Homem de Deus

Como sempre fazia, levantara as 4:30 da manhã. As 4:45 já estava de saída. Finalmente havia chegado o grande dia para ele. O dia em que ele, Gerard Lieb, entraria para a história da humanidade. Vestira seu melhor paletó de cor azul-marinho, apanhara a pasta de couro legítimo comprada especialmente para essa ocasião; não era homem de gastar com coisas supérfluas como uma nova pasta, mas essa era uma exceção, era o seu dia, o momento mais importante de sua vida; despedira-se com carinho da casa onde vivera por mais de trinta e cinco anos, e segurando a Bíblia bem rente ao peito caminhara rumo à eternidade.

Sentira-se orgulhoso. Não, era mais do que isso. Era um sentimento por ele nunca antes experimentado e ele tinha certeza de que poucas pessoas haviam se sentido da mesma forma. “Deve ter sido assim que o Criador se sentiu há milhares de anos atrás.”, pensou Gerard. E por alguns instantes sentira-se mais próximo de Deus do que qualquer outro ser que habitava a Terra.

Olhara para o relógio que trazia ao pulso... 6:15 da manhã. Abrira a pasta e, em frente à Igreja, começara a distribuir as brochuras que ele mesmo havia se dado ao trabalho de escrever, parágrafo por parágrafo, e ele fazia questão de que todos soubessem desse pequeno detalhe.

Apercebendo-se de que já havia um número suficiente de pessoas ao seu redor, encaminhara-se bem ao centro de todos e começara a discursar:

- À todos vocês que me ouvem, deixem-me lhes dizer: Acordem! Acordem, agora! – gritou ele - Não podemos continuar permitindo que esses negros nojentos andem por aí livremente, infiltrando-se em nossas casas, violando nossas mulheres. Nós brancos, de raça superior, devemos dar um basta nisso. Temos de exterminar essa escória da humanidade de uma vez por todas. E não sou eu quem lhes digo isso, meus irmãos e sim Deus, o vosso criador. É somente por vontade dele que hoje aqui estou. É preciso dar um basta, sim um basta para que...

Gerard Lieb sentira-se tonto, os joelhos enfraqueceram e levaram-no ao chão. Podia ouvir as pessoas gritarem, todos pareciam alucinados com o que ele havia dito, sabiam seu nome e o porquê dele estar ali. Sentira-se verdadeiramente vitorioso, tinha absoluta certeza de que esse dia entraria para a história.

Erguera-se e estava pronto a discursar quando novamente fora levado ao chão. Um líquido viscoso escorria de sua testa, era vermelho vivo, puro, assim como o seu dono. E ele então soube que era sangue. Um grande sorriso tomara conta de seu rosto. Olhara ao redor, procurando por sua pasta. “Como é linda.”, pensou Gerard, após abri-la e tirar de seu interior um revólver calibre 38. De olhos fechados apontara em todas as direções e disparara sem nem ao menos saber em quem, tudo o que pensava era que precisava acabar com aqueles negros, fora Deus quem lhe ordenara que o fizesse, e ele não podia deixar de cumprir uma ordem do Senhor.

Quando finalmente abrira os olhos, pôde ver seis corpos estirados ao chão. O lugar havia ficado vazio novamente, olhara ao redor procurando por mais uma pessoa. “Só mais uma. - dissera ele - Sete é um bom número.”

Sentira a terceira pedra atingir-lhe a nuca, essa era maior, mais pesada. O levara ao chão mais rapidamente, fazendo com que uma única lágrima escorresse-lhe face abaixo. Estranhamente sentira-se mais em paz do que em toda a sua existência, e suas últimas palavras foram: “Obrigado, Senhor!”

Duas semanas após a morte de Gerard Lieb, uma pequena nota sobre o caso fora emitida em somente um dos três principais jornais locais e dizia:

“Lamentamos profundamente o que ocorreu. Deus sabe que não foi dessa maneira que criamos nosso filho.”, disse a mãe do assassino Gerard Lieb. “Estamos todos ainda desolados por nosso filho Gerard, e por todas as vidas que ele tirou. Peço a todos vocês que encontrem em seus corações uma maneira de perdoá-lo.”, continuou Virginia Lieb. Gerard Lieb foi atingido por uma pedra na nuca e morreu em decorrência da mesma, em 15 de Novembro após atirar e matar seis pessoas, entre elas duas crianças, sendo uma delas coroinha da igreja local. A polícia classificou a tragédia como crime de ódio, todas as pessoas mortas eram negras, assim como o próprio Gerard Lieb.

Sendo essa a última vez em que o caso fora veiculado em algum meio de comunicação.

William Schmahl Barros
Enviado por William Schmahl Barros em 15/05/2014
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