TOCATA E FUGA

—Ai, essa porra arde o olho, pai!

—Olha essa boca suja. É claro que arde, isso não é comercial da Johnson&Johnson. Agora meta essa cabeça na espuma e preste atenção na sua mãe. Ei, Zilda! Cuidado com a câmera, porra.

—O que você vai fazer com esse filme, hem?

—Um amigo vai colocar na internet. Sabe o que é internet? Não sabe, então, ajeita essa câmera.

—Não vou fazer porra nenhuma, você fica andando com esses seus amigos tarados e agora quer meter nossa filha em pedofilia.

Tentei explicar que não era nada daquilo.

—Você pensa que sou boba, é? Tira essa menina da banheira.

Mas que caralho!

—Pai o que é pedofilia?

—Vai logo, Maurício, antes que eu tenha um chilique. Seu porco, onde já se viu fazer isso. Sabe o que sua mãe me disse? É, aquela velha maluca.

Ela disse que quando você era pequeno, o seu pai costumava visitar o seu quarto. É, é isso mesmo. Ele ia lá comer o seu cu.

Peguei Zilda pelo cabelo e a tirei do banheiro. Ela se debateu um pouco só. Ela não gostava de demonstrar fraqueza em frente da menina. Já na sala, ela esperneou mais e apanhou mais.

Voltei para o banheiro e tranquei a porta.

—A babaca quebrou a câmera, pai.

—Deixa eu ver. Não quebrou, não. É de encaixar, olha. Clik. Pronto, viu? Agora vamos fazer espuma.

Botei a câmera no tripé, liguei as luzes, sentei no vaso.

—Pai, você acha que vou ficar bonita? Bonita como a mamãe quando eu crescer?

—Como assim?

—Quero ter peitos grandes como os dela. Droga, olha só, não tenho nem peitinhos.

Desliguei aquela porra toda e fui procurar Ulisses.

Tempo.

—Veja você mesmo, você acha que esse é o melhor caminho? Você vem aqui e me quebra o dedo. Eu sei que foi sem querer, essas portas velhas de elevadores são um perigo, ficam tocando aquelas musiquinhas para distrair agente. Você estava procurando emprego naquele dia, não estava? Mas aquele escritório de contabilidade do quinto andar não aceita pessoas fisicamente inviáveis, você não tem a metade de uma das orelhas, não me interessa como você perdeu a outra metade. Quantas vezes eu não vi pessoas como você subirem esses elevadores, branco, preto, gordo, anão, perneta, albino. Aqueles caras são uns bando de nazistas. Às vezes eu pego eles falando uma língua estranha. Minha secretaria, Lurdes, disse que jura que é tupi-guarani, mas eu tenho as minhas duvidas. Aposto com você se eu chamar a policia federal aqui vão encontrar uma grande merda escondida nesses cubículos, uma merda tão grande que tenho até medo de mexer. Mas um dia eu me enfezo e telefono. Eu vivo dizendo pra minha secretaria, Lurdes, um dia eu me enfezo. Bem, naquele dia eu quis te dar um emprego, um emprego descente, ao contrario do que dizem, esse é um emprego descente, você pode perguntar pra minha secretaria Lurdes, ela frequenta uma igreja evangélica e ela pediu a permissão do pastor pra trabalhar aqui e ele deu, o pastor. Isso é um trabalho descente, estas me entendendo? Descente. Eu odeio prostituição, curra, orgia, palavreado chulo. Odeio essa laia. Por isso eu trabalho com crianças, eu adoro crianças, crianças são puras, as pessoas gostam de crianças, eu adoro ser pai, pois me sinto pai de todas elas, crianças tomando banho em banheira não tem nada a ver, é inocente, não tem nada de pornográfico, é arte. E esses fiscais do bom costume vêm me classificar de imoral, tarado e pedófilo. Tenha a santa paciência, não é meu amigo? Lurdes! Trás aqui pra gente um cafezinho, obrigado. Eu entendo você, meu amigo, você está confuso, e quer pensar, tudo bem, mas lembre-se, enquanto você pensa, continua desempregado, entende?

Pedi para ver o dedo quebrado dele, o otário estendeu a mão. Torci o dedo até arrancar. Ele chorava como uma criança. O dedo dele na minha mão sangrando.

Eu ia abaixar as suas calças e enfiar aquele dedo no seu cu. Mas a Lurdes abriu a porta trazendo café e o cheiro de merda do quinto andar invadiu a sala.

F Mendes
Enviado por F Mendes em 18/04/2014
Reeditado em 18/04/2014
Código do texto: T4773786
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