EM UMA NOITE DE PLANTÃO POLICIAL...




Em uma pacata cidadezinha, onde a autoridade policial, era na maioria das vezes, somente essa pessoa que vos escreve, atualmente já aposentada, escrivã de polícia.

Entre tantos fatos inusitados que me aconteceram, trago por ora, o que passo a lhes contar daquele fatídico dia, e só de transcrevê-lo para essa fria folha de papel começo a revivê-lo e revolver em mim àquele sangue quente que me subiu à cabeça e que felizmente, não me abduziu; ao contrário, fez com que eu tivesse uma presença de espírito, no sentido de saber lidar bem com a tal situação, a qual, posteriormente, eu mesma me surpreendi, e muito me admirei!

Não foi por menos. Venha comigo! Construa a cena. Era um domingo à noite, desses que chamam de "domingo gordo de carnaval", ocasião em que tinham muitas ocorrências de "bebuns". Havia uma folia na pracinha do logradouro que já perdurava desde o dia anterior.

Através de denúncia telefônica chegou-nos uma ocorrência de muita confusão e "quebra quebra", bem como, fazia referência a um tal de "Incrível Huck", alcunha de um homem alcoólico que portava um terçado e que ameaçava os demais foliões.

Destaquei todo o meu contingente policial, diga-se de passagem, um motorista e um investigador de polícia, para a diligência devida. E fiquei eu e Deus, como já era de costume.

Alguns momentos depois eles trouxeram algemado o tal de "Huck"; em seguida desalgemaram-no e encarceraram-no; deixando-o na cela de triagem, apreenderam o terçado e disseram que precisavam retornar ao local por que ainda havia outras situações iguais ou piores para averiguar.

Ocorre que esse "Huck" gritava horrores, em altíssimo e irritante som, e sacudia veementemente as grades. O ensurdecedor grunhido repetia-se desesperadamente, nessa desordem: "Doutora me solte eu sou inocente! ‘Me solte Doutora’, por favor! EU ‘tô’ dizendo EU SOU INOCENTE, EU SOU INOCENTE, EU SOU INOCENTE...

Logicamente que eu não poderia ficar imune aos gritos e ao apelo confuso e enrolado do "bebum"; aproximei-me a fim de tentar acalmá-lo e disse-lhe que esperasse os policiais, as vítimas e as testemunhas para que fosse lavrado o devido TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência).

Nessa ocasião eu pude observar que o apelido fazia jus à pessoa; vi que a cor do rosto do homem era de um encarnado incrível; quase esverdeado, os cabelos avermelhados, grandes e em total desalinho, os olhos eram medonhos, sobre eles arqueados uma espessa sobrancelha e as grossas veias do pescoço estavam nitidamente visíveis pulsantes e azuladas.

Ele me olhou com ódio, parecia que ia me fuzilar, batia nas barras da grade da prisão e nas paredes e me deixou inclusive amedrontada, além de irritada.

Voltei para o pequeno gabinete e postei-me atrás da escrivaninha para prosseguir o trabalho de um inquérito em andamento, quando de repente, após os gritos ouvi um estrondo e em questão de segundos aquele homenzarrão vergava-se sobre mim e a mesa repetindo: "DOUTORA EU JÁ DISSSE. EU SOU I N O C E N T E!"

No mesmo instante tentei pegar minha pistola e percebi que ela não estava em meu coldre (uma espécie de suporte para carregar armas), apenas fingi que a segurava e falei em tom alto e com a voz tão firme - eis o motivo pelo qual me surpreendi comigo mesma - com a voz determinada e severa, coloquei-me de pé, encarando aqueles olhos apavorantes e, como se eu estivesse calma, pronunciei: "Fique calmo Senhor! Calma que eu vou resolver essa situação! Mas, é preciso que o senhor se acalme”!

Para meu alívio e salvação o homem desabou na cadeira em frente à mesa e começou a chorar copiosamente, tentei uma conversa amigável, mandei-o que aguardasse dizendo que lhe traria uma água, ocasião em que chamei os investigadores pelo rádio em comando QTC (No nosso código significa mensagem de urgência).

Segundo disseram os agentes policiais, eles teriam chegado para ajudar em questão de segundos, mas para mim foram os minutos mais eternos que já vivi.

Quando relembro a cena do "Incrível Huck" sobre mim, não tenho como não agradecer por mais aquela superproteção a minha integridade física, a qual pela fé que tenho atribua ao Espírito Santo de Deus.

Madalena de Jesus