OVELHA NEGRA

Rogério de Azeredo Albuquerque nasceu numa família de classe média alta no Rio de Janeiro. Ele, Mara - a irmã mais velha e os pais moravam em uma mansão na Barra, bairro nobre da Zona Oeste carioca.

Quando Rogério veio ao mundo, foi com muita alegria que a família o recebeu porque tanto os parentes do lado materno quanto paterno torciam pela chegada de um menino. Ele era uma gracinha: gorducho, sorridente e não costumava dar trabalho. Era uma joia de criança.

Após cinco anos, Carla - a mãe de Rogério - engravidou novamente. Entretanto, quando ela estava no segundo mês, levou um tombo na escada de casa, teve uma forte hemorragia, e perdeu o bebê. O casal ficou inconsolável.

Por uns dois anos, Carla tentou ter outra criança, mas não havia meios dela conceber. O casal, então, optou pela adoção. Eles fizeram tudo como manda a lei, e após um ano e meio, trouxeram para casa um lindo menininho - Paulo. Quem aparentemente não gostou muito foi Rogério. Por um bom tempo, ele havia sido o “astro rei” já que Mara era bem mais velha, mas agora vinha um intruso para dividir com ele o amor de seus pais. Até aquele momento, Rogério parecia ser um bom garoto, mas foi só seu irmão chegar, que ele começou a apresentar um comportamento instável na escola. Não fazia os deveres, às vezes respondia às professoras, e passou a arrumar briga com os colegas quase todos os dias. Seus pais foram aconselhados a colocá-lo numa terapia porque tudo indicava que estava com ciúmes, e era por isso que queria chamar a atenção deles.

Rogério passou a ver uma psicóloga uma vez por semana, mas inteligente e perspicaz como era, logo aprendeu a dar as respostas certas. Ao final de um bom tempo, recebeu “alta”, pois parecia ter aceitado o novo membro da família. Pobres pais que se fiaram nas palavras da profissional. Não faziam ideia da índole do filho legítimo.

Três anos e meio depois desse tratamento, Rogério aprontou novamente. Dessa vez passou a tirar dinheiro dos pais para comprar chiclete e balas na cantina. A princípio, Carla e o marido não notaram nada estranho porque ele pegava só algumas moedas esporadicamente. Depois, passou a pegar valores maiores para ir ao cinema e fazer um lanche com os amigos. Um dia, ao ser perguntado se sabia algo a respeito do sumiço do dinheiro, ele respondeu que não, porém achava estranho que isso tivesse acontecido justamente quando eles haviam contratado uma nova empregada. Na dúvida quanto à honestidade da moça, Carla e o marido resolveram dispensá-la sem levar o caso à polícia. Afinal, não tinham provas e não queriam maiores aborrecimentos. Ao mesmo tempo, não desconfiaram do envolvimento de Rogério no furto.

Aos quinze anos, Rogério era frio e dissimulado. Como vivia chegando atrasado ao colégio e matava muitas aulas, passou a levar várias notificações na caderneta, porém ele se safava, imitando a assinatura dos pais. Para todos os efeitos, eles estavam cientes de tudo que o filho aprontava na escola. Foi, então que, mais adiante, Carla e José – o pai - se surpreenderam quando receberam uma ligação da diretora, exigindo o comparecimento dos dois em sua sala. Foi com um misto de estupefação e tristeza que eles ouviram uma série de coisas desagradáveis a respeito do seu filho do meio. O susto foi total. Não só nunca tinham tido problemas com Mara, que agora cursava a universidade nos Estados Unidos, como também não faziam ideia desse lado rebelde do garoto.

Rogério acabou mudando de escola por duas vezes devido a problemas de indisciplina, e seus pais já estavam sem saber o que fazer com ele. No Natal, por ocasião da visita de Mara, Rogério encantou-se com a descrição da vida da irmã na Califórnia. Ele fez tantas perguntas sobre a cultura americana que José resolveu fazer uma proposta para o rapaz. Se durante o próximo ano letivo, ele não se metesse em encrenca e estudasse, poderia fazer um intercâmbio em qualquer lugar do mundo.

Em setembro do ano seguinte, Rogério partiu para a costa Oeste americana. Enquanto os pais pensavam que o filho estava estudando no campus, na biblioteca ou no dormitório, o rapaz estava aprontando. Começou a se relacionar com uns maus elementos. Passou a fumar, a beber, e até a furtar pequenas coisas em lojas de conveniência. Rogério era o protótipo do encrenqueiro, e se continuasse daquele jeito, acabaria em um reformatório, porém, antes que isso acontecesse, seus pais foram obrigados a buscá-lo.

Ao voltar para o Brasil, Rogério foi matriculado num curso PPP (Papai Pagou Passou), pois sem ter o certificado de conclusão do ensino médio, ele não poderia prestar vestibular para uma universidade. Apesar do não comparecimento às aulas, Rogério conseguiu, aos dezenove anos, passar para Direito em uma universidade particular. Logo no primeiro semestre, se encantou por uma menina maluquinha chamada Daisy. Além de ser um tanto desequilibrada, ela era dependente química. Embora Rogério tivesse experimentado algumas drogas nos Estados Unidos, ele não curtia muito essa ”onda”, mas não seria esse o motivo que o afastaria daquela gata.

Agora que Rogério estava no Rio, ele voltou a implicar com Paulo, pois nunca se conformara com a adoção. Além disso, o caçula era o oposto dele: responsável, estudioso, educado, praticava esportes, era carinhoso com os pais, ou seja, era o filho ideal. De mais a mais, seus pais não se cansavam de contar para todos, familiares e amigos, o quanto se orgulhavam de Paulo. Paulo isso, Paulo aquilo.

_ Que raiva que eu tenho desse moleque! - pensou Rogério. Por que ele não morre?

Como o tempo, o envolvimento de Rogério e Daisy tornou-se tão intenso que os pais dele se surpreenderam. Até então, o filho nunca havia se interessado seriamente por nenhuma menina, ou pelo menos, eles nunca perceberam nada. No entanto, os pais ficaram realmente chocados, quando souberam por amigos que Daisy já tinha sido vista usando drogas. Carla pensou que era só o que faltava para a vida deles virar um verdadeiro inferno. E se Rogério passasse a consumir drogas?

_ Não, nem pensar! - exclamou Carla. _ Esse namoro tem que acabar.

A mãe fez um longo discurso contra a garota, mas a bronca não surtiu efeito. Rogério continuou a ver a namorada como antes. Aliás, ele andava bastante tenso por conta da dependência dela. Ela havia comprado uns papelotes com um traficante e ficara de pagar depois. Embora fosse uma “freguesa” antiga, o cara já mandara dois recados. Ou ela pagava o que estava devendo ou teria as duas pernas quebradas. Rogério estava tão preocupado com o bem-estar da namorada, que falsificou a assinatura do pai, e descontou um cheque na boca do caixa. Como o valor não era tão alto assim para os padrões da família, e o cheque era para o filho do titular da conta, o caixa do banco não desconfiou de nada. O lance, por sua vez, passou despercebido pelo pai que quase não usava cheques, nem checava o extrato com frequência. Foi o quanto bastou para Rogério usar mais e mais o talão do pai, e o da mãe, também.

Passado um mês, Carla e o marido foram surpreendidos por um telefonema do gerente da conta do casal. Jorge era amigo de infância de José, e estava preocupado porque suspeitava que alguém pudesse estar forjando as assinaturas de ambos. Carla e José foram conversar com ele. Como desta vez eles já achavam que Rogério deveria estar por trás do golpe, eles disseram que haviam assinado os cheques, mas Jorge pareceu não acreditar. Diante disso, eles admitiram a possibilidade de culpa do filho, contudo, eles pediram encarecidamente que o caso fosse abafado. Eles prometeram que isso não iria se repetir, e pediram sigilo sobre o delito. Ainda no banco, acabaram rasgando todos os talões para evitar que Rogério cometesse o mesmo crime novamente. Ao chegarem em casa, os pais colocaram o filho contra a parede. Eles queriam saber o porquê do uso dos cheques, foi então, que Rogério contou da ameaça feita a Daisy. José disse que entendia o seu problema, mas agora que a dívida havia sido paga, ele tinha que por fim ao seu namoro ou seria entregue a polícia. Como Rogério desconhecia o que o casal havia combinado com o gerente, ele resolveu aceitar a proposta do pai. No entanto, ele nunca chegou a terminar com Daisy, eles apenas se encontravam às escondidas.

Carla e José pareciam estar satisfeitos com o acordo, todavia, viver com Rogério era sempre uma caixinha de surpresas. Durante um café da manhã, o filho queixou-se do curso de Direito, pois não era exatamente o que imaginara. Ele já estava no segundo ano, e chegara à conclusão de que era muito chato ter que decorar leis. Além disso, ele odiava aquela linguagem arcaica usada nos autos dos processos. Ele havia conversado com um amigo que cursava Cinema, e se encantara pela grade curricular. Ele estava pensando em pedir transferência para o novo curso. Foi aí que José perdeu a paciência de vez com o filho. Disse que se ele realmente quisesse estudar Cinema que arranjasse um emprego para pagar os seus estudos.

_ Você pensa que eu sou trouxa? - perguntou José. Se alguma vez você realmente tivesse mostrado interesse por filmes, fotografia, cenários e coisas afins, eu pagaria seus estudos de bom grado. Mas você não me engana. Você quer é fazer corpo mole. Já viu que para se formar em Direito, tem que ralar, daí resolveu dar o golpe para cima de mim. Estou de saco cheio das suas estripulias, seu 171. De agora em diante, você vai trabalhar porque estou cansado de sustentar vagabundo. E tem mais, ou arranja um emprego ou sai desta casa.

Transtornado, Rogério começou a xingar o pai. O bate boca foi ficando mais intenso. Ouvindo gritos e palavrões vindos da casa ao lado, os vizinhos chamaram uma viatura porque tinham medo que o rapaz acabasse com José. Os dois tentavam se atracar, porém a mãe ficava no meio para apartá-los. Carla aproveitou que a campainha da casa tocou para fazê-los parar. Ela cruzou o jardim, abriu o portão, e explicou aos policiais que estava tudo sob controle, portanto, eles podiam ir embora. Depois, ela foi até o filho, e o convenceu a dar uma volta para que nesse meio tempo o pai se acalmasse. Rogério bateu o portão com toda a força, dizendo:

_ Isso não vai ficar assim.

Ao sair dali, Rogério foi ao encontro de Daisy, e contou a ela tudo o que se passara na casa dos pais. Ele não aguentava mais aqueles muquiranas. Ele realmente precisava se livrar deles para ficar com a grana dos velhos. Quanto aos irmãos, Mara morava em San Diego e não se metia em sua vida embora ele soubesse que, cedo ou tarde, teria que dar um jeito nela também. E quanto ao “pobrezinho” do Paulo, ele que aguardasse, pois seu destino já estava traçado.

À noite, ao voltar para casa, Rogério se desculpou com o pai, dizendo que estava profundamente arrependido. Acrescentou que havia pensado melhor e resolvera continuar o curso de Direito já que a carreira de um advogado era mais estável do que a de um diretor ou produtor de cinema. Além disso, resolvera seguir o conselho do pai e iria procurar emprego, pois queria ser mais independente e ter seu próprio dinheiro. O pai caiu como um patinho na lábia do filho, e foi assim que fizeram as pazes.

Dali a uma semana, Carla e José estavam confortavelmente assistindo televisão na sala quando Rogério apareceu de mãos dadas com Daisy. Ele havia entrado para pegar um suéter porque o tempo mudara, e ele estava com frio. O pai, que a essa altura já estava sem papas na língua, virou para o filho e disse:

_ Eu já não falei que não aprovo esse namoro? Ela é uma drogada. Tire esta garota desta casa de uma vez por todas senão você vai ser deserdado.

Foi o quanto bastou para o filho começar a berrar uma enxurrada de impropérios. Os gritos foram novamente ouvidos pelos vizinhos, que pela segunda vez, chamaram a patrulhinha. Ao chegarem, os policiais acabaram com o confronto. Embora o casal não tenha prestado queixa, ficou, na delegacia, o registro de uma denúncia anônima, pedindo ajuda para apartar briga entre pai e filho. Contudo, um dos guardas ouviu quando Rogério, pensando que estava sozinho com a namorada, disse baixinho:

_ Ainda vou pegar esse velho de jeito. Ah! Isso eu vou!

No caminho para a casa de Daisy, Rogério falou que aquilo tinha sido a gota d’água. Agora, os pais iam ver o que ia acontecer. E foi assim que Daisy participou dos planos para o assassinato de Carla e José. Afinal, Rogério não podia dar cabo dos dois, sozinho. Daisy teria que ajudá-lo.

Por ocasião da Páscoa, Rogério resolveu colocar em prática sua ideia. Como Paulo iria viajar para a residência de uns amigos na serra, seus pais estariam sozinhos em casa. Após a segunda briga, Rogério procurou se comportar para não levantar suspeitas. Chegou até a arrumar um emprego numa locadora de automóveis, especializada em prestar serviço para turistas estrangeiros. O pai parecia estar animado com o progresso do rapaz, e a mãe orava todas as noites, pedindo a Deus para que ele tomasse juízo.

Na sexta-feira da Paixão, à noitinha, Rogério desligou o alarme e as câmeras de vigilância. De madrugada, ele estacionou o carro numa rua perto da sua casa, e usando roupas pretas, entrou pelo portão com alguns sacos. Daisy estava com ele. Ela estivera tão agitada que havia cheirado cocaína para lhe dar coragem. Ao chegarem ao segundo andar da casa, Rogério acendeu a luz do corredor que dava para os quartos. Ele tirou as barras de ferro, ocas, dos sacos, deu uma para a namorada e deixou que ela entrasse no quarto devagarinho. Os pais dormiam. Eles foram atingidos na cabeça simultaneamente. José morreu na hora enquanto Carla teve que ser golpeada mais uma vez porque Daisy não batera com muita força. Após se certificar de que os dois estavam mortos, os jovens passaram a revirar o quarto para dar a impressão de roubo. Depois, foram até o cofre e tiraram tudo: reais, dólares, euros e mais algumas joias. Um pouco mais tarde, desceram e começaram a revirar a sala.

Nesse meio tempo, um dos vizinhos acordou no meio da noite para ir ao banheiro. Ao passar em frente a uma janela que dava para a casa de Carla, pensou ter visto um vulto na sala de estar. O vizinho ficou escondido, e dali a pouco ouviu um barulho surdo de coisa sendo revirada. Foi então que resolveu chamar uma viatura, pois suspeitava de que a casa estivesse sendo assaltada. Por sorte um carro da polícia estava ali perto, e chegou ao local rapidamente. Ao se aproximarem do portão, os dois policiais constataram que o mesmo se encontrava apenas encostado. Em silêncio, entraram no jardim, e quando iam abrir a porta da residência, ouviram um barulho. Só tiveram tempo de se esconder atrás das árvores. Rogério e Daisy abriram a porta do hall de entrada, e saíram, carregando alguns sacos. Em seguida, os policiais deram voz de prisão aos dois. Rogério não teve nem como reagir, pois sequer tinha uma arma. Eles foram revistados, algemados, e o conteúdo dos sacos examinados. Os policiais resolveram não entrar na casa, pois temiam que outros cúmplices pudessem estar à espreita lá dentro, por isso pediram ajuda pelo rádio. Dali a algum tempo, o reforço chegou. Quando os corpos foram descobertos, a hipótese de suicídio foi completamente descartada devido ao tipo de ferimento das vítimas. Além disso, as barras de ferro, encontradas nos sacos, estavam sujas de sangue. E por último, havia uma mancha vermelha no cadarço branco do tênis da moça, sendo assim, havia mais um motivo para que a roupa dos dois fosse encaminhada para análise. Mais tarde, os jovens foram levados para a delegacia.

Mara voltou dos Estados Unidos para o sepultamento dos pais, e deixou Paulo com uma tia da família enquanto o juiz não decidia com quem o menor iria ficar.

Quatro anos depois, o caso foi a julgamento, e o Tribunal do Júri condenou Rogério e Daisy a 35 anos de reclusão mais seis meses de detenção. Paulo não assistiu ao julgamento, porém Mara fez questão de comparecer. Ela sempre soube que seus pais passavam muito a mão pela cabeça de Rogério - o ovelha negra, como ela o apelidou quando ele começou a ter problemas na escola. Entretanto, ela jamais poderia imaginar que seu irmão iria se transformar em um cruel assassino.

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 18/02/2014
Reeditado em 08/06/2020
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