388-INIMIGOS NÃO MANDAM FLORES-Crime e castigo

Foi uma sexta-feira de horror para Laudelina. A moça, a caminho do trabalho, atalhando por um terreno vago, foi atacada violentamente e estuprada. Estava ainda escuro ao chegar à casa da patroa. Completamente atarantada, em estado de choque, as roupas rasgadas e sujas, entre soluços e lágrimas, explicou o acontecido.

Dona Expedita não pensou duas vezes. Colocou a moça no carro, levou-a à delegacia de polícia, registrou a ocorrência e a acompanhou até o médico, onde foi confirmada a violência do ataque. Em seguida, levou a empregada de volta ao barraco onde morava com a mãe.

— Descansa este fim-de-semana, Lina. Amanhã volto pra te ver.

No dia seguinte, sábado, dona Expedita ficou chocada com o que viu, ao visitar Laudelina.

— Veja só! — A moça explicou à patroa. — Recebi este vaso de flores com um cartão. Sabe quem mandou? O filho da puta que me atacou.

— Como é que é? Como é que você sabe?

— Tem um cartão aí, assinado por ele.

Dona expedita leu o cartão, a escrita em garranchos e assinado “O Estuprador”.

— Não é possível! Esse cara tá de brincadeira?

Nova visita à delegacia, desta vez para comunicar o inusitado e atrevido presente.

— Miro! — Chamou o delegado. — Você e Arnaldo ficam encarregados deste caso. Quero tudo esclarecido bem rápido. Esse bandido tá brincando com a gente...

Visitando a floricultura, os dois detetives conseguiram a descrição do rapaz.

— Sim, tenho certeza. — afirmou a atendente. — Ele até deixou aqui, acho que esqueceu, um cartão da firma onde trabalha.

Na firma, localizaram a ficha do bandido: a atendente o reconheceu, pela fotografia no cartão funcional. Morava numa favela próxima do local onde cometera a violência.

— É esse mesmo. — Confidenciou Miro ao colega. — Ele já pegou outras moças, só que elas não deram queixa.

— Vamos pegar este desgraçado.— Arnaldo responde, também num sussurro — Talvez seja o mesmo que pegou a garotinha no mês passado.

Preso, identificado pela moça da floricultura e por Laudelina, o bandido não esconde seus crimes. Confessa a meia dúzia de estupros que havia cometido na região, inclusive na pequena Conceição, de dez anos. E a autoria do vaso de flores com o cartão insolente.

Terminado o ritual do depoimento, sábado de tarde, o delegado determina:

— Recolhe ele na cela 7.

Miro e Arnaldo trocam sorrisos. A cela 7. A cela de maior segurança na delegacia, onde estão cinco bandidos, já condenados, à espera de vagas em penitenciárias para serem transferidos. Assassinos e traficantes, facínoras da pior espécie.

O estuprador é lançado no covil das feras. Anoitece e a cela está mergulhada numa semi-escuridão. Ele não consegue ver o rosto dos outros condenados. Passados os primeiros momentos, acostumando a vista ao negrume do local, o recém-chegado vai notando os vultos que se aproximam. Cada um a seu jeito tenta se mostrar mais ameaçador. É a lei da prisão: o novato tem de se curvar ante os veteranos. Humilhar-se. Arrastar-se.

— Então, branquelo, te agarraram, hein? Agora cê vai ver o que é bão pra tosse.

Ante a aproximação dos cinco, que o encantoavam na cela, o estuprador sente a ameaça.

— Peraí, gente, nóis somo tudo preso, tudo igual.

— Num somo igual não. Nóis matamo mas não estupramo menor. Nóis num somo amigo, não.

A voz cavernosa fala de um rudimentar código de honra entre os presos. Homem que estupra criança não tem perdão. Não merece viver.

— E além disso... — inicia outra voz, ainda mais ameaçadora.

Sergio se assusta de verdade quando vê surgir, na mão de um dos condenados, um estilete brilhante e comprido. Agachado e encolhido, quase não escutou as últimas palavras que ouviria antes de morrer..

— ... além disso, inimigo não manda flor.

ANTÔNIO GOBBO –

Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2006

Conto # 388 da Série MILISTÓRIAS –

Publicado no volume 7 da Coleção Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/08/2014
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