Quem matou Maria Clara
QUEM MATOU MARIA CLARA?
Rio de janeiro, 27 de abril de 1968
- Eu confesso, fui eu quem matou a moça. Matei porque meu coração foi dilacerado, esmagado e atropelado por um trem. Agora eu também devo dar cabo à minha inútil existência, pois sem ela meus dias serão cinzas. Mamãe e papai me desculpem, mas eu vou dessa para uma pior.
RELATÓRIO DA OCORRÊNCIA N° 1457 de 27 de abril de 1968(Caso não solucionado).
Este delegado, João Batista Albuquerque foi acordado em sua residência na rua Laranjeiras, N° 256, B: São Jorge, às 01:27 do dia 27 de abril de 1969 pelo sub-chefe do departamento de homicídios, senhor, Matheus Matias Golarte Silva, para que uma nova prova sobre o caso do homícidio N° 1457 (assassinato da senhora Maria Clara Meirelles) fosse examinada e posteriormente investigada.
Fui acompanhado pelo senhor Sub-chefe e pelo motorista do mesmo até a 23 DP. Ao entrar em minha sala deparei-me com um senhor, aparentemente com 42 anos, cútis clara, 1,84m de altura, cabelo castanho escuro, algemado e cabisbaixo. Não mostrava o rosto e estava com a camisa branca parcialmente ensanguentada. Sentei em minha cadeira e ao abrir o envelope pardo que estava em minha mesa, surpreendi-me com uma carta escrita no dia do assassinato da famosa atriz de telenovelas. O papel, manchado de sangue, continha relatos detalhados do homícidio que até hoje mantiveram-se sepultados junto com a moça. O possível culpado qualificou seu crime e relatou que o mesmo foi motivado por amor. Nesse momento fui até a cozinha apanhar uma chícara de café, eram 02:16 hrs.
- Não fiquem tristes por favor, afinal eu acabei de manchar com um revólver 38 os nomes que vocês me deram quando eu nasci. ,Ainda estou na casa dela, agarrado a um vestido florido em que o perfume mais sublime do mundo encontrou morada. Não tinha que ser assim, papai, mas ela preferiu assim. Quem sou eu agora? Quem pode me julgar se não o meu coração? Ele deu a sentença pai. Eu fui o carrasco disso tudo e tenho que vestir o capuz mais uma vez. A minha mão treme muito mãe, mas eu hei de limpar o nome de vocês ainda hoje. Eu só preciso de mais conhaque.
02:20 hrs. Continuando.
Após mais um pouco de leitura, nóta-se um forte distúrbio emocional no homem. Entende-se também, que ele ainda estáva na casa da atriz, Condomínio Tropical, Ap 22, R: São Cristóvão B: Centro, N: 1227. A mulher loira, 1,72 m de altura, cútis branca, olhos azuis, atriz de uma famosa rede de televisão foi morta com um tiro no centro da testa com uma arma de calíbre 380 disparada com silênciador e somente teve seu corpo encontrado sete dias após o ocorrido, após os vizinhos reclamarem do mau cheiro que sentia-se ao passar pela porta do ap. O telefonema dado pelo síndico do prédio, Sr. Adão Costaneiro Junior relatou que a dias, ele estava trancada em casa e que diversas ligações da emisora a qual ela era contratada não eram atendidas. Este delegado descolou-se até o lugar para averiguar o fato e encontrou junto com o agente Marcelo Früizan Martins o corpo, já em estado de decomposição. Era 10:30 hr do dia 03 de maio de 1968. Contactei o IML e a 23 DP e aguardei ordens do chefe do departamento de homícidios. São, hoje, exatamente, 02:54 hr e desloco-me nesse momento, novamente, até a cozinha para buscar outra chícara de café.
- Papai e mamãe, me perdoem. Eu sei que não deveria ter chegado a tal ponto. Mas ela tinha planos que iam de encontro aos meus. Eu poderia não estar armado, mas como? Eu só desejava que fosse do meu jeito. Eu acho que a morte é pouco para mim não é? Diga mamãe, você olharia nos meus vermelhos olhos e me chamaria de drogado agora? Ou você me ajudaria? A culpa não é só minha, é sua também. Eu sou o seu Frankstein mamãe. Sou o seu monstro, você deveria ter uma arma também. Mas não se preocupe, eu ainda te amo. Eu acho que só o conhaque não está adiantando, a minha mão ainda treme. Ela tinha pó aqui pai, mas eu não quero usar isso. Eu vou dar um fim nisso como um homem. Por favor papai, lembre de mim como o seu menino, aquele que queria jogar no flamengo, não como um assassino.
03:00 hrs. Continuando
Desta, vez demorei um pouco mais a voltar a ler pois fui abordado pelo secretário geral da polícia civil Sr Jonas Jr e pelo Cb PM Freitas, responsável pela reserva de armamento da 23 DP. Conversei com os dois e entreguei minha pistola ao militar para que a guardasse na reserva. Ao ler mais um trecho do manuscrito pude perceber que o suspeito estava tendo problemas familiares. Possivelmente havia feito uso de alguma substância entorpecente a qual provocou alteramentos motores, pois diversas vezes relata tremiliques em sua mão. Ainda, bebeu em demasia conhaque, o que alterou o seu estado emocional. Claros sintomas de embriaguez são notados pela falta de coesão na escrita. Às 03:15 hr, o agente Fábio adentrou a minha sala a mando do Sr Jonas avisando-me que minha presença era solicitada na sala de interrogatório para que acompanhasse a seção de um suspeito.
É, enfim, eu vou até a esquina comprar mais bebida pai. Dessa vez eu quero vodcka. É mais forte que o conhaque e deve resolver a minha falta de coragem. Eu vou sair pela escada de incêndio para não ser notado, a nossa noite de aventura começou ali mesmo. Ninguém sabe que eu estou aqui. Não nos viram entrar. O que começou no bar devia ter acabado na cama, mas ela bebeu demais e cheirou aquela merda até ficar paranoica. Porque pai? Porque ela disse que eu tinha que deixar a minha esposa para transar com ela? Porque ela correu até aquele telefone. Merda, se ela tivesse me ouvido. Agora meu sol apagou e nunca mais vão crescer plantas no meu jardim. Minha grama amarelou e logo vai morrer pai. Mamãe, a culpa é sua!
04:00 - Continuação
O Sr jonas interrogou um homem maltrapilho, barba por fazer, cabelo grande e fedorento. Certamente um morador de rua. Não tenho opinião formada sobre este suspeito, pois o mesmo não pronunciou nenhuma palavra, entretando notáva-se uma vermelhidão no globo ocular do mendigo, sujestivamente usuário de droga. Voltando a carta. O redator confirma que usou a escada de incêndio do prédio, juntamente com Maria Clara, para entrar sem ser visto no local do crime. Ouve discussão entre as partes novamente por problemas familiares. Fica claro a posição de amante da atriz. A mesma consumiu cocaína, segundo a carta, e ligaria para a esposa do assassino para contar do romance, então o mesmo, a pediu para que largasse o telefone. Não foi obedecido. Novamente o suspeito afirma o mau relacionamento familiar onde culpa, junto consigo a mãe pelo crime. Mais uma vez sou interpelado por um enviado do Sr Jonas solicitando a minha presença em sua sala.
- Bem, ninguém me viu sair e nem entrar aqui. Pai, a vodcka é das boas. Minha mão está parando de tremer. Eu pensei em arrastar a Maria daqui e enterrar o corpo mas desisti disso. Também vou tirar o silenciador da minha pistola quando for me matar. Quero que me vejam aqui. Essa coisa que ela falava de " vai pegar mal eu andando contigo" acabou. Vão encontrar dois corpos abraçados aqui. Eu já tenho coragem suficiente pai.
Bem, eu quero só que você saiba que eu fiz isso por vergonha da minha Elisabethe. Ela já tinha sofrido demais depois do acidente. Imagine não poder andar e ainda ter um marido infiél, que nunca mais havia a desejado e era amante de uma atriz.
Amo você, minha mãe não.
06:00 - continuação
Eu estou perplexo com o que terminei de ler. A carta estava rasgada no final, não tinha assinatura. Eu estou chatiado. Enfim, o Sr jonas me chamou e me perguntou se eu havia solucinado o caso já, por ser um delegado experiente e altamente reconhecido. Mostrou fotos da cena do crime e um outro envelope e me disse que a carta já estava com ele passavam seis meses. Eu estive surpreso nessa hora. Ainda mais quando ouvi a frase. - João, ela sabe! Ele, agora, também sabe.
Bem, é dificil escrever algemado, mas ele me concedeu essas últimas horas antes de ser levado para o presídio de Bangu. Eu devia ter queimado o resto da folha. Meu filho encontrou e mostrou para Elisabethe. Estou envergonhado. Eu devia ter tomado mais vodcka naquele dia.
Eu confesso: Eu João Batista Albuquerque matei Maria Clara.