QUEM SE IMPORTA COM ZAQUEU

QUEM SE IMPORTA COM O ZAQUEU

Eram 06h00min horas da manhã quando Zaqueu chegou a casa, bêbado, com as vestes rasgadas, um pequeno corte em uma das mãos, o olho esquerdo com edema. Chegou tropeçando em tudo e foi direto para o quarto. Jogou-se na cama e dormiu como dormem os bêbados. Estava tão mal que nem notou que Zaquira estava arrumada, sentada à mesa e tomando um café sem pão.

Zaqueu era um daqueles tipos bêbados, violentos, brigão e mulherengo, batia na mulher e batia em quem viesse pela frente e lhe afrontasse. Andava sempre armado com uma faca, mas o seu forte mesmo eram os punhos. Diziam tinha sido boxeador. Em todo o caso, era melhor acreditar e não puxar briga com um sujeito desses, além de tudo sem escrúpulos. Seu habitat mais natural era a zona do meretrício onde pintava e bordava com as pobres meretrizes sem eira nem beira. Sexo de graça, bebida de graça e brigas, era tudo que ele sempre queria, com isso afastava os fregueses que, por ser um lugar ermo chamado de Ilhas Virgens ninguém sabe a razão, tinha poucos homens que por ali transitavam apenas alguns semelhantes à Zaqueu, que, no entanto também tinham medo dele. A polícia não passeava muito pelas Ilhas Virgens, apenas quando havia mortes, sim, no plural porque sempre matavam mais de um, às vezes matavam mulheres. Quando encontravam corpos, recolhiam ao necrotério, aguardavam o prazo legal e sepultavam como desconhecidos. Ninguém era da cidade, ninguém respondia nada e sempre, ninguém afirmava quem era o matador. A polícia chamava ZAQUEU sempre como suspeito, mas sempre uma prostitua afirmava: ele estava comigo, Delegado. E ninguém falava mais nada. Havia ainda aqueles, ou aquelas que desapareciam misteriosamente, fugiam ou eram largadas à própria sorte dentro do riacho Mimoso, que tinha forte correnteza e ficava a alguns metros das Ilhas Virgens. Largado ali bêbado ou ferido, era morte certa. Diziam também que era ali que Zaqueu se livrava de alguns inimigos ou inimigos, principalmente quando chovia muito.

O cabaré das Ilhas Virgens era dirigido por Manuela, uma mulher gorda, que fumava sempre um charuto, vendia bebidas e sexo, não se metia com ninguém, muito menos com Zaqueu e assim ia vivendo. Quando as mulheres recebiam por seus serviços ela apenas esticava a mão e pegava a sua parte, era a parte maior e desse valor Zaqueu também levava um pouco. Caso contrário apanhava. Ilhas Virgens era o nome que alguém deu ao local composto de um prédio central e várias casas de menor porte à sua volta, onde se processavam os encontros amorosos, uma espécie de arquipélago.

Em casa Zaqueu tinha uma boa mulher, mas Zaquira vivia praticamente abandonada. Quando Zaqueu estava em casa ela apanhava, quando não estava, sempre à noite ele não estava e durante o dia dormia bêbado depois de surrá-la com um relho trançado.

Naquela noite, as Ilhas Virgens não estavam como sempre. Chegaram alguns homens em uma camioneta grande, de bonito porte. Aparentavam ter dinheiro e logo provaram isso e tomaram conta da casa. Zaqueu sentindo-se “abandonado”, pois era o “dono” do lugar, começou a beber mais do que de costume. Lá pelas três da manhã já estava torto, com os olhos inchados, mas ainda mantinha os passos firmes apesar de tudo. A festa estava pesada, as mulheres pediam cada vez mais bebidas, as famosas doses, os homens bebiam cerveja. Alguns dançavam, outros mantinham mulheres no colo, beijos e abraços, mãos que apertavam. Vez ou outra uma mulher pegava a chave e puxava seu cliente pela mão, retornavam alegres e recomeçavam a beber. Zaqueu era de todas, batia em todas, mas tinha lá suas preferências e seus olhos corriam sempre para Mercedita, uma castelhana muito fogosa, longos cabelos pretos, tetas grandes e quadris voluptuosos. E foi por isso que naquela noite o bochincho começou. Zaqueu não tinha batido em ninguém, não fora provocado. Então ele provocou. Foi se chegando para o lado onde estavam os novos clientes, como quem não quer nada. Todos estavam na farra e nem lhe deram bola. De repente Zaqueu ergueu um pé e enfiou na mesa lotada de garrafas e copos. Os objetos voaram em todas as direções e um copo caiu exatamente na cabeça de um dos homens ferindo-o de leve. Os visitantes se ergueram. E começou uma briga, eram todos contra Zaqueu. Socos, pontapés, garrafadas e Zaqueu se defendendo e batendo, mas ele não era tudo, era apenas um homem e, em certa altura vendo que não dava mais, covarde como era, pegou uma mulher pelo braço e a jogou na direção dos adversários com toda a força. Coitada, magricela, já sem forças naquele momento, voou e dois dos desconhecidos a seguraram no ar para que não se espatifasse no solo. Com essa manobra covarde, Zaqueu correu para a porta dos fundos e fugiu pelo mato. Dali pegou a rua de sua casa e conseguiu fugir.

Os visitantes pagaram as despesas e foram embora, mas disseram que aquilo não ficaria assim. Voltariam com certeza.

Zaquira terminou seu café e saiu em completo silêncio. Foi ao posto médico e aguardou a chegada do Dr. Valenzuela, um médico cubano que assumira há poucos dias. Às 8 h em ponto o médico chegou, preparou-se e começou a atender. Zaquira era a terceira ficha. Contou a sua história ao médico e foi mostrando-lhe as lesões, nos braços, pernas, coxas, nas costas, queimaduras nos seios e vagina. O médico antou tudo, lhe prescreveu medicamentos e lhe atestou para fosse à polícia, dizendo “vá a la policia”. Zaquira nem tomou os remédios, eram os antibióticos de sempre. Dirigiu-se para a Polícia onde fez um registro de ocorrência contra Zaqueu, pediu providências urgentes. No entanto informou a data de alguns dias antes como sendo a das agressões, que de fato era a verdade, por isso o bandido não estava em situação de flagrante. Dali Zaquira saiu em direção à estação Rodoviária, comprou uma passagem e foi para lugar desconhecido.

Por volta das 16 horas Zaqueu acordou com muita dor de cabeça, doíam-lhe os ferimentos. Gritou pela mulher e não teve resposta. Saiu pela casa dando pontapés nos objetos, foi até a cozinha, olhou no banheiro. Nada. Zaquira não estava. Onde andará esta puta? Pensou. Nem comida ela fez.

_Ah mas eu te pego sua piranha safada. Disse alto.

Foi ao banheiro, tomo um banho, trocou de roupas, preparou e comeu ovos e um pouco de feijão que encontrou na geladeira. Ficou sentado no sofá velho com o relho na mão preparado para puxar o brim de Zaquira. Tomou uma cerveja deitou novamente. Eram 8 horas da noite quando acordou novamente. A casa estava escura e nem sinal de Zaquira. Escondeu o relho, fechou a casa e saiu para a rua. Passou no bar do Zé e tomou uma cerveja bem gelada. Seguiu a pé na direção das Ilhas Virgens aonde chegou por volta de 22 horas. Estranhou o silêncio. As mulheres nessa hora já estão conversando, rindo ou brigando entre si. Estava desconfiado, mas entrou de supetão. Não foi recebido por ninguém. Gritou por Mercedita e não foi atendido.

-Bem, daqui a pouco elas aparecem. Disse em voz alta.

Pegou uma cerveja e começou a beber. Passaram-se alguns minutos em completo silêncio. Nisto lhe pareceu ter ouvido um ranger do assoalho, depois parece que uma porta bateu. O ranger do assoalho desta vez foi mais forte e logo todas as luzes foram acesas. Zaqueu deu um salto e procurou a faca, mas foi em vão, teve apenas tempo de dizer:

-Vocês ainda estão aqui, aquilo foi só uma briga.

Ninguém lhe respondeu, mas todos avançaram. Zaqueu empunhou a faca e um tiro a fez voar longe. Armou os punhos, era um bom boxeador, foi para cima dos oponentes. De nada adiantou, parecia que brotavam homens de cada quarto daquele bordel. Eles foram batendo, batendo, batendo mais e mais. Zaqueu caiu e continuaram batendo, ele ficou completamente grogue e não viu mais nada. Uma névoa densa o envolveu. Ao sinal de um deles os demais pararam. O mais velho verificou os sinais de vida e vez um sinal de negativo. Ergueram Zaqueu como se fosse uma palha e o levaram até o barranco do riacho Mimoso, por garantia ataram as mãos. Embalaram e contaram um, dois, três. O corpo de Zaqueu caiu na correnteza do riacho e desapareceu.

Logo a seguir o ronco de uma camioneta indicou que alguém estava saindo daquele lugar ermo. Somente aí, as mulheres das Ilhas Virgens começaram a acender as luzes e sair. Nenhuma usava maquiagem, estavam livres. Aquela noite elas ficaram no pátio, beberam muito e não receberam homens. No início da manhã, uma a uma foram saindo, levavam apenas algumas coisas de uso pessoal. Manuela ficou um pouco olhando para todos os lados, depois pegou uma pequena mala e foi saindo com o olhar perdido. Antes de chegar à rua, pegou um galão de combustível e jogou contra o prédio principal. Pegou um fósforo e ateu fogo. Foi andando sem olhar para traz.

Zaquira entrou em ônibus e desembarcou em São José de onde tomou o trem para Santa Fé. De Santa Fé pegou uma carona com um castelhano e seguiu Uruguai adentro. Depois de dois dias comprou um celular e fez uma única ligação, uma voz lhe respondeu:

-Tudo como combinado.

Zaquira jogou o celular num chafariz e desapareceu.

O Delegado ficou sabendo dos fatos por causa do incêndio. Procurou pela proprietária do bordel, pelas mulheres, principalmente Mercedita com quem de vez enquanto mantinha um achego, foi à casa de Zaqueu, não encontrou ninguém. Lembrou-se da ocorrência de Zaquira onde tinha sido anotado o telefone dela. Ligou e ninguém atendeu. Instaurou Inquérito, mandou periciar o local do incêndio. Colocou os papéis no fundo de uma gaveta e ali os deixou. Mas o Delegado sabia: Zaqueu foi jogado no riacho Mimoso e dali a correnteza vai para o Rio Grande onde é muito fundo. Mas quem se importa com o Zaqueu.

Luiz Carlos Costa de Moura

drmoura
Enviado por drmoura em 12/12/2013
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