O Elevador
Todo dia em que eu entrava no elevador, exatamente às oito e trinta da manhã, nem um minuto antes nem um minuto depois, caso acontecesse dele abrir a porta as oito e trinta e um, eu não entrava, e enrolava no saguão do edifício até o relógio marcar oito e quarenta. Não gosto de horas que não terminam em zero, me deixam angustiado. Já passei quase uma manhã inteira no hall do prédio, só entrando no elevador quando o meu relógio finalmente marcou uma hora exata, terminada em zero. Como ia dizendo, toda vez em que eu entrava no elevador, exatamente às oito e trinta da manhã, ela já estava nele, vinda da garagem do subsolo onde estacionava seu carro.
Eu não dirijo. Arrumei uma grande confusão uma vez, parando o trânsito por muitos minutos, contando quanto tempo levava do sinal vermelho para o verde. No entanto, quando o sinal abriu, não consegui sair, pois, comecei a contar o tempo do sinal verde. Não consegui contar o tempo do amarelo direito, as buzinadas e os xingamentos tiraram minha concentração, então tive que ficar mais uma rodada parado no semáforo, para o meu desespero e dos outros motoristas. Essas coisas são mais fortes do que eu. Só acelerei o automóvel por que um policial de trânsito foi até o meu carro e ameaçou-me de me levar em cana se eu não chispasse dali. Passei o resto do dia em aflição e voltei, de madrugada, para o mesmo farol. Parei o carro no sinal vermelho e fiquei contando o tempo que cada cor levava para mudar para outra, só depois disso consegui deitar e dormir. Naquela época não existiam sinais de trânsito com cronômetros, estou pensando em voltar a dirigir.
Ela era bonita. Mas, seus cabelos curtos e desgrenhados, espetados e fora do lugar, me enlouqueciam. Os cadarços dos seus tênis ou sapatos estavam sempre desamarrados e o pior de tudo, o que me deixava mais ansioso, eram as blusas de botão que ela usava para dentro da saia ou da calça jeans, a depender do que ela estava usando, que sempre formavam um bico na altura do umbigo. A parte direita da blusa ficava para cima, enquanto a parte esquerda ficava esticada e colada no corpo, e esse volume formado, entre o sétimo e o oitavo botão, me deixava maluco. Ela nunca e em tempo algum, nestes dois anos de encontros no elevador, esticava a camisa perfeitamente, nunca. Eu não conseguia tirar meus olhos daquela elevação de tecido, dos seus cabelos fora do lugar e de seus cadarços caídos e arrastando no chão, aquela visão corrompia o meu compulsivo senso estético. Era uma estranha e repulsiva atração o que eu sentia por ela.
Se eu pudesse, não entraria no elevador às oito e trinta da manhã, deixaria para entrar depois, em horários que eu sabia que ela não estaria lá dentro. Contudo, não consigo deixar de entrar no elevador quando ele abre sua porta exatamente às oito e trinta da manhã, e rogava baixinho, meio que orando, para que ele só abrisse a sua porta entre oito e trinta e um e oito e trinta e nove da manhã, para que eu não conseguisse entrar nele.
Eu tentei usar as escadas, todavia, minha obsessão me fez contar todos os degraus do térreo ao quinto andar, pavimento onde fica meu escritório. E por três vezes tive que descer e recomeçar a contar, por que encontrava com conhecidos durante o percurso e eles falavam comigo, fazendo-me perder as contas.
Um dia resolvi que iria acabar de vez com aquela aflição.
Aquele foi um dia terrível. Subi ao meu escritório e arrumei minha bancada como de costume. O caderno de desenho absolutamente no centro da bancada. A caneta azul, a preta e a vermelha do lado direito do caderno de desenho. A régua grande no lado de cima do caderno, três centímetros abaixo da borda da bancada. Os esquadros, o transferidor e o compasso, todos, do lado esquerdo do caderno. A caixa de lápis de cor e de lápis de cera na gaveta, ao lado das borrachas. O notebook na extremidade esquerda da bancada, e o estilete em minha mão direita.
Cheguei à contagem de dez mil setecentas e três vezes, que expus e guardei a lâmina do estilete, durante todo o dia, no momento em que ela se aproximava do seu carro. Estava tudo silencioso e vazio. Toquei-a no ombro. Ela se assustou. Assim que se virou, meus olhos se fixaram em sua blusa. Estiquei minha mão, na tentativa de alisar aquele maldito volume de sua camisa. Ela se afastou, eu tentei de novo. Ela acertou uma tapa muito forte em minha cara, e começou a gritar por socorro. A agressão fez meu sangue ferver.
- Por que me agrediu? Perguntei entre dentes. Ela não respondeu. Avancei com mais ímpeto em sua direção, ela me estapeou de novo e continuou a implorar por ajuda. A garagem estava deserta e seus berros ecoavam pelo lugar. Encurralei-a contra a parede e o porta-malas do carro. Eu ainda estava com o estilete na mão. Ela chorava e eu pedia que ela se acalmasse, mas não adiantava. Quanto mais eu pedia calma, mais ela berrava e me batia e unhava e estapeava e chutava. Fui ficando irritado e possesso e a furei na barriga; muitas vezes.
Quando a polícia chegou ela estava com oitenta perfurações na barriga, Quarenta do lado direito e quarenta do lado esquerdo, com exatos dois centímetros de distância de uma perfuração para outra. Seus cabelos estavam rigorosamente penteados, os cadarços de seus tênis amarrados e sua camisa, ensopada de sangue, perfeitamente esticada sobre o seu abdômen.