Encruzilhada

No chão haviam algumas gotas de sangue. As gotas apontavam que o sujeito que as derramou corria para a saída de emergência, já que a parte mais arredondada das gotas apontava no sentido contrário. Lucio seguiu o rastro, esperando encontrar o agressor ou, até mesmo, a vítima da agressão. Ele trabalhava como detetive particular desde seus vinte e três anos, e agora tinha quase o dobro. O tempo e as circunstâncias não foram gentis com ele, mas fazia parte do trabalho. Eram, como é que se diz mesmo? Ossos do ofício.

Chegando na saída de emergência, ele empurrou a porta, que não se moveu. Algo estava certamente obstruindo-a. Calculou que seriam necessários meia dúzia de chutes para abri-la, mas estava errado. Depois de três chutes ele ouviu o som de algo se quebrar, e a porta cedeu. A cadeira que fora posta na maçaneta para bloquear a passagem estava jogada ao chão, despedaçada sobre a grade da escada de incêndio. Mas e agora, subir ou descer? Indagou-se o detetive. Nos últimos minutos ele vinha se questionando mais do que o normal. Afinal, quem ele estava perseguindo, e por que? Ele não sabia. Havia apenas recebido uma carta naquela tarde, dizendo que uma tentativa de assassinato iria ocorrer naquele prédio, naquela noite. Quando ele chegou lá, tudo parecia normal, mas depois a coisa ficou estranha...

Ele ouviu o primeiro tiro quando estava saindo do banheiro, e outros três vieram a seguir. Na portaria, o sistema de câmeras mostrava um sujeito correndo no sétimo andar, e então Lucio correu até o elevador. Checou a arma que carregava consigo. Era uma 9mm, com 15 tiros no pente. Soltou a trava de segurança e saiu do elevador assim que a porta se abriu, apontando a arma para frente. Logo que saiu, viu um grupo entusiasta fofocando e apontando para um dos corredores, que foi por onde Lucio seguiu. Em seu tempo de trabalho, ele havia aprendido várias coisas, e uma dessas era que, se muitos soltam boatos sobre alguma coisa, parte deste boato tende a ser verdadeiro.

A escada que levava para baixo estava bloqueada. Mas apenas uma das escadas, e não todas. Com certeza quem quer que tenha fugido bloqueou a escada como pista falsa, mas se esqueceu de bloquear as outras. Subir, então. Ele subiu oito andares até chegar à cobertura do prédio. Todas as janelas pelas quais ele passou estava fechadas, com exceção de uma – onde o sujeito mais gordo que Lucio já havia visto assistia alguma animação vagabunda enquanto comia uma fatia de pizza. Ele ignorou essa janela, naturalmente. Chegando na cobertura, tudo parecia normal. Nada parecia fora do lugar, mas Lucio era detalhista. No escuro da noite, seria quase impossível notar, mas algumas gotas de sangue (maiores que aquelas vistas dentro do prédio) enfeitavam o chão. O brilho da lua naquela noite estava forte, e Lucio agradeceu por isso. Caminhou em silêncio, com a 9mm na mão direita, até as gostas de sangue. E parou. Atirou na cabine de concreto que provavelmente levava para dentro do prédio, e então continuou, agora correndo. O objetivo era ser silencioso, é claro, mas as vezes o medo desnorteia mais que a surpresa.

As gotas de sangue levavam até atrás de uma pequena plataforma, com um grande H no centro. Atrás dessa plataforma, havia um corpo. Era um homem, de cabelo preto e forte. O resto do rosto estava deformado, o nariz estava quebrado num ângulo estranho, e os lábios do sujeito estava cortados e sangravam. Ele ainda estrava vivo, sim, mas perto de morrer. Lucio limitou-se a olha-lo. O silêncio tomou conta da noite por um tempo, e quem o quebrou foi o homem deitado no chão.

- Foi vo... cê? Que me mandou. A carta..? Foi? A carta... – um acesso de tosse tomou conta do sujeito, e se estendeu por alguns segundos. Até que parou. Parou definitivamente. Lucio teve medo nesse momento. Então, duas cartas haviam sido mandadas. Não, pensou ele novamente. Quem realmente sabe se foram apenas duas?

Ele se abaixou e chegou o corpo. Trazia uma pistola semelhante a de Lucio no cós do jeans, e em um dos bolsos uma carta. Ele pegou a carta e pôs-se a ler.

Olá, detetive Giordano. Tenho provas conclusivas de que um ataque terrorista vai ser executado hoje no Edifício Portal da Luz, as dez horas da noite. Se quiser que este ataque não aconteça, vá até lá desarmado. Conversaremos depois.

A carta de Lucio não dizia isso. Ele se levantou e pôs-se a voltar para a escada, ainda em alerta. Ainda se perguntando quem havia escrito as cartas, e o porque disso. O outro homem também era um detetive, e estava morto. Lucio o deixou ali, mas logo alertaria alguém sobre o ocorrido. Agora, o que ele queria, era estar longe dali logo. Mas não podia se dar o luxo de sair correndo, isso chamaria atenção de mais. Quando ele quase chegava na escada, ouviu uma voz, distorcida por algum aparelho eletrônico. Parecia a voz do Darth Vader.

- Fique parado aí, Lucio. Parado aí. O outro de sua laia morreu, e você é o próximo. Me diga. Tem medo de morrer? Na verdade, não diga. Fique calado. -–Disse a voz, que soava distante. – Caminhe até a borda e fique parado por favor. – Lucio fez o que a voz pediu. – Muito bem. Muito bem mesmo. Agora, Lucio, aprenda a não confiar em estranhos.

A voz calou-se, mas o silêncio logo se quebrou, com um tiro. O tiro surpreendeu Lucio, e seu impulso mais natural foi se abaixar. Então, ele rolou para longe da borda e se levantou, e pôs-se a correr. Sete tiros foram dados, e um acertou-o no perna. Ele caiu com isso. Um terceiro sujeito chegava ali, provavelmente guiado pelos tiros. Este trajava roupa de policial, e trazia na mão uma semiautomática. Ele apontou a arma para Lucio. Este levantou as mãos e gritou ‘cuidado!’. Outros tiros vieram, e então uma pausa. Pausa para recarregar. Lucio tentou explicar a situação rapidamente ao policial, e este pareceu entender (inacreditavelmente) rápido.

E então vieram outros três tiros, e o policial que mal havia acabado de chegar caiu. Um tiro o acertou nas costas, e ficou no colete. O segundo (ou terceiro?) acertou-lhe o braço direito, e o outro acertou a nuca. O sangue e os miolos do policial voaram, parte no rosto do detetive ainda caído no chão. Os tiros vieram de trás do policial, portanto, o dono da voz estava atrás dele. Lucio olhou para frente, de onde os tiros vieram, e estudou o local. Ele tinha de fazer algo, afinal, algum louco estava mandando cartas para detetives e policiais e os matando no topo de um prédio. Quem era essa pessoa, e o porquê de estar fazendo isso, Lucio não sabia. Mas queria descobrir. Foi até o policial e pegou sua semiautomática. Destravou a trava de segurança e atirou até descarregar o pente. E então descarregou o pente de sua própria arma. Ouviu um urro, e continuou atirando. Se levantou, com as forças que ainda tinha, e caminhou.

Perto daquela extremidade do telhado, havia um pequeno muro, e atrás dele um desnível. O muro era pequeno, mas tinha tamanho suficiente para que um homem adulto se agachasse ali. Um sujeito careca e de pele pálida estava ali, com uma .38 na mão e um controle remoto. A mão direita do homem apertou um dos botões do controle, e um timer começou a contar regressivamente.

2’00”

Dois minutos, marcava. O homem loiro olhou Lucio nos olhos e riu. Só então o detetive reparou que no chão estava uma espécie de megafone. O sujeito apontou a arma para Lucio, mas antes que pudesse puxar o gatilho, Lucio Atirou. Mirou, não na cabeça ou no peito, mas no braço da arma. Outro urro foi solto no ar, e a .38 caiu no chão, inofensiva. Lucio avançou até o sujeito e o agarrou pela gola da camiseta.

- Que merda pensa que está fazendo? – perguntou-o. A resposta do indivíduo foi morder. De súbito, Lucio percebeu que ele mordeu uma capsula de veneno. Tudo a seguir aconteceu muito rápido. O sujeito começou a tremer, e então a babar. E então parou. Quem quer que fosse o sujeito, ele não pretendia ser pego. O timer marcava agora um minuto e quarenta. Sem saber bem o porquê, mas com um quê de intuição, Lucio checou os bolsos do sujeito. E é claro, ele encontrou uma carta. E a carta o aterrorizou.

Se você está lendo isso, sua morte se aproxima. Assim que o zero chegar, tudo vai explodir. Se você está lendo isso, eu já estou morto. Se está lendo isso, agora estou passando pelo maior desafio que um mortal vai passar. Grande parte da frota policial e detetives da cidade vai estar neste prédio hoje – no terceiro andar- , para o discurso de posse do Governador, certificando-se da segurança dele. O tempo para reação deles será curta, já que o tiroteio será afastado. E os que não deveriam estar aqui, foram convocados por mim.

Se você está lendo isso, eu ganhei.

Lucio pôs-se a correr, sem olhar para o timer novamente.

Mas sua perna doía, e como doía. Mesmo assim, ele correu o máximo que pôde.

Sem hesitar. Sem olhar para trás.