Nem mortos, nem vivos.
O dia começou a clarear e o negro velho acordou, levantou-se, sacudiu os pelegos, foi até o balde e lavou o rosto, enxaguou a boca de dentes careados. Acendeu o fogão improvisado com pedras e uma velha chapa que lhe dera Seu Nonô.Pegou a cambona e a colocou com água para aquecer.Tomaria uns mate e depois iria sair. Procurar serviço entre os conhecidos.Seu Nonô sempre tinha alguma coisa, nem que fosse pago com um pedaço de carne, ou pão caseiro que a esposa dele sempre fazia muitos.Pegou um resto de erva-mate e colocou numa cuia já velha e danificada, um pouco de água fria e depois a água quente da cambona.Sentou-se num cepo forrado com seus pelegos e sorveu o amargo com prazer.Bem diziam os índios que a erva-mate é muito boa, serve para tudo, tira até a fome , fortalece o corpo e o espírito. Olhou para fora e o sol já mostrava a sua face, os pássaros começavam a cantar. O negro velho pegou uma panela com o resto da janta e colocou no fogão.Era o seu café da manhã.Sorveu mais um amargo, olhou novamente para fora.Um Quero-quero cantou,logo mais e outros.Deve ser algum bicho,pensou.Em seguida ouviu o latido dos cães e o vozerio de muitos homens. Saiu para fora e viu um pelotão de homens armados.Um deles,que parecia o Delegado do povoado gritou:
-Elautério, seu assassino, "esteje preso"!
Bom, ainda estavam longe e contavam com suas poucas forças de velho. Poderia fugir, jogar-se no rio e nadar até a outra margem, mas não iria.Resolveu esperar.Estático,mãos ao longo do corpo. O Delegado e seus auxiliares, todos armados, os cachorros babando e querendo soltar-se das cordas e por fim, novamente a voz do Delegado.
-Fique onde está, levante as mãos!
Obedeceu.Os homens foram chegando, cercando-o com caras ferozes.Conhecia a quase todos, menos um deles, um cara de fuinha, ainda jovem que o olhava com um leve sorriso nos lábios.
-Ninguém toca nele, algemem-no apenas.Disse o Delegado.Foi o mesmo que mandar atacá-lo. Assassino, seu Nonô era um homem bom e sua mulher uma santa, gritaram em couro e a seguir avançaram em Elautério e lhe bateram tanto, a socos, botinadas, com as espingardas, soltaram os cães e não adiantou nada o Delegado gritar, a cada grito de parem com isso, parecia que era mais uma ordem de atacar.O negro velho desfaleceu, caiu por terra,sem saber porque lhe faziam aquilo.Os homens foram se afastando e o cara de fuinha ajoelhou-se e tocou-lhe a jugular.A seguir falou ao Delegado dizendo:
-Está morto.
O Delegado mandou que todos fossem embora, depois mandou o coveiro preparar o corpo e enterrar esse bandido.O cara de fuinha sorria intimamente. Todos se retiraram, alguns beberam uma canha amarga, afinal, haviam feito Justiça. O negro velho ficou ali estendido.O cara de fuinha chegou no vilarejo, passou o dia por lá e à noitezinha pegou um saco com seus pertences e ninguém mais o viu.Seu Nonô e sua mulher foram velados com grande comoção e sepultados num túmulo do cemitério local.Quando o coveiro chegou para enterrar Elautério, ninguém havia lá, nem mortos, nem vivos.