O Complexo de Maxwell Smart




Dois homens de escuro, encapotados, com chapéus de abas largas e as mãos nos bolsos,
esgueiraram-se pelas estações do metrô.
— Lembre-se — dizia Ralph Olegário, quase cochichando no ouvido do outro — NÀO PODEMOS CHAMAR ATENÇÀO.
— Eu sei, Ralph — respondeu Igor, esforçando-se para segurar nos dentes o cachimbo tipo Sherlock Holmes. — Temos de agir NATURALMENTE.
Pararam na plataforma da estação, em meio a dezenas de pessoas, das quais nem uma sequer, provavelmente, deixara de notá-los. Ralph pensava agora nas palavras pouco animadoras do Master:
— Com este caso vocês certamente entrarão para a História de Ouro do Serviço Secreto Brasileiro. Naturalmente, supondo-se que cheguem vivos ao fim.
— Urubu de uma figa — pensava Ralph. — Porque ele mesmo não vem pessoalmente se expor?
Não tivera, é claro, a coragem de dizer isso ao Master. A recente ligação internacional dos metrôs da Lua trouxera uma indesejável vulnerabilidade ao complexo jogo da espionagem. E agora um estranho boato viera abalar a segurança do Comando. Disposta mais do que nunca a por em xeque a estabilidade brasileira na Lua, a Federação Imperial do Pacífico – que na superfície vivia em paz com o Brasil, mantendo relações diplomáticas – tinha enviado para a base dos brasileiros a terrível ameaça conhecida apenas como “Nêmesis”.
Quem era Nêmesis? Isabel perguntara isso ao Master, e este limitara-se a responder:
— Pelo que se diz, trata-se do mais perigoso terrorista de todos os tempos. Nêmesis chegando, é o que se propaga, será capaz de virar a Base Verde-Amarela pelo avesso. É um agente ultra-treinado e temos de impedi-lo de penetrar em nosso território. Se ele entrar provavelmente estaremos perdidos.
Olegário, que não suportava os melodramas do Master, indagou porque simplesmente não se interrompia a conexão de metrô com a base do Império do Pacífico. O Master fôra taxativo:
— É claro que isso está fora de cogitação. Existem interesses econômicos em jogo...
— Mas se nos destruírem não será pior para a nossa economia?
— Olhe, Ralph, nós não podemos raciocinar dessa forma. A ordem recebida não é a de fechar fronteiras, é de impedir que Nêmesis entre. Nós somos soldados e temos ordens a cumprir.
Nêmesis vinha do norte lunar, onde se encontrava a colônia imperial pacífica. Aliás, não tão pacífica. Dizia-se que era mestre em disfarces. O Master resolvera que todas as histórias teriam que ser conferidas. Assim, por exemplo, um veterinário teria de fornecer o visofone de sua clínica. Ralph estava intrigado com isso. O custo de chamadas lunares internacionais era muito elevado. Conferir centenas de passageiros por semana (por sorte não mais que isso, tendo em vista a escassa população selenita) custaria os olhos da cara. Valeria a pena, para o governo brasileiro? Só para manter um simples mortal a distância?
Igor olhou em volta.
— Nêmesis pode ser qualquer pessoa. Pode ser aquele velhote reumático, com as costas a 45º com o cóccix...
Ralph fez um gesto de impaciência. Aquela missão pressupunha que o Comando não confiava na triagem dos passageiros na alfândega, antes da chegada na estação.
— Isabel está demorando a contatar...
— Ora, não é ela que vem vindo aí?
Ralph olhou espantado para a esposa.
— Que houve? Não combinamos que você me chamaria pelo ouvidofone?
— Faz duas horas que eu o chamo, seu burro. Você ligou o ouvidofone hoje?
Ralph enrubesceu.
— Bem... bem... pequenos esquecimentos acontecem nas melhores famílias...
Com seu traje preto e corpo esguio, Isabel parece uma ninja. Mas isso não chega a chamar atenção, pois hoje em dia muitos jovens se trajam assim. Ela olha em volta e observa:
— Separei várias pessoas para uma nova triagem. Mas parti do princípio de que só pessoas fisicamente válidas poderiam ser Nêmesis.
— Sim, você tem razão. Nós aqui não vimos ninguém que possa ser...
— Sem dúvida, se Nêmesis passasse por minha triagem seria realmente digno dos elogios que o Master fez. Mas agora me acompanhem. Não virá mais nenhum trem hoje.
Igor e Olegário se entreolham e acompanham Isabel, que se dirige à cápsula que desliza sobre um único trilho, paralelo à linha do metrô, mas do outro lado da plataforma. Súbito Ralph Olegário se desvia, murmurando: “coitadinha”.
Aproxima-se de uma velha enrugada e cheia de lordose, aparentando 85 ou 90 anos, e que carrega uma valise estufada e aparentemente pesada.
— Por favor, deixe que eu carrego para a senhora.
— Oh, não se preocupe, eu estou bem.
— Eu faço questão.
Ralph segura a valise e faz menção de retirá-la gentilmente das mãos da velhinha.
Esta diz um palavrão e acerta com a bengala em Ralph, no plexo solar...
O agente secreto empalidece e cai ali mesmo. Já quase não há mais ninguém por lá, exceto Igor e Isabel que, estupefatos, não conseguem fugir da névoa que agora escapa da bengala...
— Oh! — murmurou Ralph, lutando contra o sono — o velho truque da bengala com gás anestésico!
Ao cair, porém, Isabel consegue jogar uma bola de isótopos sobre a velha, que desata a correr pela estação com a velocidade de um campeão de corridas...
Mas nada pode escapar da detecção de isótopos radioativos e “Nêmesis” é presa em trinta minutos. Com mais quinze minutos o trio volta a si.

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— Desta vez — disse Ralph — a intuição feminina falhou.
— Pois sim — respondeu Isabel — mas os reflexos femininos salvaram a situação.
— Você esquece que fui eu quem deteve a velhota?
— Mas você só tinha a intenção de bancar o cavalheiro! Você não imaginou que fosse uma mulher nova, coberta de pele enrugada artificial...
— Espere ai! Eu fui bancar o cavalheiro? Eu sou um cavalheiro!
— Vá dizer isso a quem não tenha casado com você...
E aqui eu encerro a história, pois nós não vamos os envolver em assuntos de família, não é mesmo?