelo assim. Ele é diferente. Tem uma aparência frágil, parece uma miniatura. E vende bem pelo que se vê ne?
-A produção é toda exportada. Não tem sabor. Brasileiro não gosta desse tipo. É caro!
Voltei com o contador para a cidade conversando sobre o sitio, e as instalações.
-Eles já foram assaltados uma vez, por isso tem muita segurança. Não parece, mas eles estão bem de vida. Faturam bem. –
-Você não tem outros clientes que produzem cogumelos, e que sejam organizados assim. tem?
- Na região tem mais de cinquenta sítios que cultivam cogumelos. No escritório temos a contabilidade de uns vinte. Mas só dois fazem exportação. A maioria é para consumo interno.
-Esse cogumelo de exportação que me mostrou é mesmo diferente
-Eu nuca vi – disse o contador – Eles não mostram. Só conheço pelas fotos do catalogo
- Você nunca entrou nos galpões do almoxarifado?
- Não, nunca. Eles não permitem a entrada de ninguém. O senhor entrou por gentileza. Eles dizem que não podem permitir a entrada de ninguém devido às contaminações. Nesse negocio de cogumelos, todos tem seus segredos de cultivo e não querem que os outros saibam. Mas o Sr.Kimio diz que não permitem a entra de ninguém com medo de contaminação.
- E os empregados são todo daqui?
-Não, lá dentro os que trabalham são só familiares. Empregados só fora da produção. Na produção e embalagem é só a família Yoshida.
Passados alguns dias eu estava na barbearia de um amigo japonês e na conversa disse que visitara ao sitio dos Yoshida.
- Gente boa, o velho Yoshida já nem anda mais. Foi meu companheiro de golfe muito tempo- observou Akita, o proprietário.
-Conheci o filho Kimio.
- Esse é o do meio... São oito irmãos. Tem a mãe, a avo e muita nora. Os netos trabalham lá também.
- Todos no negocio de cogumelo.
- Sim, isso dá dinheiro. Muito dinheiro. Contando todos os Yoshida naquele sítio são uns trinta
-Eu entranhei não terem muitos empregados
- Eles tinham- diz Agita - mas mandaram muitos embora uns dez anos atrás. Teve um tempo que esse negocio de cogumelo era bom e eles tinham cinco ou seis sítios. Mais de cem empregados. Era melhor cultivar cogumelo que ter avícola.
- Eu sei. O negocio começou a ficar ruim por causa dos chineses que vendiam o seu produto importado mais barato que o nacional, ne?
- Eu acho que não. O negocio é difícil. Mas esses Yoshida de repente mudaram. Fecharam tudo ficando só com o sitio maior na serra. Mandaram todo mundo embora. O Narita foi empregado lá uns 30 anos e foi mandado embora também. Ate montou uma criação para ele, mas fechou. Hoje esta velho e aposentado. Coitado.
Não voltei ao assunto ate um dois meses depois, quando estava no salão da festa do Akimatsuri, no Cocuera. É a festa de outono da colônia japonesa. No salão principal os produtos de cada granja. Hortaliças, frutas e flores. E também os cogumelos. Os vários tipos cultivados na região.
Com é uma festa que incentiva os agricultores há premiação para os produtos mais bonitos. Curioso procurei os tais Cogumelos do Sol. Falei com um dos encarregados da exposição e ingenuamente perguntei
- E o cogumelo do sol?... não há expostos. E tão bonito!
-E esse ai. Cogumelo shiki. Tem gente que chama cogumelo do sol
-Não... Não esse. O do sol é bem diferente...
- Não. - retrucou o encarregado -Cogumelo de sol é nome comercial, Não existe. É conversa. É conversa de propaganda de laboratório. Dizem que é cogumelo especial, que faz bem, que melhora a vida, que combate envelhecimento... Conversa...
- Mas eu conheço um diferente desse. E outro tipo.
- Parecido, ne?
-Sim parecido, mas não são esses. E mais amarelo mais dourado
- Esses que estão aqui são os que são cultivados aqui. E olha que são os melhores do mundo. São ate exportados.
-Tem cogumelo do sitio Yoshida?
-Tem sim, são aqueles na ponta. O tipo branco e o cinzento. Grande , bonito ne?
Eram bonitos, mas na eram os que eu tinha visto. E fiquei intrigado com a conversa do encarregado da exposição. Peguei uns folhetos das granjas e levei para casa. Procurei um catalago que eu tinha dos Yoshida. Em nenhum aparecia foto daquele cogumelo pequeno, dourado que eu tinha visto.
Uma semana depois quando entrava no restaurante Moinho de Pedra que é uma casa vegetariana, vi umas caixas amarelas do “Legitimo Cogumelo do sol”, em oferta. Peguei a caixa, li as indicações, e perguntei para a atendente o uso do suplemento. O produto era um antioxidante que combate o envelhecimento e fortalece a imunologia. Interessou-me.
Na internet descobri que o cogumelo é um alimento milenar dos asiáticos, com propriedades medicas e místicas. Tem alguns comuns, outros venenosos, outros alucinógenos e um tipo que prolonga a vida e garante um sistema imunológico incrível.
Descobri que ele é um produto de cultivo complexo a partir de um tipo de semente que vem de laboratórios. Ou seja, não é possível o produtor, gerar suas “sementes” eles dependem de laboratórios no exterior que enviam a “semente” que permite o cultivo dos cogumelos. Ou seja, é um negocio global de multinacionais que controlam a produção. Esses laboratórios é que fazem o produto como se faz semente transgênica, sementes hibrida etc. Não é negócio de pequenos. E muito da produção se destina a laboratórios para a fabricação de suplementos alimentares, hoje em moda, para completar a alimentação e acabar com os radicais livres.
Cogumelo comum de pau podre em bosques não é comercial. O que percebi, é que ha muito biólogo e muito laboratório multinacional de renome, na produção e estudo desses cogumelos, na mesma linha dos bolores, lactobacilos e probióticos.
Como sabia do volume milionário da importação do sitio Yoshida e que muitos de seus clientes chineses tinha nomes acompanhados da palavra laboratório, fui procurar o Sr. Narita. Na barbaria me indicaram a casa dele. Quando o encontrei fiquei surpreso. Era meu conhecido. Tínhamos trabalhado junto em campanhas políticas anos antes. Eu não tinha associado o nome à pessoa.
- Quer dizer que este interessado em cogumelos?- me disse logo que começamos a conversar
- De fato. Eu queria saber desse negocio de cogumelo do sol. Dizem que é bom. E eu to ficando velho...
- Bom, isso é experto. Tem que se cuidar. Sabedoria chinesa. Plantas e ervas é a solução. - afirmou Narita com entusiasmo
- Isso é verdade. Fiquei impressionado na China com a sua milenar medicina natural, de plantas e coisa da natureza.
- Isso é experto. Isso é bom!
-Me disseram que você trabalhou no cultivo de cogumelos muito tempo.
-Sim, eu trabalhei com cogumelos. Hoje só como. Não trabalho mais. Naquele tempo da eleição do Kobasiahi eu tinha acabado de sair da firma do Yoshida. Granja Yoshida.
-E pelo que se nota ganhou bem a vida com isso
-Sim ganhei muito. To muito bem. Yoshida pagou bem
- Você sabe que eu sou fiscal. Fui lá pela sonegação de imposto... entrei lá
Meia hora depois, com detalhes contei que tinha visto um cogumelo na Yoshida que não estava em catálogos, e que me apresentaram como sendo do sol. Falei da exposição dos cogumelos do sol que se vende em casa de suplementos alimentares. E perguntei qual era e historia por traz desse negocio de cogumelos.
Em poucas palavras ele me contou como era o negocio dos cogumelos comum de restaurante. E disse da dificuldade de manter uma criação, um cultivo dependendo do fornecedor da semente. Os cogumelos cultivados na região se baseavam nessa semente, mais um composto orgânico feito de ração, bagaço de cana ou de vegetais apropriados, colocados em sacos pretos fechados dentro de um galão totalmente escuro e de ambiente controlado. Ao fim de trinta dias os cogumelos brotam formando uma touceira, uma moita. Também fazem colocando sementes em toras de madeira de paus de pinheiro ou eucalipto húmidos em ambientes apropriados.
-Não é difícil. Basta seguir a receita . A semente, o composto orgânico, o ambiente controlado e a escuridão. O problema esta no fornecimento da semente. Porque não é uma semente. É um bichinho. È uma planta que é um bichinho. É um mofo, que vira planta. E quem controla esse pozinho que vem para a gente misturar na ração, pra plantar, é o laboratório.
-Não da pra reproduzir no sitio?
-Não dá !
-Não da pra tirar mudas e replantar sem o fornecedor de sementes
-Não dá.
-Então o fornecedor é quem manda?
-E isso. É isso ai. E essa semente, esse pozinho é pouca coisa. Eu já vi trazer do exterior no bolso a quantidade de semente que serve para encher 50 carretas de cogumelos depois da colheita. É coisa muito pouca. Depois mistura com umas químicas para aumentar e colocar no composto.
-E como faz para plantar outro tipo?
-Não faz. Se quiser cultivar um tipo diferente pede para o laboratório um tipo diferente
-E não tem gente que tenta fazer sem o laboratório?
-Tem... mas é perigoso. Pode ficar um cogumelo venenoso. E não rende. Não dá produção. Sem a semente certa não compensa.
-E assim que o Yoshida ganha dinheiro...
-Ai é que esta a o segredo. O Yoshida comprava a semente de laboratório japonês. Mas um dia veio um grupo de chineses e lhe ofereceu a semente deles. Eles davam a semente e compravam o cogumelo pronto. O Yoshida topou. Recebia a semente, cultivava e vendia a produção. E era um tipo diferente. Mais cinzento. Gostoso. Mas tinha baixa produção. Os chineses levavam tudo.
-Isso foi no seu tempo...
-Sim eu trabalhava lá. Era eu, o velho Yoshida a mulher dele que era a que mandava e a os filhos. Nesse tempo a mãe dele já com uns oitenta anos não fazia mais nada. Tava acamada. Estava velha demais para trabalhar.
-Você disse que era a mulher dele que manda.
-Sim... e que eu saiba, até hoje. Ela estudou para medica, tem estudo de biologia também. A Irma dela tem esses laboratórios de analise num hospital de São Paulo. Ela é a durona. Trabalha vinte horas por dia. Mas não é mãe dos oito filhos do Yoshida, é só de dois. Os outros são sobrinhos criados como filhos.
-E ganharam muito dinheiro com isso?
-Você não imagina quanto. Milhões. Tudo no Japão. Ele tem prédios de 20 andares lá
-Serio?...Tudo isso?
-Pode acreditar. Você não entende disso. O produto vai e o dinheiro não vem. Que eu saiba até hoje eles vão lá ao Japão para receber o dinheiro da exportação. E deixam dinheiro por lá mesmo. O que trazem pra cá é mixaria
-Pode ser...
-Pode conferir
-Mas como conseguem tanto lucro.
-Nesses cogumelos de laboratório! – afirma Narita - No meu tempo a gente passou a cultivar só cogumelo de laboratório. Para fazer remédio. Tinha três, quatro tipos diferentes todo ano. Logico que mantinha a produção do shitake tradicional. Mas ganhava com os tipos especiais. E que agente só os conhecia depois que eles cresciam... Tinha de todo tipo. Um ano ou dois mandavam a mesma semente, depois trocavam por outro tipo. Iam variando.
-Sempre assim?
-Não... tem outras historias. Outro dia te conto.
-De qualquer jeito gostei. Gostei de te reencontrar. Vamos marcar para tomar uma cerveja.
-Faz o seguinte... -diz Narina na despedida - Vai ao meu sitio, mês que vem, no dia 18 aniversario da minha filha Liza vou te contar o segredo do dinheiro desses Yoshida. -.
Sai de lá e fui olhar os lançamentos de guias de importação e percebi era um grande negocio. E quem sabe até com uma sonegação maior. O que se percebia é que alguma coisa tinha acontecido uns quinze anos atrás mudando o ritmo de produção e enriquecendo os Yoshida de maneira assombrosa. As exportações declaradas de cinquenta mil passaram para 900 mil dólares. E considerando um subfaturamento quem sabe ele estivesse ganhando mais de quatro milhões de reais por mês. Deveras um bom negocio. Um negocio da china como se dizia antigamente.
Não podia fazer nada. mas a curiosidade me levou em frente e no dia do aniversario da filha do Narita depois do churrasco, sentamos na beira do lago. No barracão coberto, estávamos eu, o Narita, seu filho e o Kimio. O filho legitimo do Yoshida.
- Não pensei encontra-lo – disse ao Kimio-... não tão cedo!
-Cidade pequena, a gente sempre acaba se encontrando- respondi gentilmente, e completei-...E vou aproveitar para te perguntar por que não se vê catalogo ou fotos daqueles cogumelos que eu vi lá. Os douradinhos?
- E que não divulgamos... porque é produção de encomenda. A gente chama de A3 cogumelos do sol. É encomenda somente!
-No meu tempo tinha um código, conforme a encomenda. – dia Narita
- E ainda tem, não é mesmo Kimio.
-Sim, mas a gente chama genericamente de cogumelo do sol. Para não despertar a curiosidade. È encomenda e tem contrato. A gente não pode se arriscar a que alguém veja ou pegue algum.
- Por quê?
- Porque é contrato. É encomendado. O comprador quer sigilo.
Narita interfere
- Sabe... nesse negocio , os concorrentes copiam. Querem roubar um saco, uma mostra para cultivar também. Às vezes nem é para comer, é pra mandar pra outros laboratórios. Cada laboratório nesse mundo tem seus produtos. Sigilo industrial
-De qualquer jeito mesmo que roubem um saco ou uma caixa com o produto não da para reproduzir. Diz o Sr. Kimio - Mas melhor manter sob sigilo. Esse que agente manda em caixa fechada com alumínio, é tipos especiais para fazer remédios. Aquele que o senhor viu e um tipo especial para remédio.
- E custa caro...
-Sim. Eles pagam bem. A gente está vivendo disso!
- Esses que eles sempre cultivaram são muito especiais- Diz Narita –Eu não sei, mas o velho sempre dizia que era coisa única.
- Não, não é assim...
- O que te posso dizer é que tem que trabalhar muito- Esse negocio de cogumelo é difícil. – Diz o Narita – Pode crê não é fácil. É um negocio de merda
- Ainda bem que você saiu, ne mesmo velho!? Ironiza o Kimio
- Fica pra vocês que gostam disso.
Depois de soprar as velinhas, e comer o bolo o Sr. Kimiko e a maioria dos convidados se retiraram. Fiquei na varanda, olhando a entardecer sobre o lago. Em seguida a velho Narita trouxe uns petiscos e sentou ao lado.
- Sabe que só vou embora depois de você me contar o segredo dos Yoshida...
- Eu falei que ia contar alguma coisa?- pergunta Narita
-Falou... e to querendo saber.
-Primeiro você tem que saber algumas coisas do cogumelo do sol. O cogumelo do sol é uma lenda - conta Narita pausadamente - Ou nasceu de uma lenda chinesa que diz que uma princesa da dinastia Wang, mil anos antes da nossa era recebeu dos deuses um pólen mágico, vindo das estrelas, do sol, que conservava a vida eterna e bela da princesa. Com esse pólen ela não envelhecia e mantinha força e beleza. Mas o pólen era vivo e tinha que ser conservado em vasos com alimentos no escuro absoluto, pois ele tinha a força e não podia ser exposto a luz do sol de onde provinha. Diz à lenda que ainda no escuro ele emitia a cor e os raios de sua terra natal, o sol.
A princesa viveu séculos lindos e jovens. E outros imperadores chineses também. Os bárbaros não conseguiram roubar o pólen, ou seja, os cogumelos. Mas parece que os japoneses lograram entrar na cidade proibida e levar um vaso desses cogumelos para o shogum. E depois foi parar na Tailândia e até na Índia.
- Isso é a lenda?
- Sim isso é a lenda. Mas a realidade é que esse cogumelo em especial existe. De verdade há cogumelos do sol que fazem bem, e conservam a imunidade e ajudam na velhice. Estão em extinção. Os monges tibetanos, alguns médicos chineses tradicionalistas, e curandeiros japoneses, cultivam tipos que fazem efeitos maravilhosos, quando consumidos regulamente. A medicina atual já comprovou que esses cogumelos têm efeitos maravilhosos. Você come eles e não pega doenças, não fica enrugado... Fica forte.
-Mas porque não e mais divulgado. Porque não me receitam isso. Será que não é crendice? Dessas coisas que faz efeitos só pra algumas pessoas?
-pode ser, mas, no caso do cogumelo é de verdade, um produto espetacular, para não envelhecer, ficar com saúde ate os 90 anos, e viver bem.
-Uma fonte de juventude!
- Mais ou menos. Mas não é esse cogumelo de caixinha que vende por ai. O segredo esta no tipo de cogumelo. Falar em cogumelo do sol é piada. O cogumelo que eu estou falando é um tipo especial, milenar, diferente.
-O dourado fininho,... pequeno que eu vi.
- Esse mesmo. Esse que o Yoshida esta cultivando, esse é o original. Esse tem séculos de benefícios. Tem citação em milhares de livros. Mostra esse para as pessoas que o conhecem no oriente, e você vai ver que maravilha. É milagre. Não é dente de tigre, mas também é raríssimo. É incrível!
-Você come ele?
-Sim. Logico. Mas o efeito melhor ainda é do pó que esses laboratórios fazem
-Pó do cogumelo...
- Sim. E o que interessa é que só o Yoshida tem esse cogumelo
- Como assim?
- Só o Yoshida tem esse cogumelo do sol. Hoje no mundo se cultiva esse cogumelo do sol em dois ou três lugares. E ninguém sabe onde. Eu acho que tem um lugar no Japão outro na Índia e quem sabe na Turquia. Precisa de clima certo e a semente. Esse é o segredo. Produzir a semente.
-Mas pra todo cogumelo a semente vem do laboratório.
-Menos o cogumelo do sol. Esse não tem no laboratório. Nenhum laboratório tem. E ai vem o segredo. O Yoshida não recebe a semente. Ele produz a semente. A semente é dele. Por isso é que ele esta ganhando dinheiro adoidado.
-Ele mesmo faz a semente?
-Desde quando eu estava lá. E a historia é simples. Os laboratórios chineses começaram a mandar sementes de vários tipos, e compravam os cogumelos. Um dia, numa remessa apareceu um cogumelo diferente nos sacos de mudas. Eu estava lá. Não era minha área. Mas eu vi que nos sacos, além do cogumelo encomendado que tinha um numero , nascera outro do lado. Bem juntinho Outro cacho. Diferente. Era esse dourado que você viu. Pequeno. E a gente arrancou para não estragar a encomenda. E no mês seguinte apareceu de novo em alguns sacos e a gente arrancou de novo. Ai um dia, meses depois, a mulher do Yoshida me chamou e disse que no galpão sete só tinha desse tipo pequeno. Toda a produção era desse tipo pequeno. Ela ia mandar separado para o comprador. E mandou.
- Pra china? Pro laboratório que encomendava a produção?
-Isso. E o resultado foi que pediram mais. E mais. E no ano seguinte a. GENTE SO PRODUZIA ESSE TIPO. Até hoje. Ele só produz esse. O shitake é para comer aqui . Esse dourado é para importar. Vale mais de 50 vezes o preço do comum.
-Como é?
-È isso ai. Ele custa mais de cinquenta dólares o cacho. É o preço de trufa. E sabe o que é mais importante. Só ele tem. É único. É bom. Dizem que é o original chinês. O verdadeiro, da lenda. O original cogumelo do sol
-Mas se foi o laboratório que mandou a semente, porque só ele tem?
-A semente que o laboratório manda não desse cogumelo. Esse cogumelo nasceu aqui, O laboratório não sabe como produzir a semente. Eles tentaram. Analisaram mas não conseguem a semente
-Mas... pera ai. Se eles mandam o cogumelo pronto, grande como é que o laboratório não consegue tirar a semente. Pelo que sei esse negocio da semente é um pó que o laboratório tira. Se o Yoshida manda o cogumelo o laboratório consegue a semente para a próxima produção, certo?
- Não. Errado! Não é assim. Desse cogumelo especial o laboratório não tem semente. Os chineses não... Sabem como o Yoshida produz. Eles já vieram aqui para descobrir como é que ele nasce e o Yoshida não mostra. Diz que a causa é o composto. A mulher do Yoshida explicou que era o mesmo cogumelo que eles mandavam que sofreu mutação e se reproduz no composto especial que só os Yoshida fazem. E como eles guardam um pouco, vai de composto em composto.
-Pelo que eu li não é assim. Do composto não tira outra colheita . Só uma.
- Certo! E os chineses também não acreditaram nessa historia. Mas fazer o que? Eles sabem que a semente veio deles, misturada com algumas outras... mas não sabem como. Sabem que não é uma mutação... O velho Yoshida explicou para os chineses que era assim. E os chineses compram toda a produção, usam a mais de dez anos e querem que fique em segredo para não perder o negocio.
-O importante é que o cogumelo é bom
-É ótimo. E o melhor do mundo!
-E porque não vende aqui no Brasil ou em outros lugares?
- Por medo que alguém descubra como é feito e arrume concorrência. Eu quis fazer e não deu certo. A mulher dele pensa que se permitir que muita gente pegue ou estude o cogumelo deles pode ser que acabem descobrindo como reproduzi-lo. Ela me disse que se ninguém ver o cogumelo ou pega-lo não vão consegui reproduzi-lo e eles ficam com o negocio. Só o laboratório chinês é que recebem o cogumelo. E não consegue fazer a semente. Fabrica um pó e manda pra outros laboratórios. Principalmente para a Índia, para fazer remédios de todo tipo. O pessoal do laboratório examina, os biólogos estudam, mas não sabem de onde vem esse produto químico que é o próprio cogumelo. Sabem que é um cogumelo, mas qual, que tipo, como se reproduz não sabem. Esse segredo é da mulher do Yoshida
- Da mulher dele!?
-Só ela sabe como fazer. O velho Yoshida não sabe. Ela é a técnica. Foi ela que conseguiu reproduzir. Na verdade ele veio desse laboratório chinês, mas veio meio misturado. Chegou no meio das outras sementes. Quando nasceu, ela o separou. Eu não acho que foi mutação. Acho que o laboratório chinês mandou esse entre os muitos que mandou. Como eles conseguiram não sei. Nem eles sabem como eles mandaram. Sei que esse é o verdadeiro. O que se extinguiu a séculos. Ou quase. Olhando os livros antigos você percebe que é o mesmo. Não pela cor, mas pelo tamanho, delicadeza e a unha de gato. Ele tem um bico característico embaixo como se fosse uma unha. Só esse tipo tem. Pra mim é uma espécie em extinção. Um cogumelo, uma espécie de vida que quase se extinguiu... ficaram apenas alguns perdidos no mundo...
- E um desses chegou ao Yoshida... e ele conseguiu reproduzir....resumindo, o Yoshida tem um negocio único e muito bom !
-Ele tem a maior maravilha que pode existir. Olha pra mim. E estou inteiro, bem de saúde... e vê se tenho cara de 88 anos? Esse cogumelo é um milagre. E sabe por quê. Porque esse é o verdadeiro. Arruma e come. Ou compra o pó dele vindo da china ou da Índia misturado nesses produtos de laboratório...
- Que produtos?
- Produtos para rejuvenescer, para antienvelhecimento, para radicais livres, para energizar... sei lá em quanto remédio eles colocam esse pó do cogumelo. Lembre que ele é mais que uma planta, ele é um animal... vivo..
- Tá bom . E como se reproduz como foi que ela conseguiu reproduzir a semente desse cogumelo. . A mulher do Yoshida tem laboratório para isso?
-Que laboratório nada. Ela tem sogra. Tem sorte. Tem conhecimento e deu sorte. Deu muita sorte.
-Você sabe como eles fazem a semente?
-Sei... sei sim ... Mas não vou te contar. Ou melhor, vou te contar se você prometer que não conta pra ninguém. Mesmo porque se você contar ninguém vai acreditar.
-Contar eu prometo que não vou contar. Nem pros cara do laboratório que compram... mas espera. Se você sabe por que você mesmo não fez? Pergunto entusiasmado.
- Boa pergunta. Respondo !Não fiz porque mesmo sabendo como fazer, não posso fazer. Ou melhor, tentei. Tentou-se. Mas mesmo sabendo não consegui fazer a semente. A mulher Yoshida consegue. Ela tem o que precisa. E faz. Ela deu sorte. Eu falhei em algum lugar e não consegui. E olha que eu tinha montes de culturas e sacos com os cogumelos. Mas não deu certo.
-Explique-me! Por quê?
-Porque ela não me conta. E eu não perguntei. Sabia que ela não iria contar. Não contou pra ninguém. A produção é responsabilidade só dela. E que eu saiba ainda não contou para ninguém.
- Então o que você sabe?
-Sei como é, porque vi. Eu a acompanhei. Vigiei. Logo no começo ela foi descuidada e deixou que eu percebe-se Depois ela melhorou a segurança e complicou . Mas no começo eu percebi como ela fazia. Mas quando fui fazer igual não deu certo.
-Isso foi depois que você sai de lá?
-Não enquanto estava lá. Logo que apareceram as primeiras culturas, eu acompanhei. Quando ela fez o barracão sete inteiro eu fui e acompanhei. Quando ela plantou e cultivou o barracão oito eu acompanhei desde o começo. De longe sem ela perceber. Mas tinha uma parte do processo que eu não consegui nunca descobrir. Sabia como fazia, mas faltava algo.
-Você não consultou alguém para te ajudar. Afinal é muito dinheiro.
-Consultei. O meu cunhado sempre cultivou cogumelos e era formando em química. Tinha um bom laboratório. Mas tentamos juntos e não chegamos lá. Ficamos pertos, mas não logramos reproduzir sempre igual. Variava. Uma vez nascia, e crescia outras vezes não nascia ou atrofiavam. Não dava produção, igualdade. Ainda hoje eu cultivo ali no barracão, mas só para meu uso. Um quilo por trimestre. Só pra mim.
-Eu não entendo nada disso, mas parece um mistério interessante.
-Um mistério maravilhoso. Um verdadeiro mistério. É um caso de biologia. Na verdade uma descoberta espetacular. Porque ela não criou nada, ela apenas descobriu. Ela achou. Ela não inventou. Como quase tudo que é biológico, o destino lhe abriu a porta. Ela nem estava procurando. Aconteceu e ela aproveitou. Depois teve sorte e conseguiu reproduzir em escala industrial.
- Me pode contar?... Diz como é esse processo. Pode ser até que eu ache uma solução para você... - observo rindo.
-O processo é simples. Muito simples. Ela ia ao barracão onde estão os sacos com o cogumelo encomendado e colhe alguns brotos do cogumelo do sol que nasciam do lado. Eu não vi de perto, mas pude perceber que ela recolhe algo e leva pra casa. Depois que ela deixava o barracão eu fui algumas vez e procurei ver o que ela tinha feito. O que eu percebi é que ela tinha arrancado os brotos do cogumelo do sol.
-Não entendi.
- Ela arrancava os brotos, aqueles que nasciam incertos no começo. Isso aconteceu por dois, ou três meses. Quase todo dia ela arrancava, levava para casa e depois no dia que a gente arrumava os sacos na prateleira com o shitaque comum, ela era a ultima a entrar no barracão e fechar. Muito curioso e experto eu voltava no barracão à noite e olhava o que ela tinha feito. O que eu notei é que ao lado do buraco que a gente faz no saco plástico para que o cogumelo cresça ela tinha colocado uma pitada do tamanho de uma moeda de 10 centavos de uma mistura clara tipo doce de leite. Fedida. Essa era a semente. Era dali que o cogumelo se iniciava entrando na terra. Pra provar que aquela era a semente eu limpei vários sacos. Tirei a meleca. Onde eu tirei o cogumelo do sol não nasceu.
- Então era ai mesmo
- Sim. Mas onde é que ela preparava essa mistura? Ela tinha um escritório, mas não laboratório. Esse era o mistério. Eu sabia que ela pegava os brotos de um cogumelo novinho, levava para casa e fazia essa mistura parecendo doce de leite pastoso. E usava um pouquinho, como um grão de arroz preso ao saco na beira do composto. Acompanhei o crescimento. Do composto formava-se uma bola como bolor e logo sobre o composto se enraizava nos dias seguinte nascendo à cabeça dourada dos cogumelos como um cacho. Eram mais lentos de crescimento que o shitake.
-Nasciam juntos?
-Sim. Mas lá pelo quarto ou quinto mês, ela não punha a bolinha no saco plástico, enfiava no composto com um palito. Ela plantava a bolinha da massa no composto. E o cogumelo do sol vinha bonito. Só ele. Sem o shitake comum. Ela ate andou desconfiada que alguém estivesse mexendo porque eu cutucava e arranquei alguns.
-Mas e a massinha... conseguiu descobrir como fazia?
-Essa parte foi incrível. Consegui descobrir por acaso. Tínhamos um fogão de lenha para aquecer agua. Aquecer os baldes grandes. Um dia notei que ela levava alguns sacos plásticos e atirava no fogo. Colocava no fogão. Queimava tudo. E cheirava mal. Um dia depois que ela jogou eu esperei e fui lá e tirei do fogo o que sobrava do saco. E joguei longe, na beira da cerca, no meio do mato. E a noite eu fui lá pegar. Descobri que dentro do saco tinha fraldas sujas da sogra. A sogra, a velha, na época com mais de oitenta anos, usava fraldas higiênicas e a mulher do Yoshida as queimava. Joguei o saco no lixão no fundo e esqueci-me do assunto. Dias depois vi queimando de novo alguma coisa. Fiz a mesma coisa. Descobri que eram também fraldas, todas sujas da velha. Joguei no lixão novamente.
-Você não procurou saber onde ela guardava a semente?
-Não precisou. Na semana seguinte quando eu fui jogar lixo comum no lixão, olhei para aqueles restos de fralda jogados na beira do lixão, meio cobertos por papeis e vi as bolotas claras de mofo que produzem o cogumelo. Peguei, levei para o escritório, e coloquei em uma caixa de sapatos fechada. No escuro absoluto, com umidade. Uma semana depois os cogumelos dourados estavam bem crescidos da fralda cagada da velha sogra... A tal mistura era merda da velha. Os cogumelos nasciam da merda da velha. Brotavam da fralda suja...
- Como é?
-A mulher do Yoshida dava os brotos, e mais sei lá o que para a velha comer. A velha comia os brotos de cogumelos e alguma coisa a mais, e defecava na fralda. Dessa merda nasciam cogumelos. Era essa merda amarela que ela colocada nos sacos de composto para o cogumelo nascer. Eu examinei as fezes da fralda no microscópio. Estava cheio de brotos de cogumelo. Os cogumelos se desenvolviam nas tripas da velha. Brotavam nos divertículos. Acredite se quiser!
- difícil de crer... não é piada não?
-E quer saber por que eu não consegui reproduzir. Porque eu não tenho as tripas da velha e não sei o que e que ela dava pra velha comer junto com os brotos do cogumelo. E nem sei se eram os brotos ou aquele mofo que se formava no inicio.
Narita fez uma pausa. Eu estava assombrado. Parecia ficção.
-O que eu sei é que a minha merda e a merda da minha mulher não dava para produzir bons cogumelos. – continua Narita- Tentei muito. Ate que consegui alguma coisa, mas sem chances industriais...
E desconsolado, encerrou a nossa conversa. E eu não voltei nunca mais a pensar em cogumelos.
- Para criar cogumelos, lugar ideal é tripa de velha. Que beleza! ...e como rende.
F I M