214 - TARDIA REVELAÇÃO

Lembrando O. Henry

Leonor leu, com interesse, o anúncio no jornal:

“DETETIVE MARTA – Investigações conjugais em geral.

Sigilo Absoluto. Consultas sem compromisso. Tel. 4610-4611

— Mãe, vamos procurar essa investigadora? Talvez ela possa desvendar o mistério do Paulinho.

— Deixa de ser boba, minha filha. O Paulinho é assim mesmo, um sonso.

Leonor estava decidida a esclarecer o comportamento do amado. O noivado já durava mais de ano e ele nada de se animar a marcar a data do casamento. Ia levando a noiva e a mãe numa conversa mole que não convencia ninguém. A moça começou a cismar de que o noivo tinha algum segredo, alguma coisa misteriosa, pois não se decidia. Apesar de estar com ela quase todas as noites e passava com as duas — mãe e filha — todos os fins de semana.

— Tenho quase certeza de que ele está me enganando. Vou mandar vigiá-lo.

Leonor tinha bom emprego, enquanto o noivo não trabalhava. Dizia que vivia da comissão de venda de enciclopédias, mas evitava sempre o assunto. Ela sabia que ele, depois de casados, viria morar com ela e a mãe viúva. Mas por que não se decidia? Quando estavam juntos, não avançava mais do que Leonor permitia. Apenas beijos e abraços, que ela não era boba de permitir outras liberdades antes do casamento. Não gostava de cinema, de bar, de sair, enfim. Caseiro e quieto, passava horas e horas com a noiva ou com a futura sogra, em conversas ou longos silêncios.

Moravam a mãe, Dona Bia, e Leonor num aprazível apartamento em bairro elegante da grande cidade. Viúva há muitos anos, a estremada mãe criara a única filha com boa educação, graças à pensão deixada pelo marido. Mas não se descuidara um só momento de si mesma: freqüentava famoso salão de beleza nas vizinhanças, fazia ginástica na academia e algumas plásticas ajudaram na manutenção de sua boa forma e aparência.

— Bem, se você vai mesmo procurar essa detetive, posso ir com você.

A detetive Marta Vieira era uma mulher despachada, dessas que não deixam nada pra depois.

— Temos vigilância vinte e quatro horas, com escuta. Gravamos conversas telefônicas. Filmamos o suspeito o tempo todo em que ele estiver acordado.

— Não, não é preciso tanto. Só quero que você o vigie durante o dia, e à noite, só depois que ele sai do meu apartamento.

Contratado o serviço, a eficiente detetive passou a vigiar Paulo Garcia nos horários combinados. Durante um mês. Findo o prazo, apresentou relatório para Leonor e a mãe:

— O rapaz nada faz de suspeito. Quando não está em seu apartamento, visita diversos endereços, oferecendo livros. Parece que nada vende. Não verifiquei nenhuma atitude suspeita. Não tem outra namorada, ou mulher. É um homem solitário, pois não tem nem mesmo amigos de bar, de farras. Sério demais da conta.

Leonor ouviu o relatório e comentou com a mãe:

— Esse cara é mais sonso do que imaginava. Mas vou lhe dar um bom aperto. Ele vai ter de se decidir

— Cuidado, minha filha. Não vá espantar o Paulinho. Vamos fazer o seguinte: deixa que eu converse particularmente com ele.

Marta Vieira não ficou satisfeita com o trabalho. Tivera o máximo cuidado e discrição, acompanhara o rapaz por todos os lugares mas nada apurara de incriminador. Entretanto, a suspeita da noiva não seria infundada. Havia, sim, qualquer coisa de esquisito no comportamento do rapaz. Teve a impressão de que estava sendo enganada o tempo todo. Comentou o fato com o colega Robério, que se prontificou a averiguar, por alguns dias, se haveria mesmo uma farsa na conduta do rapaz. Munido de fotos e endereços, lá foi Robério escarafunchar a vida de Paulo, o sonso.

No final de uma semana, Robério veio com o relatório de seu trabalho.

— O vendedor de livros deixou de vender livros. Pelo menos, durante esta semana, não fez sequer uma visita. Praticamente não trabalhou. O que fez todas as tardes, de segunda a sexta-feira, foi encontrar-se com dona Bia, a mãe de Leonor. Os dois passaram juntos as tardes em diversos motéis da cidade.

— O safado foi avisado pela mãe da noiva, que é outra safada. Passou o mês inteiro encenando a farsa do vendedor de enciclopédia. — Foi o comentário de Marta.

A detetive não ficou surpresa com a informação. Viu confirmada a suspeita. Mas agora não sabe o que fazer. Se deixar o caso encerrado, estará compactuando com a enganação de mãe e noivo sobre Leonor. Se fizer um relatório a posteriori, ficará evidente a sua falha na primeira investigação.

O problema da cliente desconfiada transformou-se num dilema para a detetive de saias.

ANTONIO ROQUE GOBBO =

BELO HORIZONTE, 2.4.2003.

CONTO # 214 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 12/05/2014
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